sábado, 11 de agosto de 2018

DAVID DE SOUZA COELHO DISSECA A POLÍTICA DA IMPOTÊNCIA

Para o Estado inglês, a culpa era dos pobres 
Mais uma eleição vem chegando e uma certeza se consolidando: tudo só mudará para pior. 

A política no mundo burguês existe para garantir a reprodução adequada do capital. É um canal para mediar as disputas de classes e frações de classes, mas seu poder está ancorado na propriedade privada e esta funciona como seu fundamento inquestionável. 

Nas glosas Críticas Marginais, Marx já capturava a essência do sistema político na redução de todo problema social a mera questão de intervenção administrativa. 

Marx cita o modo como o Estado inglês tratou do problema da pobreza. Longe de nele identificar uma consequência da dinâmica do capitalismo, atribuiu o problema a algum erro administrativo, passível de ser sanado mediante programas de assistência pública. Como o nó não se desatava, disse Marx, o Estado inglês chegou à brilhante conclusão de que a culpa era dos próprios pobres e os enviou à prisão...

A conclusão do filósofo é que o Estado nunca assumirá como raiz dos problemas da sociedade o fundamento mesmo do Estado, ou seja, a propriedade privada. Antes vai tratar tudo como problema político/administrativo. Marx conclui, então, pela impossibilidade da mudança deste quadro por dentro do aparelho estatal, pois cada facção política enxerga ser a origem dos problemas o fato de que sua facção adversária, e não ela própria, esteja no poder. 

Em essência, tal exposição nos apresenta a natureza da racionalidade política. A política é a administração das carências e a disputa pelo poder. Mas, por sua natureza totalizante e pela desconsideração de seu fundamento social – a propriedade privada – tende a surgir uma ilusão da vontade política, quando esta passa a acreditar que ela pode mudar a sociedade. 
"Igualdade apenas no interior da classe burguesa" 

O caráter eminentemente plural da política leva à ilusão de que ali se está num quadro de igualdade. Alguns filósofos chegaram até a acreditar que o terreno da política seria o terreno onde apenas o diálogo teria papel predominante.

No entanto, tal igualdade é artificial, pois é apenas jurídica e não concreta. Na verdade, a igualdade pautada pelo sistema político é a igualdade apenas no interior da classe burguesa. 

A política foi, originalmente, pensada para ser a convergência das disputas das várias frações de classe da burguesia. Os reformadores sociais, contudo, acreditaram que seria possível estender tal igualdade também às classes trabalhadoras, supondo que a diferença numérica seria um trunfo.

Porém, embora a classe trabalhadora tenha podido auferir ganhos relativos ao entrar para a disputa política, o peso do poder econômico foi muito mais decisivo. Ao transformar tudo numa questão administrativa/jurídica, olvidando o fundamento social do Estado, os partidos operários rapidamente se converteram em partidos burgueses, defensores da ordem. 

Abandonaram a crítica radical ao regime capitalista em nome de uma pretensão de reformismo via institucionalidade, almejando, para tal, a perpetuação no poder. Não à toa, muitos destes partidos acabaram se degradando ao ponto de se envolverem em práticas ilegais. 

Ao deixarem intocado o fundamento social do Estado, tais partidos acabaram por reforçar, e não enfraquecer, as fileiras conservadoras, pois estas continuaram tendo o poder de fato, econômico, enquanto os partidos operários perdiam sua identidade e eram engolidos pelo regime burguês.
"As políticas públicas são consideradas caras e ineptas"

Ao fim e ao cabo, aconteceu como no caso da visão do Estado inglês sobre a pobreza: a culpa é do próprio pobre. Diante do fracasso das reformas administrativas, a vontade política choca-se com a realidade e caí em desilusão. 

Deste modo, abre-se o caminho para a ascensão de propostas penalizadoras da classe trabalhadora. O Estado não pode fazer nada pelo Estado e as políticas públicas passam a ser consideradas caras e ineptas. 

O Brasil hoje cabe perfeitamente bem na imagem traçada acima. Após décadas da ilusão do reformismo institucional – quando se acreditou que políticas públicas erradicariam os profundos problemas sociais do país – assistimos a uma situação na qual haverá eleição para que tudo fique pior. 

Enquanto a esquerda esforçava-se para ganhar eleições e dominar o Congresso, o poder econômico, intocado, simplesmente continuava exercendo seu domínio, fortalecendo-se por inércia. Quando a esquerda deu sinais de fatiga e a dura realidade bateu à porta, ele simplesmente reassumiu o posto, agora livre das ilusões humanistas trazidas pelo campo operário. 

Ou seja, ao fim, a face desumana e cruel do regime capitalista retirou sua máscara cidadã e pôde declarar, sem vergonha alguma, que a culpa da pobreza é dos próprios pobres. 
"A população responde com negação da política e dos partidos"

Lutar contra a ilusão política é tarefa árdua, pois a lógica institucional, com sua igualdade abstrata, camufla a real dinâmica desigual do sistema econômico. 

Contudo, o dever revolucionário deve ser colocar abaixo, criticamente, o projeto impossível de mudança via Estado.

Talvez este serviço seja mais fácil num momento em que, muito mais que no passado, o poder político é hegemonizado e impermeabilizado pelo poder monopolista do capital. 

Na verdade, enquanto no passado – quando ainda existia mais competitividade no capitalismo – era possível pensar na ascensão de posições divergentes dentro do Estado, hoje isto é virtualmente impossível. 

A população percebe, intuitivamente, tal fato e responde com maciça abstenção eleitoral, bem como com radical negação da política e dos partidos. Contudo, aqui, é preciso evitar duas armadilhas.

Uma é a tentativa de dar uma reposta ainda dentro da ilusão política a isto, reforçando a vontade política, ao colocar a questão em termos abstratos como renovação dos políticos, reforma política, diálogo, etc. Nada disto resolverá o problema, pois este possui base social. 
Outra é a tentação autoritária, negando o valor do regime democrático e acreditando na saída por meio de uma liderança forte e centralizadora, a qual seria capaz de promover um fictício saneamento da vida pública. Tal crença se apoia no engano de pensar que seria possível estabelecer uma ponte direta entre as vontades dos indivíduos e a vontade do soberano

Contra um e outro, é preciso discernir criticamente a natureza econômica e social da decomposição do sistema político. Apontar sua base na propriedade privada, seus limites naturais, bem como apontar a captura do Estado por interesses monopolistas, inviabilizando a divergência. 

O trabalho, no entanto, é árduo e longo. Marx escreveu seu texto há cerca de 170 anos e até hoje não aprendemos direito a lição. Contudo, se a revolução for realmente como o trabalho de Sísifo, o importante é não esmorecer e sempre estar disposto a seguir adiante. (por David Emanuel de Souza Coelho)

Um comentário:

Unknown disse...

Mais um adepto da teoria crítica...
Só caô.
O povo sempre soube que o sistema político é esquema de parasitas.
Só os teóricos críticos não.
Mas Bezerra da Silva já mandou o papo reto (e debochado) sobre o assunto.

Related Posts with Thumbnails