Observo que há um certo medo de todos - desde a direita fascista e centro direita até a esquerda institucional - em abordar as causas mais profundas da realidade atual mundo afora que incorpora a escassez de recursos financeiros para a maioria da população mundial, com maior crueldade no hemisfério sul, a falência estatal e o aquecimento global, quadro que denuncia a decomposição orgânica sistêmica.
Ainda que os efeitos catastróficos do aquecimento global e da poluição terrestre sejam assustadores, o desemprego estrutural seja renitente e crescente, além da falência estatal, fenômenos que se apresentam conjugados e simultâneos, sejam prenunciadores da catástrofe ora em curso, há uma certa busca de métodos e conceitos ultrapassados para o enfrentamento de problemas que são novos pela intensidade, mas velhos na sua gestação.
A direita fascista apela para a força militar e retrocessos civilizatórios inaceitáveis; a centro direita tenta se equilibrar entre Deus e o diabo e a esquerda apela para a humanização do capitalismo pela via da democracia burguesa, tentando aprimorá-la.
Nenhuma das vertentes políticas institucionais admitem as profundas transformações que se processam no modo de produção social e decomposição da opressora função estatal, que tanto defendem, de apoio ao establishment econômico em fim de feira.
A direita quer o estado mínimo, forte militar e institucionalmente, sem incumbências de atendimento às demandas sociais sempre relegadas a posteriori, para quando o bolo crescer, que está sempre cru ou mal-cozinhado; a esquerda quer um estado intervencionista e empresarial, proprietário, capitalista de estado, repetindo a velha fórmula, que jamais deu certo.
Ambas têm a mesma base: a relação social mediada pela forma valor e é justamente esse aspecto estruturante que as igualam, ainda que a sensibilidade humanista da segunda faça com que os explorados da extração de mais valia possam atenuar os seus sofrimentos à base de analgésicos.
A discussão política fora de foco, inclusive e principalmente veiculada pela imprensa tradicional, aliada à ignorância sociológica e filosófica da mídia eletrônica moderna - internet - das redes sociais, cujas mentiras agora têm o nome de fake news, fazem com que o povo mais pareça com aqueles banhistas despreocupados na praia sem saberem que um tsunami se aproxima.
A direita tenta se apropriar da insatisfação social tentando angariar adeptos com o discurso da meritocracia, disciplina e ordem, como se a metástase orgânica em curso pudesse ser curada com tais pressupostos de ultrapassados e cosméticos conceitos aliados ao discurso conservador e anticivilizatório, no qual defendem que o nexo causal se transforme em solução.
A direita fracassa na impopularidade da escassez popular de recursos materiais causada pela propriedade dos bens de produção estatais e privados produtores de valor dos quais se torna dependente e de recursos financeiros abstratos sob a forma salarial, inevitavelmente e necessariamente acumulados e concentrados pela lógica ditatorial e impositiva do capital.
Mas há uma esquerda independente, revolucionária, emancipacionista, reflexiva diante da realidade caótica e cáustica, que vai buscar na lógica e sentimento humanista a compreensão sobre a ilogia do capitalismo, bebendo da fonte marxiana da crítica da economia política a explicação para tamanha caoticidade.
Há também uma esquerda impulsiva, que age intuitivamente, sem base teórica, mas revoltada com a opressão visível e sentida, que certamente pode se unificar a partir de um elemento aglutinador.
Somos nós, os humanos, que estamos a promover o caos, e ainda que o sujeito automático do valor ganhe autonomia pela via do fetichismo da mercadoria e se independentize, se voltando contra o seu criador, são os seres humanos os únicos que podem superar o mal que causam a si mesmos é à natureza.
Há claros sinais de pensares fora da caixa mundo afora e que mesmo dispersos e pontuais convergem para uma conclusão inafastável: a relação social sob a forma-valor, se sempre foi segregacionista, agora se tornou inviável, e até mesmo os poucos muito ricos se veem atingidos por fenômenos climáticos não seletivos, ameaçando a vida de todos indistintamente.
Quando em vários continentes, e por intelectuais e acadêmicos que não se comunicam entre si como membros de partidos ou movimentos, e mesmo sem convergirem na análise da crise, denunciam a inviabilidade da relação social ora em curso, é sinal de que a crítica social, além de procedente, clama por urgente superação do modelo.
Há pensadores que afirmam e denunciam, com razão, que a austeridade fiscal, antes de ser medida de governantes responsáveis, é conceito de governabilidade que visa impor a aceitação pela população do sacrifício social inaceitável, e tudo em nome da salvação do estado opressor e da impossível retomada do desenvolvimento.
Outros, menos avisados, prendem-se apenas à questão da agressão ecológica como se fosse possível, sob o capitalismo a convivência da sua forma de produção social com a sustentação ecológica sob pretensos bons parâmetros de mentalidade governativa.
Há os que condenam, corretamente, os movimentos identitários surgidos na Europa, que apesar de uma capa étnico cultural de falso respeito à identidade cultural de cada povo, nada mais são do que uma forma de racismo intelectual que visa preservar privilégios étnicos secularmente condensados a partir do domínio do saber.
