sábado, 16 de abril de 2022

A ARCA DO LULA NAVEGA SEM PRUMO NEM RUMO NUM MINGAU DE PALAVRAS

mário sérgio conti
ENQUANTO LULA DESCAMBA PARA O PALAVRÓRIO,
MÉLENCHON APRESENTOU UM PROGRAMA PARA A FRANÇA
Mélenchon: um candidato de esquerda que
propôs um consistente programa de esquerda.
A
derrota não inspira, abate. A fala com que Jean-Luc Mélenchon admitiu que não iria ao 2º turno foi uma exceção. 

O candidato da França Insubmissa até puxou o coro a luta continua, um clássico da esquerda vencida. Mas não semeou ilusões.

"Não vamos esconder a violência da decepção", disse. Ele perdeu de Marine Le Pen por 421 mil votos, menos de 1% do eleitorado. 

Seu desencanto não foi com o PS, o PCF e os Verdes. Se tivessem se juntado a ele, venceriam a candidata racista e empatariam com o dos ricos, Macron.

Sua decepção era com o amanhã, com o "que poderia ser feito e não será". Quanto ao futuro mais à frente, alertou:
"Como o mais velho entre vocês, é meu dever dizer que nossa única tarefa é a que o mito de Sísifo realiza: o rochedo cai no barranco, e o puxamos para cima".
Falar que o futuro será íngreme e não se triunfa sem engajamento é um realismo raro na política. Mas algo foi feito:
"Temos uma estratégia, a do polo popular. Temos um programa. Temos outras eleições à frente". 
Com 70 anos, Mélenchon passou a tocha para os jovens: "Façam melhor".

Ele foi o preferido entre de 18 a 34 anos. Teve mais votos que a soma dos adversários nos departamentos de ultramar. Venceu na Grande Paris, em Marselha e Lyon, em Lille e Toulouse. Tinha um programa e as palavras certas para convencer as gentes.

Lula: lembra mais um animador de auditório,
como Sílvio Santos e Faustão, do que um líder.
Para Mélenchon, a França está dividida em três polos. O do liberalismo predatório de Macron. O da extrema direita de Le Pen. E o polo popular da França Insubmissa

Defendeu que o país vive quatro crises combinadas: social, energética, europeia e política.

Para enfrentar a primeira, propôs aumentar o salário mínimo para 1.400 euros; aposentadoria aos 60 anos (Macron a quer aos 65, e Le Pen, mantê-la aos 62); taxação das grandes fortunas; mais verbas para escolas e hospitais. Na energia, queria trocar usinas nucleares por combustível limpo.

No plano continental, pregou que a França saia da Otan –o que exorcizaria guerras– e que a União Europeia sirva aos povos, e não ao capital. Contra a Constituição caduca, convocaria uma assembleia constituinte soberana para fundar uma república livre, fraterna e igualitária.

Nada disso tem a ver com o Brasil. O polo liberal daqui é uma briga de foice no escuro. Já o da extrema-direita tem começo (provocação), meio (putsch milico-miliciano se perder a eleição) e fim (ditadura). Aposta na arruaça, em instituições lassas e em liberais tíbios.

O PT poderia pôr de pé o polo popular, mas prefere abarrotar de cobras e lagartos uma arca de Noé maior que o Maracanã. Sua meta é vencer Bolsonaro por meio de conchavos com bichos do arco da velha. E tome coquetéis com monstros furta-cor e furta-tudo. Se alguém critica, lá vem o berro: senta que o leão é manso!

Caso a nau bolsonarista vá a pique, a arca de Lula se verá num dilúvio sem o mapa de um programa. Por isso ziguezagueia e solta pombas para achar um porto. Jura que, se o mar fosse de cerveja, Putin não invadiria a Ucrânia. Profetiza um tempo sem maremotos.

A arca do polo sem prumo nem rumo navega num mingau de palavras. Não cabem comparações à França porque a palavra política tem pesos diversos. Lá, ela está colada à luta. Cá, é deixa-disso pastoso.
Lá: a oratória popular se assenta numa história de embates que remonta a 1789. Passa pelo regicídio de Luís 16 e a Comuna de Paris, pela resistência ao nazismo e o maio de 1968. 

Ainda ontem, pulsava na fronda dos coletes amarelos. Tribuno nato, Mélenchon é fruto dessa tradição.

Cá: à força de escravidão e analfabetismo, as classes dominantes fizeram da palavra política uma ferramenta de dominação. Vide o rococó dos preclaros confrades, as bacharelices que prostram e engabelam a malta.

A verve elétrica de Lula vem do sindicalismo combativo, mas às vezes descamba para o palavrório de Silvio Santos e Faustão. Ele parece se deliciar com a algaravia, lembra mais um animador de auditório que um líder. Orra, meu.

A diferença é nítida nos comícios. Em Paris, Mélenchon falou uma hora num palanque sem papagaios de pirata. O som era claro e dezenas de milhares o escutaram em silêncio. Sem vulgaridades, convenceu-os que só persuadindo quem não estava ali poderiam vencer.

Mesmo após a proibição de
showmícios, há no Brasil mais gente no palco que na plateia. Partidos se estapeiam numa cacofonia de palavras de ordem e bandeiras. O som é horrível e não se ouve o orador. 

Como na proclamação da República, assistimos a tudo bestializados. (por Mário Sérgio Conti, superlativo!)

3 comentários:

Anônimo disse...

"mais um animador de auditório que um líder. Orra, meu."
É ou não é A Lástima?

SF disse...

***
Ah, estes políticos analógicos...
Cim o advento da super documentação e memória facilmente ficam expostas as incoerências desta turma.
Como exemplo prático de como o novo "texto" é produzido assista-se o Greg News maos recente. Onde Gregóeio Duvivier discorre a respeito de Geraldo Alckmim usando diversas passagens pretéritas que estão na rede e um discurso fundamentado.
Pense!
*

celsolungaretti disse...

Anônimo, talvez o Mário Sérgio Conti tenha exagerado um pouco ao qualificar o Lula de um animador de auditório, mas é incontestável que, COMPARADO AO MÉLENCHON, o Lula realmente fica parecendo um animador de auditório.

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