Um contraste marcante: Sacco mal falava, enquanto Vanzetti era eloquente em sua indignação. |
Foi um verdadeiro achado, o filme certo no momento exato: acabo de encontrar novamente disponibilizado no Youtube, agora com legendas em espanhol, a obra-prima de Giuliano Montaldo, seguramente uma das melhores reconstituições cinematográficas de um assassinato de inocentes pela via judicial em todos os tempos: Sacco e Vanzetti.
Qualquer semelhança com o tratamento hediondo que acaba de ser imposto a imigrantes brasileiros não é mera coincidência, mas sim a confirmação de que o país que mais produz filmecos de tribunal é também o que piores injustiças comete, por conta do fanatismo puritano que o impregna desde suas origens.
Os estadunidenses jamais deixaram de queimar bruxas, apenas foram substituindo-as por outras vítimas, como os negros chacinados pela Ku Klux Klan!
O de Sacco e Vanzetti foi, talvez, o pior dos homicídios legalizados cometidos pela Justiça estadunidense em todos os tempos: um sapateiro e um peixeiro italianos foram condenados à pena capital, sem provas, por um latrocínio ocorrido em abril de 1920.
A evidente tendenciosidade do tribunal de Massachussetts causou enorme indignação –manifestações de protesto reuniram multidões por todo o mundo, um sem-número de celebridades e grandes juristas deram declarações candentes e até o Papa tentou evitar que eles fossem executados. Tudo inútil.
O fato de serem ambos anarquistas havia sido o fator preponderante para sua condenação –os EUA viviam um período de histeria anticomunista após a revolução soviética de 1917– e a inevitável politização do caso acabou determinando a não aceitação, por parte do tribunal, de provas e de uma confissão que os inocentavam.
Ou seja, quando surgiram gritantes evidências de que os crimes haviam sido cometidos por bandidos comuns, as autoridades já tinham ido muito longe e preferiram perseverar no erro do que o admitir honestamente. Elas, sim, mereciam a cadeira elétrica!
Em agosto de 1927, após mais de sete anos de tensão e sofrimento, foram eletrocutados. Meio século depois, o governador do Massachussets reconheceu-lhes oficialmente a inocência.
Os personagens históricos cujo martírio comoveu o mundo |
Ele foi feliz em apresentar uma síntese bem essencializada do caso, sem prejuízo da sua enorme carga emocional. E teve a felicidade de contar com uma dupla de atores magníficos, extremamente identificados com seus papéis (Gian-Maria Volonté e Riccardo Cucciola); e com mais uma trilha musical memorável do gênio Ennio Morricone, incluindo a felicíssima escolha de Joan Baez para interpretar as três partes da Balada de Sacco e Vanzetti e o tema final, Here's to You.
Uma curiosidade: A tragédia de Sacco e Vanzetti, de Howard Fast, foi o primeiro livro de cunho político que li na vida, lá pelos meus 12 ou 13 anos, quando escolhia os que retiraria na biblioteca circulante da Mooca apenas pela capa e pela sinopse na orelha do exemplar. Ignorava totalmente o caso.
Impressionou-me tanto que até passei a procurar outras obras do Howard Fast. Aí, quando em 2008 o Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti telefonou de Brasília pedindo a minha ajuda, aceitei de pronto. Para um revolucionário da minha geração, prestar solidariedade a companheiros perseguidos era um dever.
Nem lembrava mais do livro. Mas acabei me dando conta de que cair nas minhas mãos uma cruzada que lembrava tanto o episódio dos anarquistas italianos parecia obra do destino.
Tive a chance de evitar que se repetisse a infame entrega de Olga Benário aos algozes italianos... e aproveitei-a bem, pois, ao lado de um punhado de veteranos devotados, consegui frustrar em 2011 toda a direita brasileira e os veículos da imprensa canalha que se rebaixaram ao papel de serviçais do neofascista Silvio Berlusconi.
Isto não impediu que o STF voltasse atrás de sua decisão em 2018, acoelhado por causa da vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, quando o ministro que concedera liminar contra os planos italo-brasileiros de sequestro do escritor sob nossas barbas cassou sua própria liminar, ele também parecendo temer que logo após a posse do Bozo haveria uma noite de São Bartolomeu por aqui. (por Celso Lungaretti)
6 comentários:
Nem sempre há uma 'boa' notícia como esta.
DeepSeek sends a shockwave through markets
A cheap Chinese language model has investors in Silicon Valley asking questions
https://archive.ph/eyzTP/5c04b3808fbcdba612bca80d1aff42d571cd09b6.avif
Do Economist:
num flash , a euforia sobre a inteligência artificial ( IA ) se transformou em pânico. Desde que as negociações iniciais começaram em 27 de janeiro, o valor de mercado da Nvidia, uma campeã na fabricação de chips de IA , caiu 17% no momento em que este artigo foi escrito. Os preços das ações da Alphabet, Amazon e Microsoft — o triunvirato da computação em nuvem dos Estados Unidos — caíram 3%, 1% e 3%, respectivamente. No total, as empresas de tecnologia americanas perderam cerca de US$ 1 trilhão em valor.
