terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

DE OLAVO A BOZO, O CRESCIMENTO DA EXTREMA-DIREITA DEPENDE DA CRISE DO CAPITAL

 


grevo de vergere

Alguns centavos sobre essa loucura toda 

(trechos selecionados)

Olavo de Carvalho foi sem sombra de dúvidas o parteiro da nova direita brasileira, em suas diversas expressões. Influenciou até aqueles que, logo em seguida, romperiam com ele. No Orkut, comunidades oficiais e comunidades o sacaneando coexistiam, movimentando os mesmos participantes de diferentes idades, ideologias, críticos ou apoiadores seus e do Mídia sem Máscara - portal de notícias do qual foi fundador. 

Algumas dessas comunidades que giravam em torno da figura do Olavo, seja na defesa, seja no hate, acabaram se tornando fóruns de discussões sobre diversos autores e temas indicados pelo Olavo em suas aulas. Papos esotéricos e iniciáticos e debates em torno do tradicionalismo, guenonismo, Dugin, etc. começaram a se desenvolver e pode-se dizer que um neotradicionalismo começa a surgir daí, muitos destes temas ligados ao Olavo dos anos 80, esotérico, ocultista, tradicionalista, participante da Tariqa de Frithjof Schuon — o que o próprio Olavo chama de seu período de aprendizado, que terminaria com uma ruptura que inauguraria o Olavo tal como conhecemos — católico, conservador e defensor dos valores americanos. 

Tinha Olavo razão?
Nessas comunidades coexistiam liberais como o Rodrigo Constantino - na época um hater de Olavo que refez as pazes com seu mestre há poucos anos atrás e que atualmente se parece cada vez mais com o falecido - e alguns moleques que quase uma década depois participariam da formação do MBL, simpatizantes de Dugin, René Guenon e Julius Evola, olavistas, integralistas, libertarianos, sociais-democratas e até alguns comunistas e anarquistas.

Alguns participantes das comunidades em torno de Olavo, principalmente os que se articulariam em torno da criação de eventos sobre o pensamento de Julius Evola, apelidam esse campo de Dissidência Tradicionalista, ou apenas Dissidência — chamarei de neotradicionalismo. Grupos como o Frente Sol da Pátria e Nova Resistência são expoentes desse neotradicionalismo e mobilizam ideias e símbolos tanto de direita como de esquerda. Alguns olavistas chegaram a frequentar os Evolianos, embora o olavismo de fato tenha se desenvolvido longe dali.

 Com a aproximação dos neotradicionalistas das teorias duginistas, não durou até a comunidade articular um debate entre Olavo e Dugin, que foi posteriormente publicado em livro mas pode ser encontrado em blog na internet. Com o flerte dos neotradicionalistas brasileiros — dentre eles alguns de seus alunos — com o pensamento de Dugin, Olavo só podia os considerar guenonistas de botequim. E segue: 

"se você não é capaz de aguentar a solidão de ver as tradições espirituais serem todas destruídas, tudo sendo destruído por um materialismo grosso, você não é de nada, você é um fracote, você é um bosta. Um homem espiritual de verdade não conta com as forças deste mundo, não precisa ter um movimento eurasiano pelas costas. Conta apenas com Deus e sabe que mesmo que esteja sozinho ele vai vencer a parada" 

Ou seja, um guardador das tradições, um homem espiritual não se aventura em política, se mantém como um centro intelectual, um ponto de ligação entre o velho e o novo, entre a destruição e a criação, uma testemunha do fim do mundo. Os conselhos de Olavo para seus alunos não podiam ser diferentes: 

“Se você está assoberbado de problemas, dívidas, doenças, dramas de família, despreze tudo e se concentre ainda mais nos estudos e na oração. Enquanto tudo em volta desaba, você vai ficando dia a dia mais forte. Quem dura mais, vence. É só isso”.

