quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

PNDH-3: ENTRE MORTOS E FERIDOS, SALVARAM-SE TODOS

O parto da montanha foi um rato: nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cedeu como os comandantes militares exigiam, nem rechaçou explicitamente sua chantagem como os democratas prefeririam.

Com seu habitual estilo contemporizador, primeiramente deu tempo ao tempo, esperando a temperatura política baixar.

Depois, fez retoques semânticos na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, conforme o ministro da Defesa (Nelson Jobim) propôs e o dos Direitos Humanos (Paulo Vannuchi) concordou.

[A reunião, segundo a imprensa, durou apenas "pouco mais de meia hora", reforçando a impressão de que os atores estavam mesmo é posando para suas respectivas clientelas, bem ao estilo do teatro político...]

Então, onde se dizia que a Comissão Nacional da Verdade iria apurar os crimes cometidos pela repressão política, agora está dito que o foco de suas investigações serão as violações de direitos humanos.

Ponto para os militares? Nem tanto. Pois não se-lhes concedeu o que eles mais gostariam de ver no papel: a equiparação das atrocidades da ditadura às ações violentas dos resistentes. Tal mostrengo foi considerado inaceitável, felizmente.Só que não se cravou a estaca no coração do vampiro, pois competirá à Comissão "identificar e tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática de violações de direitos humanos, suas ramificações nos aparelhos de Estado, e em outras instâncias da sociedade".

Ou seja, nesse balaio entra qualquer coisa, conforme o gosto do freguês.

É óbvio que as estruturas transgressoras dos direitos humanos, ramificadas nos aparelhos de Estado, nada mais eram do que o DOI-Codi, os Dops (depois Deops) e os serviços secretos do Exército, Marinha e Aeronáutica,

Quanto às ramificações dessas estruturas em outras instâncias da sociedade, aí há pano para manga.

Democratas colocarão neste escaninho:
  • a Operação Bandeirantes, filha bastarda que nenhum pai registrou em cartório (foi estrutura informalmente por militares e policiais civis, com financiamento de empresários fascistas) mas deteve poder de vida e morte sobre os resistentes;
  • os aparelhos clandestinos da repressão, como a Casa da Morte de Petrópolis e o sítio do delegado Sérgio Paranhos Fleury, para onde eram levados os resistentes cuja prisão não se pretendia formalizar, pois estavam marcados para morrer e evaporarem;
  • os procedimentos ilegais, criminosos e hediondos efetuados no âmbito da Operação Condor;
  • o Comando de Caça aos Comunistas (que voltou ao noticiário ultimamente por conta da incontinência verbal de um de seus quadros históricos) e bandos congêneres de paramilitares;
  • os terroristas que lançavam bombas em instituições como a OAB e a ABI, incendiavam bancas de jornais e planejaram o atentado do Riocentro.
OS CORVOS E SEUS GRASNADOS

Mas, o Jarbas Passarinho e outras aves de mau agouro decerto vão grasnar que as vítimas também cometeram excessos, ao reagirem à truculência dos governos golpistas e respectivos carrascos.

E seus grasnados soarão em volume exageradíssimo na grande imprensa, ensurdecedores a ponto de abafar os argumentos dos seres humanos sensatos e justos. Como sempre.

Então, tudo doravante dependerá, inicialmente, do grupo interministerial que vai elaborar o projeto de lei instituindo a Comissão da Verdade; e depois, de sua tramitação no Congresso Nacional.

O primeiro deveria concluir seu trabalho até 21 de abril, para constar das comemorações do dia de Tiradentes. Vamos ver se o timing será mantido.

Mesmo que não haja prorrogação, dificilmente o Congresso dará à luz essa lei nos oito meses finais do Governo Lula. Ainda mais se tratando de um ano eleitoral, em que o esvaziamento de suas sessões já se tornou uma melancólica rotina.