He...he...he!
https://img.semafor.com/e0cf66bdda2f291fd3cd93fe5a7ae769de028f99-1066x798.png?w=1152&h=862&q=95&auto=format
El avance chino en IA es bueno para la generalidad
Algunos de los titanes actuales del sector pueden ser destronados, en beneficio de todos los demás
https://cincodias.elpais.com/opinion/2025-01-28/el-avance-chino-en-ia-es-bueno-para-la-generalidad.html
Celso, como você retrata o justiçamento do Marcio Leite de Toledo, pela Aln, em 1971? Na sua visão, era o que tinha de ser feito ou foi um erro? Em minha modesta opinião, creio que não havia outra coisa a ser feita, pois era um militante da direção, com inúmeras informações que poderiam levar a uma cascata de prisões, torturas e mortes na organização. Ele já havia vacilado em ações armadas pretéritas, colocando companheiros em risco de prisão ou morte e se recusava a deixar o país. Circunstâncias muito difíceis para uma organização já acuada pela repressão.
Bacuri
Lembrando que o vacilo da VPR em relação ao cabo Anselmo resultou numa cascata de prisões e mortes na organização. O Onofre Pinto bancou o ex-companheiro e deu no que deu. Pagou com a própria vida, além de outros que foram de arrasto, tanto antes como depois.
Companheiro, ele entrou numa luta em que a tortura e a morte eram desfechos bem mais prováveis do que a vitória. Merecia respeito, mas o que li sobre o caso é que havia forte empenho de outro dirigente no sentido de que ele fosse executado.
Devemos considerar também que ele não tentou trair a ALN nem manifesto tal intenção. Para mim, uma pena extrema como o justiçamento JAMAIS deveria ser decidida apenas em cima de uma displicência momentânea. E se foi o abalo sofrido por causa da morte do Toledo que alterou seu comportamento? Quem garante que ele logo não voltaria ao normal?
Não éramos assassinos. Ninguém tinha o direito de produzir tamanho dano à imagem da nossa luta apenas porque o Mário Leite, vivo, causaria preocupação. É fraco demais.
E mostra uma preocupante falta de empatia com um companheiro, isto é inaceitável num revolucionário. Não somos robôs, por mais que preferíssemos evitar, temos sentimentos.
Há ainda a data, março de 1971. Nesse momento a guerra da ALN já estava totalmente perdida, o que cabia ao comando era cessar a luta e direcionar os esforços para a salvação do máximo de companheiros possível. Quem sobrevivesse poderia ser útil para a revolução numa circunstância mais favorável. Quem morresse, morreria como um militante definitivamente derrotado.
Isto, aliás, é uma autocrítica que estou fazendo. Foi-me oferecido pela família um esquema de fuga para outro país, se bem me lembro em janeiro ou fevereiro de 1970. Recusei. Tinha vergonha de me salvar quando companheiros valorosos já tinham morrido.
Nem sequer imaginava que pudesse sobreviver, acreditava que morreria mesmo e estava aceitando esse desfecho. Se a capsula de cianureto produzida por aliados da VPR fosse eficaz, teria morrido. Poucos dias antes da minha queda, contudo, fiquei sabendo que o primeiro a utilizá-la só tivera diarreia...
Travar uma luta suicida até o fim me parece mais romantismo pequeno-burguês do que espírito revolucionário.
Quando estávamos naquela primeira área de treinamento, em Jacupiranga, o Lamarca comentou que, se perseguidos pela repressão em meio a uma multidão. jamais deveríamos nos esconder atrás dos civis, usando os corpos deles como escudos e acabando por fazer com que fossem mortos. Disse que um revolucionário deveria antes entregar a vida do que entregar um trunfo tão grande à repressão.
Isto me chocou naquele momento. Não consegui decidir de imediato se o Lamarca estava certo ou errado. Nem depois, aliás. Acabamos não voltando ao assunto e eu achei que era a melhor solução.
Hoje concordo com o Lamarca: que respeito o povo teria por nós se causássemos a morte de civis para tentarmos salvar nossas vidas?
Quanto ao cabo Anselmo, parece-me que o pior de tudo é que ele já fizera o suficiente para podermos concluir que era um infiltrado. O Onofre deveria ter apurado episódios como o de quando o Anselmo estava "preso" numa delegacia de cidadezinha fluminense e decidiu simplesmente sair pelo portão e nunca mais voltar.
O pessoal do PCB tinha outros exemplos de comportamentos pra lá de suspeitos do Anselmo, mas a VPR preferiu não acreditar.
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