 Ao contrário dos neotradicionalistas ou dos liberais, o olavismo responde a uma única figura, o próprio Olavo. Nesse sentido, é de se notar que o olavismo cresceu bastante com a popularização dos vídeos do Olavo no YouTube xingando e apelidando seus desafetos políticos, citando casos insanos do uso de células de fetos abortados como adoçante na produção da Pepsi, denuncias infindáveis ao Foro de São Paulo, ao movimento antitabagista e à implantação do comunismo no Brasil, negações da física newtoniana, etc. Tudo isso regado à metafísica e citação de autores obscuros que só ele leu - se é que realmente leu

É nessa aceleração proporcionada pelos vídeos no YouTube que Olavo alcançaria um outro status, de ícone pop saído do underground pelas mãos de pessoas que não o conheciam profundamente. Os novos olavistas conhecem pouco do pensamento filosófico do Olavo — ao contrário dos neotradicionalistas e dos próprios olavistas raiz —, mas se encantaram com sua personalidade politicamente incorreta, que fala coisas das quais eles não compreendem muito bem, misturadas com coisas que eles acham que entendem, temperadas com muito conspiracionismo e histeria e servidas com uma arrogância e desdém para com tudo o que está no mainstream. Olavo se tornou um verdadeiro punk. (...) 

Com o fracasso de Junho de 2013, foi a extrema-direita quem
tomou as rédeas da insatisfação popular.

  Talvez Olavo tivesse sempre razão, mas não teria uma completa razão se os abalos e embalos de Junho de 2013 não decorressem de uma enorme crise pela qual passava o Kapital no Brasil e no mundo.  (...) Olavo não teria razão se a crise de 2008 não tivesse rebentado no núcleo central do Kapital e se alastrado como pólvora pelo mundo inteiro através de um sistema completamente integrado mundialmente. Um verdadeiro tsunami que foi, ao menos até a eclosão da pandemia da COVID-19, combatido com medidas de austeridade que levou à devastação de países como a Grécia, por exemplo, e foi motivo de intensas mobilizações. No Brasil esse tsunami não passou, segundo o então presidente Luiz Inácio. No entanto, Painho estava enganado. Se aparentemente essa crise não surtiu efeitos no Brasil de forma imediata, sobretudo, pela demanda de commodities no mercado internacional, logo ela apareceria para cobrar seu preço, com juros.

Olavo tinha razão… mas talvez não tivesse tanta razão assim se o governo Dilma não tivesse trabalhado sistematicamente para destruir o pacto de conciliação de classe tão arduamente costurado por painho Lula nos seus dois mandatos como presidente. Entre os anos de 2003 e 2010, Luiz Inácio pôde surfar economicamente numa conjuntura internacional que lhe possibilitou o sonho de implementar uma política econômica e social em que todos os setores da sociedade brasileira ganhariam. O triste, batido, surrado e modorrento chavão de que nunca na história desse país foi repetido e espalhado como fumaça ao vento. É verdade, no entanto, que basicamente todos os grandes setores da classe dominante no Brasil viram seus lucros crescerem quase que exponencialmente no período Lula. (...)

 Houve programas de transferência de renda  - o mais importante deles, o Bolsa Família -, um aumento do salário nominal e também do salário real, a criação de empregos e, sobretudo, a propagação, como uma verdadeira panaceia, da criação de um mercado interno mais robusto via concessão de crédito. Lula, então, pôde tentar o sonho conciliatório de colocar ao mesmo lado todos os setores dominantes, mais a classe trabalhadora e os setores pauperizados. Esse sonho perdurou enquanto todos ganhavam… como um castelo de areia se desfez depois que a marolinha da crise de 2008 foi transformando-se gradativamente em tempestade até explodir num grande maremoto ainda durante o primeiro governo de Dilma.

 Dilma, a mãe guerrilheira, fez questão de dar toda a razão ao filósofo de Virginia. Se durante o primeiro ano do 1º mandato, Dilma ainda conseguiu evitar a debacle (...) no entanto, não foi possível segurar a rebordosa da crise de 2008 que já perturbava a consciência do capitalismo brasileiro. Em termos de PIB, há uma queda drástica ainda nesse 1º mandato: de 3,9% em 2011, cai para 1,9% em 2012. A desconfiança dos donos do dinheiro se reflete na taxa de investimento que desabou de 6,7% em 2011 para 0,8% em 2012. A crônica já estava se escrevendo, e morte logo seria anunciada. (...)

