quinta-feira, 6 de outubro de 2022

OS COMPANHEIROS DOS ANOS SOMBRIOS

O dia começa com notícias previsíveis, bem ao estilo da canção Domingou do Gilberto Gil: "O jornal de manhã chega cedo, / mas não traz o que eu quero saber. / As notícias que leio, conheço, / já sabia antes mesmo de ler".  

Ocorreu-me, então, disponibilizar novamente no blog um filme que mostra bem como eram os militantes marxistas emblemáticos do passado.
 
Trata-se de Os companheiros (1963), de Mario Monicelli, com Marcello Mastroianni no papel de um revolucionário profissional, professor por formação, que chega para ajudar os operários de uma tecelagem de Turim a realizarem sua primeira greve contra a exploração extrema que sofriam no final do século retrasado. 

Afora pelo tema em si, identifiquei-me muito com ele porque, na década de 1960, conheci bem a fábrica no qual meu pai trabalhou durante a vida inteira (o Cotonifício Crespi, um dos primeiros marcos da industrialização de São Paulo, no bairro paulistano da Mooca) e era praticamente idêntico ao mostrado no filme: enorme, mal iluminado, mal ventilado, com uma poeira sufocante que me fazia tossir instantaneamente. 
Cheguei até a fazer um
bico no Crespi, indo todo final de mês somar, com uma calculadora tão primitiva que nem elétrica era, as horas extras dos trabalhadores, para o fechamento das folhas de pagamento.

Ao assistir a Os companheiros, logo me ocorreu que era enorme o atraso brasileiro, a ponto de nossas indústrias se parecerem tanto com as da Europa de quase sete décadas antes.

Outra lembrança marcante é a de que, quando nossa Frente Estudantil Secundarista começou a pegar no breu em 1968, negociei com o cinema de arte Bijou (na praça Roosevelt, centro de São Paulo) a realização de sessões de Os companheiros nas manhãs de domingo. Exibíamos o filme para os jovens recrutas e promovíamos rápidos debates no final, como parte do programa de conscientização política.

Vendo tantas vezes o filme naquele tempo em que dava os primeiros passos na trajetória revolucionária, o professor Siniglaia ficou sendo para mim, como para muitos jovens militantes de então, o exemplo no qual nos espelhávamos.
E, como diz aquele velho lugar comum (cuidado com o que você deseja, pode se tornar realidade), acabaria mesmo andando incógnito daqui pra lá na perseguição do meu sonho, sendo abrigado pela companheirada de cada lugar, passando sustos e privações, olhando do lado de fora de estabelecimentos chiques as iguarias que não tinha como pagar, até chegar no fim da linha, as prisões (que, nos nossos anos de chumbo, eram bem piores do que aquelas que esperavam o Siniglaia). 

Hoje percebo quanta falta fazem aqueles ativistas da velha guarda, para quem a militância significava a disposição para sujeitarem-se a todos os sacrifícios e não a promessa de empregos muito bem remunerados e outras boquinhas no setor público.

Por mais que se queira pensar o contrário, forças políticas que profissionalizam seus quadros à custa das posições por elas conquistadas no executivo e no legislativo acabam necessitando de vitórias eleitorais para sustentar e aumentar suas esferas de influência. 

Tornam-se dependentes das eleições, tanto quanto os viciados não passam sem suas drogas. E, sem querer, perdem de vista o objetivo maior de substituirmos a institucionalidade burguesa por outra que não implique a perpetuação da exploração do homem pelo homem.

Os dois partidos que por mais tempo se mantiveram como forças dominantes na esquerda brasileira, o PCB e o PT, caíram nessa armadilha. 

Carecemos hoje (e muito!) de uma vanguarda formada por Siniglaias e não por gente que perde o emprego se o seu partido perder a eleição seguinte. 

Pois tal situação implica, mesmo que imperceptivelmente, a perda da independência política. (por Celso Lungaretti)

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