O balanço final do episódio, portanto, é:
  • apesar de alguma ambivalência no tocante à Comissão da Verdade, a decisão de Lula manteve a integridade do PNDH-3;
  • caberá aos democratas, com sua mobilização, evitarem que seja desfigurado adiante;
  • o abacaxi só será efetivamente descascado (ou não) pelo próximo Governo, a quem caberá colocar em prática ou manter no limbo as iniciativas do PNDH-3;
  • os alarmistas da grande imprensa caíram em ridículo total, ao apresentarem como golpe de estado um pacote de medidas que o Governo tem pleno direito de propor, mas cuja implementação depende do crivo parlamentar, como é regra nas democracias.
Talvez o mais auspicioso deste episódio tenha sido a constatação de que Lula aprendeu a dar o justo peso aos blefes militares.

Há dois anos e meio, uma nota oficial do alto comando do Exército o fez desistir da cassação do habeas corpus que os criminosos da ditadura militar previamente se concederam: impôs a diretriz de que a Lei de Anistia permaneceria intocável, no âmbito do Executivo.

De lá para cá, Lula adquiriu uma melhor percepção da força de que realmente dispõem os reacionários: não passam de liliputianos que os holofotes da mídia fazem parecer gigantes.

E está se permitindo até escarnecer das tempestades em copo d’água da imprensa, como quando negou que Jobim, Vannuchi e os comandantes militares o tivessem pressionado com pedidos de demissão:
“A única coisa que chegou na minha mão foram divergências entre dois ministros, que foram resolvidas hoje [13/01]".

4 comentários:

rayo de sol disse...

Não vejo com bons olhos a atitude do Presidente Lula, a atitude de agradar a gregos e troians, além de tirar o julgamento aos torturadores, deixou uma enorme brecha, para sumir com provas, pois se é quase impossivel provar alguma coisa contra um policial, imagine com um militar, penso ao contrario não deveria recuar, os torturadore não responderem pelos seus atos, anda na contra mão do mundo,aqui não a tortura é
perpetuada é agora quase legitimada, fiquei mais ma vez muito frustrada, e vejo nas atitudes do Presidente mais uma vez uma encenação, eu quero que os torturadores sejam julgados, para mim, o gosto amargo da frustração e da dor que anos me acompanham, terei que me conformar com a munidade, e ver meu torturador por ai, enquanto eu ainda uso codinme.

Clique aqui para assistir ao vídeo disse...

De: José Carlos Lima

Para muitos brasileiros lutar contra a tortura é coisa de romântico, poeta, artista, esquerdista, etc.
Ocorre que a tortura deixa o tortura na situação mais deplorável de um ser humano. Como ocorreu aqui em Goiás, quando a mãe documento com um celular o próprio filho sendo torturado pela polícia, ou seja, pelo Estado. Temos que nos empenhar com todas as energias contra a cultura da tortura http://josecarloslima.blogspot.com/2010/01/brasil-o-pais-da-tortura.html#links

Jânio Freitas disse...

É lamentável que num país em que se diz que é um Estado Democrático de Direito, que quer passar lições aos outros países, se tenha medo de se apurar quem cometeu crimes contra a vida, seja lá quem for: MILITAR, POLICIAL OU POLÍTICO em flagrante co-autoria. Num país que se edita lei para indenizar as famílias de pessoas mortas e que foram perseguidas por que opunham a uma ditadura disfarçada, que escola tentou nos impôs como revolução. Onde o Estado banca as indenizações. Os autores destes crimes não podem ficar impunes. Se isto ocorrer, temos que ter vergonha da nossa omissão. Mas, não podemos generalizar. É fácil encontrar os culpados pelos crimes.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Camarada, pensei que vocÊ fosse se somar à nós no Ato em defesa do PNDH! Fez falta!=)

http://tsavkko.blogspot.com/2010/01/ato-em-defesa-do-pndh-3-ato-da-noite.html

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