Dilma foi pega no contrapé da crise de 2008 e terminou
escorraçada do poder em um piparote parlamentar.

Essa desaceleração na acumulação capitalista passou a fazer eco no campo político - onde teve papel circunstancial a Operação Lava Jato - e a conhecida inépcia da presidente para o diálogo com todos os setores da burguesia agravou a situação a ponto de o impeachment ser cogitado como uma solução possível e necessária para que a classe dominante reavaliasse e redesenhasse os caminhos que poderiam ser na busca da saída da crise e retomada da valorização do valor. Em dezembro de 2015, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha aceita o pedido de impeachment e em agosto de 2016 Dilma é definitivamente afastada da Presidência da República.

 O contexto social que possibilita o surgimento de Bolsonaro é o de sensação de vitória contra o petismo através do impeachment de Dilma, seguida de uma reorganização das forças da direita em torno de uma única figura que centralizasse uma alternativa institucional ao Partido dos Trabalhadores. Nesse sentido, era de extrema importância uma personalidade que conseguisse sinalizar para todos os diversos setores de direita que se organizavam em torno da pauta do impeachment, continuar o trabalho de síntese de ideias que o neo-olavismo havia cumprido até então. 

É nesse contexto que Bolsonaro surge como opção viável. Militar reformado que goza de certo apreço pelas viúvas da ditadura militar, ao mesmo tempo que faz defesas vagas do livre-mercado e de ideias liberais. As pessoas de que se cercou não poderiam ser diferentes, nessa tentativa de manutenção da síntese: Paulo Guedes, cumprindo o papel da liberalização da economia; Mourão, cota do Exército; embora houvesse sinalizado para Luiz Philippe de Orléans e Bragança, causador de êxtase nos militantes monarquistas, este só não foi chamado para ser seu vice por conta de rumores de um dossiê contendo fotos em uma orgia gay. 

Bolsonaro tentou chamar Olavo para ser seu Ministro da Cultura, que recusou mas indicou dois alunos seus: Ernesto Araújo e Abraham Weintraub. Acrescentou um juiz, um astronauta, uma neopentecostal, vários militares e alguns engomadinhos. Completado o seu Village People reaça e utilizando todas as estratégias e aparatos de propaganda que a direita havia constituído nos últimos anos, Bolsonaro sai eleito. (...) 

 Durante todo o governo Bolsonaro o movimento bolsonarista permaneceu ativo, atualizando seus repertórios das lutas, suas pautas, suas personalidades. Os movimentos contra o lockdown, que se desdobraram em defesa da cloroquina e do chamado tratamento precoce, foram responsáveis por um fortalecimento dos laços de solidariedade dos que lutavam contra o autoritarismo dos governadores e prefeitos de fazer as pessoas ficarem sem trabalhar — ao menos era assim que esses manifestantes e o próprio presidente viam a situação. Dessa forma políticos de oposição, empreendedores locais, trabalhadores autônomos, médicos bolsonaristas e adeptos das diversas teorias da conspiração sobre o vírus chinês conseguiram articular um campo de acordos táticos e tomar as ruas de várias cidades do Brasil. “Queremos trabalhar!” 

Vários desses grupos e movimentos constituídos em plena luta viriam posteriormente a ser integrados na cibernética bolsonarista, isso quando já não estavam. Nessa síntese tática, o bolsonarismo consegue incorporar bem tudo, aproximando até os não-bolsonaristas mas que começaram a participar dos movimentos pelo trabalho. Contatos foram sendo realizados entre articuladores de movimentos de diversos lugares, e novos grupos de coordenação de ações começaram a surgir, um processo de operação ao mesmo tempo integrado com o centro oficial bolsonarista e autônomo a ele. Alguns líderes subiram alguns degraus no esquema de pirâmide desse populismo virtual, começando a participar de lives de canais bolsonaristas maiores, entrevistas, etc. Como todo milieu, o bolsonarismo também gera suas próprias personalidades, que só são conhecidas uma vez que você está integrado em suas redes. É também nessa formação de influencers que o movimento se reproduz.

