domingo, 24 de dezembro de 2023

QUAL É O NOSSO NATAL, O DO TEMPLO E SEUS VENDILHÕES? OU O DOS EXPLORADOS, HUMILHADOS E OFENDIDOS?

Jesus nasceu numa estrebaria e era filho de carpinteiro
E
squeçam o Papai Noel que a Coca-Cola vestiu com sua cor e se tornou um mero símbolo do consumismo. 

O que o mundo realmente celebra (ou deveria celebrar) no Natal é a saga de um filho de carpinteiro que trouxe esperança a pescadores e outras pessoas simples de um país subjugado ao maior império da época.

Os primeiros cristãos eram triplamente injustiçados:
— economicamente, porque pobres;
— socialmente, porque insignificantes; e
 politicamente, porque tiranizados.

Jesus Cristo nasceu três décadas depois da maior revolta de escravos enfrentada pelo Império Romano em toda a sua existência.

As mais de 6 mil cruzes fincadas ao longo da Via Apia foram o desfecho da epopeia de Spartacus, que, à sua maneira rústica, acenou com a única possibilidade então existente de revitalização do império: o fim da escravidão. 

Roma ganharia novo impulso caso passasse a alicerçar-se sobre o trabalho de homens livres, não sobre a conquista e o chicote. Vencido Spartacus, não havia mais quem encarnasse (ou pudesse encarnar) a promessa de igualdade na Terra.
Sem saber, com a maior crucificação da história o Império Romano condenou-se à queda.
Jesus Cristo a transferiu, portanto, para o plano místico: todos os seres humanos seriam iguais aos olhos de Deus, devendo receber a compensação por seus infortúnios num reino d'além túmulo.

O cristianismo das catacumbas foi, portanto, a resistência dos espíritos a uma realidade dilacerante, avivando o ideal da fraternidade entre os homens.

Hoje há enormes diferenças e uma grande semelhança com os tempos bíblicos: o império novamente conseguiu neutralizar as forças que poderiam conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização.

A revolução é mais necessária do que nunca, mas inexiste uma classe capaz de assumi-la e concretizá-la, como o fez a burguesia, ao estabelecer o capitalismo; e como se supunha que o proletariado industrial fizesse, edificando o socialismo.

AS AMEAÇAS DE CATÁSTROFES E O FASCÍNIO PELO ABISMO 
O pior da espécie humana vem à tona nas crises agudas
O fantasma a ora nos assombrar é o mesmo do fim do Império Romano: ou seja, o de que tal impasse nos faça retroceder a um estágio há muito superado em nosso processo evolutivo.

O capitalismo hoje produz legiões de excluídos à imagem e semelhança dos bárbaros que deram fim a Roma; não só os que vivem na periferia do progresso, mas também os miseráveis existentes nos próprios países abastados, vítimas do desemprego crônico.

E as agressões ao meio ambiente, decorrentes da ganância exacerbada, estão atraindo sobre nós a fúria dos elementos, com consequências avassaladoras. Décadas de catástrofes serão o preço de nossa incúria.

No entanto, como disse o grande jornalista Alberto Dines, “criaturas e nações cometem muitos desatinos, mas na beira do abismo recuam e escolhem viver”.

Se a combinação do progresso material com a influência mesmerizante da indústria cultural tornou o capitalismo avançado praticamente imune ao pensamento crítico e à gestação/concretização de projetos alternativos de organização da vida econômica, política e social, tudo muda durante as grandes crises, quando abrem-se brechas para evoluções históricas diferentes.

Estamos em plena contagem regressiva, encaminhando-nos cada vez mais para cenários horrorosos:
"emergências decorrentes das alterações climáticas"
— 
as contradições insolúveis do capitalismo tendem a desembocar numa depressão tão medonha como a da década de 1930;
— a estagnação econômica e a insatisfação generalizada que dela decorre, propiciando o empoderamento de aventureiros demagógicos, boçais e ignaros,  já revivem horrores do passado, como as guerras de conquista e o nazi-fascismo sob outros rótulos;
— vemo-nos gravemente ameaçados pela sucessão de emergências e mazelas decorrentes das alterações climáticas.

O sofrimento e a devastação serão infinitamente maiores se os homens enfrentarem desunidos tais desafios. Caso as nações e os indivíduos prósperos venham a priorizar a si próprios, voltando as costas aos excluídos, estes morrerão como moscas.

O desprendimento, em lugar da ganância; a cooperação, substituindo a competição; e a solidariedade, ao invés do egoísmo, terão de dar a tônica do comportamento humano nas próximas décadas, se as criaturas e nações escolherem viver.

E há sempre a esperança de que os mutirões criados ao sabor dos acontecimentos acabem apontando um novo caminho para os cidadãos, com a constatação de que, caso se mobilizem e organizem tendo o bem comum como prioridade suprema, eles aproveitarão muito melhor as suas próprias potencialidades e os recursos finitos do planeta.
"a solidariedade, ao invés do egoísmo"

Então, para além deste Natal mercantilizado, que se tornou a própria celebração do templo e de seus vendilhões, vislumbra-se a possibilidade de outro. 

O verdadeiro: o Natal cristão, dos explorados, dos humilhados e ofendidos.

Se frutificarem os esforços dos homens de boa vontade. (por Celso Lungaretti) 

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom, companheiro! Ótimo natal!

Anônimo disse...

Celso, Obrigado! Penso que este seu artigo merece ser amplamente divulgado

https://www.trtworld.com/opinion/all-i-want-for-christmas-is-peace-in-gaza-16238973

https://www.economist.com/middle-east-and-africa/2023/12/20/the-plight-of-christians-in-bethlehem-and-jerusalem-predates-the-latest-gaza-war

Anônimo disse...

https://retinatendencias.com/tech4good/cuento-de-navidad-para-un-mundo-en-guerra/

celsolungaretti disse...

Obrigado, pessoal!

Como cantou o Sérgio Ricardo, "cada verso é uma semente no deserto do meu tempo".

Então, enquanto puder, irei lançando minhas garrafas com mensagem no mar da web, na esperança de que cheguem às mãos de pessoas capazes de aproveitá-las bem.

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