quinta-feira, 31 de março de 2022

O DIA EM QUE A LIBERDADE FOI-SE EMBORA

Não há muito o que se dizer sobre a nefasta e nefanda quartelada de 1964,  que amanhã (1º de abril) estará soprando 58 velinhas ensanguentadas, num Brasil que em passado recente andou flertando de novo com o abismo, mas tomou a decisão definitiva de não atirar-se nele no último dia 7 de setembro. 

Enfim, como a História ultimamente se tornou um campo de batalha entre os que pesquisam e analisam os acontecimentos para conseguir interpretá-los e os que distorcem os acontecimentos para encaixá-los dentro de suas convicções prévias de um primarismo atroz, tentemos alinhavar o que realmente importa. 

Começando pela obviedade de que a conspiração direitista vinha de longe e quase emplacara quando da destrambelhada renúncia de Jânio Quadros.  O dispositivo golpista, contudo, ainda não estava pronto e a tentativa de aproveitamento de uma oportunidade de ocasião se revelou precipitada. 

As principais mudanças ocorridas entre aquele agosto de 1961 e o dia da grande mentira em 1964 foram:
Mourão Filho atravessou o samba; 
os golpistas logo o botaram pra escanteio
— após a firmeza do governador gaúcho Leonel Brizola e dos cabos e sargentos das Forças Armadas ter frustrado os golpistas e garantido sua posse, o bobalhão João Goulart tudo fez para apaziguar os inimigos. Chegou ao cúmulo de permitir que os oficiais reacionários desencadeassem um amplo expurgo na caserna, transferindo os líderes dos subalternos para bem longe das respectivas bases. (suas associações continuaram ruidosas, como convinha aos planos desses reaças, mas não poderosas, pois, dispersos, passaram a ser caciques com poucos índios);
— a participação civil no golpe, inexistente em 1961, foi buscada mediante propaganda enganosa maciça e parcerias com  a direita católica, não porque tivesse verdadeira importância no script conspiratório, mas como azeitona na empada, a fim de tornar a virada de mesa mais palatável no Brasil e, principalmente, no exterior;
— o Governo João Goulart vagava à deriva, ora inclinando-se à esquerda, ora contemporizando com a direita, o que fez os dois campos o encararem com suspeitas e não priorizarem a defesa do mandato legítimo;
— quando o atentado de Dallas atirou a presidência dos EUA no colo do caipirão Lyndon Johnson, os pratos feitos da CIA voltaram a ser engolidos na Casa Branca (dificilmente John Kennedy deixaria suas digitais impressas numa ruptura constitucional no Brasil, assim como evitou oficializar o envolvimento estadunidense na invasão da Baia dos Porcos, negando apoio aéreo aos mercenários recrutados pelos gusanos de Miami para a derrubada de Fidel Castro); e
— o hegemônico Partido Comunista Brasileiro se embananava todo ao acreditar que militares legalistas defenderiam Goulart e, como consequência, semeava a confusão entre a esquerda (esta ficou sabendo tarde demais que não contaria com apoio fardado nenhum contra o golpe, só dependendo da resistência que ela própria conseguisse estruturar).

Mesmo com todos os ases e curingas nas mãos, os líderes golpistas hesitavam. Aí, o impasse foi quebrado por um ferrabrás que tinha papel secundário na conspiração: o general Olímpio Mourão Filho.

Tratava-se de um fascistão com carteirinha assinada. Fora um dos líderes da Ação Integralista Brasileira e autor em 1937 do famoso 
Plano Cohen, falso rol de intenções da Internacional Comunista que os 
galinhas verdes colocaram em circulação como espantalho para assustar milicos.

Sedento de glória, em 1964 ele botou o bloco na rua, precipitando os acontecimentos: sem aval do Estado Maior golpista, marchou com suas tropas de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro.  Foi duramente criticado pelo governador Magalhães Pinto (MG), para quem sua bravata poderia ter causado um banho de sangue.

Mas, a ameaça comunista na verdade inexistia, daí a marcha pela então BR-3 (hoje rodovia BR-040) acabar sendo um passeio (vide foto acima). Dois ou três caças da FAB teriam sido suficientes para a abortarem, pois os inexperientes recrutas, que mais pareciam patos de estandes de tiro, debandariam em pânico logo à primeira rajada de metralhadora disparada sobre suas cabeças à guisa de advertência.

A traquinagem do histérico Mourão Filho não o beneficiou: o poder acabou ficando com os conspiradores históricos, articulados em torno de Castello Branco.

Pode-se dizer que João Goulart foi derrubado pelo piparote de um mad dog fardado. (por Celso Lungaretti)

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