Mesmo sendo um político abaixo da crítica, Bolsonaro
conseguiu chegar na presidência.

 Em um discurso 10 dias antes do 7 de Setembro de 2021 — o dia em que muitos dos seus apoiadores esperavam um autogolpe — Bolsonaro afirmou que só existiam três alternativas para seu futuro: estar preso, ser morto ou a vitória — três alternativas heroicas que, em sua análise, o colocariam nos braços do povo. Com as destruições nas sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário e a opinião pública em conjunto com os Três Poderes em uníssono condenando o ataque, abriu-se um pretexto para cair matando em cima do governo Bolsonaro, e talvez essa prisão seja menos glamourosa do que o ex-presidente havia pensado anteriormente. 

A institucionalidade democrática parece, contudo, não querer apostar na prisão. Seria melhor caçar seus direitos políticos e o deixar inelegível, questão já dada como certa pelo próprio PL, que começa já a procurar uma alternativa dentro do próprio núcleo familiar do ex-presidente. A questão é, sem Bolsonaro como possibilidade institucional, haveria condições de um fortalecimento do bolsonarismo, ou dessa nova coisa que começa a se constituir em um pós-Bolsonaro? O contra-ataque disparado pelos Três Poderes após o putsch bolsonarista parece começar a surtir efeito considerável na capacidade de mobilização do movimento. A potência dos atos de rua e ação direta parecem ter atingido seu ápice e, agora, poderão entrar em declínio.

 Não é possível afirmar que o movimento se extinguirá, ao menos não de maneira imediata. Duas possibilidades apontam para esse processo: 

a) poderá haver uma recomposição em que atores intermediários da pirâmide da cibernética populista bolsonarista - os líderes de movimento de suas respectivas cidades, os empreendedores radicalizados que financiam ações, as páginas de direita que bombam, os sites de notícia, os pastores bolsonaristas, etc. - saiam fortalecidos em seus nichos políticos/sociais locais, começando a constituir bases, que se estabeleceriam na criação de grupos para agitação permanente em suas cidades, na criação de um movimento para espalhar as ideias de direita, um fenômeno que vem crescendo, principalmente em cidades pequenas, na criação de canais de mídias locais, na unidade com os colegas de trabalho ou vizinhos que pensam parecido ou mesmo no lançamento de candidaturas; 

b) a segunda possibilidade é que é possível pensar que o auge da existência e potência desses grupos já tenha passado, talvez eles não tenham mais a possibilidade de ir tão longe nos cargos do Estado e, se eles foram essa espécie de ejaculação precoce de uma nova direita que não estava preparada para a tarefa histórica que Olavo imaginava para ela, tanto pior para eles. 

Terá Lula o mesmo destino de sua criatura, Dilma? O ritmo
da crise capitalista dirá.

Não é possível afirmar, neste momento, se Bolsonaro vai estar apto a concorrer em 2026 e, mesmo se estiver, as chances que ele teria dependeriam muito de como vai ser o governo Lula. Se o governo Lula controlar bem a crise do Kapital, o que parece difícil, ele estará autorizado a eleger quem ele quiser, de novo — como em 2010 elegeu a mãe Dilma —; se ele não controlar, não é possível dizer que termine o seu mandato. (Grevo de Vergere)



Um comentário:

Anônimo disse...

América Latina está sob ameaça autoritária
https://www-economist-com.translate.goog/graphic-detail/2023/02/15/latin-america-is-under-authoritarian-threat?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

O casamento entre a democracia e o capitalismo está em ruínas?
https://www-nytimes-com.translate.goog/2023/02/15/books/review/books-democracy-capitalism.html?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt

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