Há os movimentos contestatórios como os black blocs, de cunho anarquista, que defende uma mobilização e pela ação direta de desconstrução dos ícones capitalistas
- há o movimento ocuppy wall street, que denuncia a desigualdade social, a ganância, a corrupção, e a indevida influência do setor financeiro;
- há o movimento do green peace, que heroicamente faz o enfrentamento direto em cada ponto onde se manifesta a agressão ecológica mais visível, com dimensão internacional em áreas como desmatamento florestal, ameaça nuclear, usos variados de substancias tóxicas, uso de transgênicos nos alimentos, poluição oceânica, e que tem na desobediência civil pacífica a sua estratégia de ação;
- há uma infinidade de organizações não governamentais que atuam em questões pontuais de desrespeito à dignidade humana;
-há os movimentos feministas, dos mais variados matizes, que denunciam a misoginia nos seus múltiplos aspectos;
- há movimentos antirracistas, antixenofobia, etc., etc., etc.
Tudo isto somado reflete a insatisfação generalizada, mas que, infelizmente, não tem sido bastante para a superação do modelo de produção social capitalista vigente, o grande responsável por todas as mazelas denunciadas.
Na verdade, o homo economicus faliu; mas antes do seu desaparecimento falimentar, ele sobrevive e comete os estragos próprios à natureza destrutiva e autodestrutiva do objeto de sua adoração: a economia.
Infelizmente, ainda é majoritária a crença de que se pode conviver bem com o estado protetor do capitalismo e com as relações sociais de produção a ele pertinentes, e neste sentido se faz necessária a realização de um grande FÓRUM TRANSNACIONAL DA EMANCIPAÇÃO HUMANA que seja capaz de conjugar todas as forças e pensares numa unificação de forças capazes de superar as causas da nossa tragédia e propicie a construção de uma nova realidade emancipatória da humanidade.
E ainda há tempo disto ser feito... (por Dalton Rosado)
2 comentários:
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Grande Dalton!
Ler seus textos corresponde a beber numa fonte de grande erudição.
Graças a dificuldade que encontrava em entendê-lo fiz um ligeiro curso de filosofia e agora estou pretendendo começar um mais completo.
A ICAR está construindo uma faculdade aqui pertinho de casa.
Claretianos aí vou eu!
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Nos meus incipientes estudos de moral e ética percebi que a moral moderna está "desamparada", ou seja, os valores não tem mais a sanção do sagrado, posto que o sagrado profanou-se.
Então deparei-me com a insistência em negar a mais básica das características humanas, a saber: a ideia de perfeição.
A luta da burguesia foi tão grande para livrar-se dos senhores feudais que passaram a negar que o humano seja diverso do animal e que "ser" humano é a mesma coisa que ser um bicho.
Por isso, as morais e éticas criadas por este pessoal são do tipo "dever" (deontológicas) e que teve Kant como expoente.
Outro cara muito citado, até por ser um frasista notável (aforismos, dizem), foi Nietzsche que também procurou fundar uma moral do tipo mista. A eudaimonia aristotélica misturada com a deontologia kantiana.
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A moral socialista é do tipo deontológica, posto que nega o indivíduo e prioriza a coletividade.
E aqui se percebe a fina distinção entre moral e ética.
A moral é sempre função do coletivo, já a ética é individual.
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Trasímaco confrontou-se com Sócrates e, para Aristócles, Sócrates ganhou.
Mas, ganhou mesmo?
O que tenho observado através da história é que o argumento de Trasímaco continua validando todos os tipos de sociedades capazes de elaborar algo parecido com uma administração pública.
Apesar do primarismo bestial do argumento - a justiça é a vontade do mais forte - podemos ver que a negação do ideal de perfeição, reduzindo o humano as contingências da vida, tem sido a nota de fundo de toda a empreitada civilizatória.
Esta abordagem, sim, é quem está colapsando.
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E nisto o marxismo e qualquer fórum de decisão sobre o coletivo estão afinados com o argumento de Trasímaco...
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Por fim, apesar de derrotada, a tese de que o humano é humano porque concebe a perfeição.
Que a perfeição é a base da ciência, da verdade e da justiça.
E que é quem ampara a ética e (deveria) amparar a moral.
Pois o aperfeiçoar-se tanto é um esforço individual quando coletivo, desde que o coletivo não venha com uma deontologia violenta e desumana.
Nem o idealismo caia no misticismo e na negação da vida como ela - com a sua contingência, finitude e liberdade.
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Não será um fórum quem irá dizer o que é certo ou errado dentro da moral impositiva e coercitiva, tão querida a todos os tiranos, nem será uma ética de liberdade irresponsável e delirante quem acertará os rumos da natureza humana.
É algo que tem a ver com esta ideia de perfeição e aperfeiçoamento que faz de nós humanos.
Por mais que os sofistas neguem.
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Caro SF,
O devir deve se sobrepor ao dever deontológico, e é neste sentido que a proposição de um FORUM TRANSNACIONAL DA
EMANCIPAÇÃO HUMANA nao é um fim em si, mas o início da busca de um devir ontológico emancipacionista. Obrigado pela comentario.
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