terça-feira, 9 de outubro de 2018

INVOCANDO MAIAKÓVSKI E DRUMMOND

Maiakóvski, o poeta russo, não pôde conviver com os descaminhos tomados pela revolução bolchevique de outubro de 1917, à qual emprestara os seus dons e sensibilidade literária (os guardas revolucionários cantavam seus versos durante o assalto ao Palácio de Inverno, símbolo do poder monárquico absolutista dos czares soviéticos!). 

Suicidou-se em 1930, aos 36 anos, mas não sem antes fazer suas críticas à Nova Política Econômica implementada por Lênin e, mais contundentemente, à burocracia do Partido Comunista que se assenhoreava do poder, solapando os ideais proletários da revolução russa. 

Teve a altivez de posicionar-se contra tais descaminhos da revolução no final dos anos 2O do século 20, denunciando o burocratismo contrarrevolucionário stalinista por meio de poesias e peças teatrais como Os banhos e O percevejo

Caiu em desgraça perante a opinião pública manipulada, vítima da antipatia que o governo stalinista passou a lhe devotar, o que contribuiu para o fim trágico que deu à sua vida, deixando escrito a seguinte frase: 
"A todos!... Eu morro, não acusem ninguém disso. E nada de boatos. O defunto tinha horror disso... A barca do amor partiu-se contra o recife da vida cotidiana".    
Ah, esses recifes da vida cotidiana...

Como dizia o nosso poeta Drummond: "São tão fortes as coisas! Mas eu não sou as coisas, e me revolto".

Encontramo-nos, no Brasil, diante daquilo que o processo eleitoral democrático-burguês sempre nos coloca: a escolha entre o ruim e o péssimo. Para piorar, tudo nos é colocado como se fosse a consciente e soberana vontade do povo diante da qual devemos nos quedar humildemente. 

Recuso-me a aceitar como válida a expressão da vontade popular manipulada por diversas formas, principalmente a falsa expressão da vontade dos mais humildes, aos quais não é dada a possibilidade de acesso à instrução escolar (ainda que esta seja voltada para a positivação das categorias capitalistas); e não considero que o voto seja algo democrático, se quisermos emprestar ao termo a igualdade de opinião.   

A ministra Rosa Maria Pires Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, do alto da empáfia institucional jurisdicional (que é o cutelo garantidor da ordem jurídica e da miséria social advinda de uma ordem social criminosa), lava as mãos como Pilatos no Credo, chancelando tal ordem como se a justiça fosse neutra nesse estado de coisas.

A justiça garante institucionalmente a ordem que subtrai dos produtores de valor (os trabalhadores assalariados) parte do valor que produziram, promovendo a acumulação indébita da riqueza por parte dos detentores do capital (uma elite que na sua grande maioria é eleitora do Boçalnaro, o ignaro, e sabe por que), descriminalizando um crime original (a extração de mais-valia) e considerando como crime (de peculato) apenas a corrupção com as finanças públicas. 

Ah, são tão fortes as coisas! Mas eu não sou as coisas, e me revolto.

Encontramo-nos diante da inevitabilidade da escolha em um 2º turno das eleições entre dois projetos politicamente distintos, apesar de serem iguais no que diz respeito à subserviência à ordem sistêmica em rota falimentar. 

O projeto político representado por Boçalnaro, o ignaro, é totalitário, xenófobo, racista, misógino, supremacista; e não hesitará em lançar mão de velhos instrumentos golpistas de governo caso o Congresso Nacional não obedeça às suas intenções governamentais de manutenção da lógica capitalista em depressão a qualquer custo social.     

O projeto político representado por Fernando Haddad, o postiço, nós já conhecemos. Apesar de uma previsível parcimônia no que diz respeito ao assalto ao caixa do erário público (gato escaldado tem medo de água fria), já neste 2º turno deverá acenar aos partidos fisiológicos de centro, oferecendo-lhes o acesso à governabilidade como contrapartida do apoio eleitoral.  

Ou seja, veremos uma reprodução da mesmice havida durante mais de uma década. Não há nada de novo sob o luar do Brasil. 

Ou melhor, estamos diante de uma volta ao velhíssimo (a pretensão de restabelecer o autoritarismo e a corrupção impune dos governos militares, agora com a chancela do voto) e do velho mais recente (a conciliação de classes petista). 

A vitória eleitoral costuma submeter os eleitos à escravização ao paradigma segundo o qual foi legitimado eleitoralmente, ou seja, reproduz, como caricatura piorada, aquilo que prognosticou em campanha. Assim, qualquer candidato que ganhe as eleições de 2018 para a Presidência da República em 2º turno representará a consolidação piorada dos programas de campanha por absoluta imposição da lógica econômica em depressão irreversível.

Aos revolucionários cabe a tarefa de denunciar a diferenciação entre projetos capitalistas com variantes políticas de governo e o projeto emancipacionista (avesso à eleições), capaz de erradicar os privilégios de classe e promover equilíbrio de prosperidade a todos.

Nesse sentido é que invocamos Maiakóvski, o poeta bolchevique da primeira hora que foi mais tarde capaz de se rebelar contra os descaminhos contrarrevolucionários.  

Devemos denunciar que aquilo que se nos apresenta como alternativa eleitoral não nos serve, até porque a legitimação de um candidato pelo via do nosso voto representaria um descrédito futuro perante a população que costuma analisar-nos mais pelas nossas ações e exemplos do que por eventuais raciocínios e discursos políticos alicerçados em estratégias e táticas pouco compreensíveis às massas.

Dificilmente convenceríamos a todos que votamos no Haddad sabendo que ele não corresponderia ao que queremos, mas como forma de evitarmos o pior. Nesse caso, vitória do Haddad e seu governo, poderá parecer às massas num futuro breve que a alternativa por nós indicada pelo voto teria sido incorreta e, assim, credenciaríamos num futuro igualmente breve alguém ainda pior do que o Boçalnaro, o ignaro, pela via do voto em 2022, abrindo caminho para posturas reacionárias anti-interesse popular (que virão já com Boçalnaro, o ignaro, e que já devemos combater em 2019) com alguém pior que o dito cujo. 

O tempo é o senhor da razão.

Acredito mais na consistente construção de um tijolo sobre o outro entremeado por uma argamassa que os una solidamente, do que o empilhamento de vários tijolos sem essa liga que os una indestrutivelmente. 

Mesmo sabendo do perigo que nos ronda, e porque foi Maiakóvski quem disse que “você não pode deixar ninguém invadir o seu jardim para não correr o risco de ter a sua casa arrombada” (interpretando a frase sob o meu pensar), é que, respeitando a estratégia dos companheiros que adotam como tática o voto útil apenas como forma de evitar-se o pior assustador, vou repetir o que fiz no 1º turno e não votar.

Ausento-me do processo democrático-burguês que nos mantém aprisionados à coerção de uma escolha entre aquilo que já foi sistemicamente escolhido de antemão, por absoluta consciência de sua ineficiência como modo de expressão da vontade livre do povo ou como forma de sua educação cívica. 

Ajo assim, não como omissão covarde, mas como ação que entendo revolucionária. 

Aliás, cerca de 30% da população brasileira se absteve ao exercício obrigatório do voto: votou em branco ou o anulou.
Por Dalton Rosado
É uma cifra que bem demonstra um certo descrédito popular no processo eleitoral que há mais de cem anos repete e ratifica a mesmice de um ordem social caótica e que no estágio atual beira à barbárie.


Devemos lutar, resistir, superar, ainda que isso nos custe tempo, pois temos um futuro radioso à espera de que o construamos.  

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