terça-feira, 9 de outubro de 2018

AO INVÉS DE COMPOR-SE COM OS REBELDES DE 2013, O PT OS CRIMINALIZOU, OS PERSEGUIU E OS ERRADICOU

david emanuel de souza coelho
A CRÍTICA USURPADA
Gostaria de ser portador de boas notícias, mas a realidade impõe um terrível horizonte. 

O fato é que a improvável derrota de Bolsonaro neste 2º turno não significará sua derrota social. Haddad e o PT não possuem qualquer condição de modificar as bases sociais alimentadoras do neofascismo. Podem até mesmo as reforçar, levando-nos a um risco real de ter algo muito pior em 2022.

O lulismo esgotou-se em 2013. Naquele momento, as ruas foram tomadas pelas maiores manifestações populares de nossa História, com um grau de radicalidade jamais visto. O rechaço ao establishment foi profundo, atingindo os poderes econômicos, midiáticos e políticos. Na verdade, tratava-se de uma rebelião contra o neoliberalismo, seguindo caminhos de outros países ao redor do globo. 

A reação da esquerda institucional, capitaneada pelo PT, foi a pior possível. Ao invés de buscar compor-se com essas forças rebeldes, as criminalizou, as perseguiu e, finalmente, as erradicou. 
"O único pensamento do Governo Dilma foi o de acabar logo com a rebelião"

Durante um ano as ruas brasileiras ficaram tomadas por manifestações populares quase diárias, e durante todo esse tempo o único pensamento do governo Dilma e da esquerda encastelada foi o de acabar o mais rápido possível com a rebelião. 

O fato é que ali estava a crítica ao regime neoliberal. O governo petista não a aceitou, pois tal crítica também englobava a si mesmo. 

No entanto, ao reagir de forma truculenta às manifestações populares, podou qualquer chance do surgimento de um movimento político anti-sistêmico à esquerda. 

Pior, como não pôde ele mesmo frear a desintegração do regime neoliberal, viu-se tragado pelo naufrágio geral do dito cujo; foi gerado um amplo vácuo político, aos poucos ocupado pela extrema-direita, herdeira das ruas evacuadas pelo governo. 

Analistas políticos erram há anos ao dizer que há uma polarização entre petismo e antipetismo. Não há. Existe, isto sim, uma polarização entre o establishment e o anti-establishment. 
Programa de Bolsonaro: elitista e reacionário

O problema é que o discurso anti-establishment foi apropriado pela extrema-direita, a qual, ela sim, possui um núcleo duro antipetista, mas, muito além, também antipovo e antitransformações sociais. Este núcleo é profundamente reacionário e visa restaurar uma ordem social e econômica pré-1994.

Na verdade, a extrema-direita só conseguiu ir tão longe por haver se apropriado da crítica ao regime neoliberal falido, embora tenha dado a esta crítica uma forma moralizante e esquizofrênica.

E não poderia ser diferente, visto que seu programa social e econômico é profundamente elitista e reacionário. Ele só pode triunfar se for camuflado por outra coisa. 

É por isso que Bolsonaro cai como uma luva, pois seu discurso de exacerbação dos preconceitos do senso comum ocultam com maestria o debate em torno de seu projeto social. 

Também por isso, o uso de fake news não é um acidente, mas a própria essência da campanha do candidato neofascista. Somente com mentiras, falsificações, preconceitos, fundamentalismo religioso e mistificações é possível a vitória de Bolsonaro. Se explicitar o seu programa, ele perde. 

Então, bastaria Haddad explorar o programa reacionário de Bolsonaro e mostrar seu próprio programa para o triunfo do PT ser garantido, certo? Errado. O programa de Haddad não é reacionário, mas é conservador e, em pontos econômicos, pouco difere do de Bolsonaro. 

Ainda por cima, a população tem na memória o estrago causado por Dilma em 2014, quando disse uma coisa na campanha e fez outra depois de eleita. As pessoas não querem continuar com o programa que está aí, e, na falta de um novo autêntico – conforme eu disse neste texto recente – irão para o novo farsesco. 
Haddad está devendo uma autocrítica desde 2013
Mesmo que por um ato da Graça, Haddad ganhe, é pouco provável que abandone seu programa econômico neoliberal e é pouco provável que permita o surgimento de uma alternativa à esquerda. O desfecho, então, poderá ser muito mais trágico do que está sendo hoje. 

Entendo perfeitamente quem vai votar em Haddad no 2º turno. Mas, acredito que tal voto deveria vir, pelo menos com dois compromissos do candidato petista:
  1. autocrítica dos erros do partido e de seus erros em particular. Lembremos que Haddad era prefeito de São Paulo em 2013 e fez coro com a repressão aos manifestantes; e
  2. fim de toda pretensão a ser o único representante da esquerda brasileira, abandonando a demonização de opositores à esquerda e abrindo um canal de diálogo franco com as correntes revolucionárias. Sem isso, haverá o risco da crítica continuar sufocada na esquerda, permanecendo usurpada pela extrema-direita.
Quanto a nós, como já disse neste outro texto, nossa função é permanecer na crítica implacável, a fim de abrir o caminho para o futuro. (Por David Emanuel de Souza Coelho)

Um comentário:

Anônimo disse...

Há alguns equívocos que o autor utilizou como premissas.

"Este núcleo é profundamente reacionário e visa restaurar uma ordem social e econômica pré-1994."

Pelo contrário, o que se pretende é reforçar, reimpulsionar, a ordem neoliberal pós-1994, pós-Plano Real.

"Na verdade, a extrema-direita só conseguiu ir tão longe por haver se apropriado da crítica ao regime neoliberal falido, ..."

O neoliberalismo, aqui, não faliu. Dá-se justamente o oposto, desde Lula, e o que pretendem os bolsonaristas é reforçá-lo. É uma direita ultraliberal, antiestado, nos moldes do Pinochet. Tanto é que, no programa da candidatura, citam a escola de Chicago e Milton Friedman.

A crítica tem sido ao velho capitalismo (ainda) com certas (e já pouquíssimas) amarras morais, cartoriais. É isto que está sendo posto em cheque pela ultradireita. Não querem mais intermediários, "coronéis", representantes que lhes "cobram um pedágio".

Basicamente, é isso.

Também acredito que perderam, PT/governo/esquerda estabelecida, uma chance de ouro para renovar a esquerda em 2013. Estive à frente e verifico o erro.

A autocrítica do partido, a essa altura dos acontecimentos e na velocidade vertiginosa em que ocorrem, acho meio inócua.

Mas a causa (eleitoral) não está perdida. O problema, mesmo em caso de vitória, seria o porvir. Acho que falta pulso ao lado de cá para impor-se. Infelizmente.

Grato pela atenção,

Marco A.

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