Parece incrível mas, após intermináveis 39 meses de desgoverno e destruição do Brasil, Jair Bolsonaro finalmente disse uma verdade: "31 de março. O que aconteceu nesse dia? Nada".
Corretíssimo, pois a quartelada ocorreu mesmo foi no dia 1º de abril, por mais que os militares tentassem dissociar a grande mentira que eles impuseram à nação e ao povo brasileiro da data do tradicional Dia da Mentira.
Foi o que o jornalista Mário Magalhães, o biógrafo do Marighella, provou de forma irrefutável no seu artigo Por que a data do golpe é 1º de abril de 1964, e não 31 de março. Eis sua minuciosa reconstituição do passo-a-passo da usurpação do poder:
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"As tropas começaram a se mover de Minas só com o dia claro, em 31 de março.
O general Olympio Mourão Filho narrou que se recolheu aos seus aposentos, em Juiz de Fora, na noite de 30 de março, enquanto Jango discursava no Automóvel Club do Brasil, no Rio.
Comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, Mourão desencadeou o movimento, junto com o general Carlos Luís Guedes. Seu plano era dar a largada na marcha entre 4h e 5h do dia 31.
De manhã, as tropas ainda estavam em Juiz de Fora. Lá, às 7h de 31 de março, o tenente Reynaldo de Biasi Silva Rocha ministrou instrução de combate à baioneta. "Quem quer passar fogo nos comunistas levante o fuzil!", gritou.
Às 11h30, o chefe do Estado-Maior do Exército, Humberto de Alencar Castello Branco, disse por telefone ao general Guedes, que permanecia em Minas: "A solução é vocês voltarem, porque senão vão ser massacrados". O general Castello em breve se tornaria marechal e presidente da República.
Ao meio-dia de 31 de março, Jango estava no Rio. No Palácio Laranjeiras, disse que havia "muito boato", mas nada de concreto, sobre rebelião militar.
Só por volta das 16h15 doze carros do Departamento de Ordem Política e Social pararam em frente ao edifício da Federação Nacional dos Estivadores. Tentaram prender os dirigentes do Comando Geral dos Trabalhadores, mas estes foram socorridos por soldados da Aeronáutica fiéis a Jango.
Até pouco depois do meio-dia de 1º de abril, João Goulart não arredava pé do Palácio Laranjeiras, local dos despachos presidenciais no Rio (a capital já se transferira para Brasília). Como poderia ter sido derrubado na véspera, 31 de março? Por volta das 13h, na 3ª Zona Aérea, Jango embarcou para Brasília.
Só na madrugada de 1º de abril as tropas que decidiriam a parada, as do II Exército (de São Paulo) começaram a se preparar para marchar sobre o Rio. Mas ainda esperavam, como escreveu Elio Gaspari em A ditadura envergonhada: "Ao amanhecer do dia 1º de abril Kruel persistia na posição de emparedar Jango sem depô-lo".
Castello Branco liderou o golpe e seria o primeiro ditador |
Em 1º de abril, prosseguiam em seus postos no Rio oficiais legalistas, submetidos ao comandante-supremo das Forças Armadas, o presidente Jango. Era o caso do general Oromar Osório, comandante da 1ª Região Militar (logo ele voaria para Porto Alegre) e do brigadeiro Francisco Teixeira, comandante da 3ª Zona Aérea.
Só em 1º de abril o Forte de Copacabana passou às mãos dos golpistas. Ao seu lado, o QG da Artilharia de Costa foi tomado às 11h30.
Preocupados com o fato de que golpearam no 1º de abril, oficiais mentiram sobre a data da virada de mesa no Forte de Copacabana, datando 31 num relatório. Assinalou Gaspari: "Na realidade, os acontecimentos se passaram exatamente um dia depois, 27 horas depois de Mourão e sete depois de Kruel".
Em Minas, muitos golpistas cascateavam ter marchado no dia 31, observou Gaspari: "Com o tempo tanto a adesão do coronel Raymundo [Ferreira de Souza] como a dos oficiais do 1º BC passaram a ser assinaladas como estandartes de uma marcha triunfal e a ser antecipada para a noite do dia 31 pela historiografia do êxito. Apesar das conversas na noite anterior, [o general Antonio Carlos] Muricy só recebeu os pelotões do 1º BC por volta de meia-noite, e a adesão do comandante do 1º RI só se consumou às sete horas da manhã seguinte [1º de abril]".
Na Cinelândia, à qual uma multidão acorreu para protestar a favor de Jango e da Constituição, a batalha ocorreu na tarde de 1º de abril, e não na véspera. Do prédio do Clube Militar, golpistas abriram fogo, ferindo e matando manifestantes.
A exemplo do seu padrinho político Getúlio Vargas (esq.), Jango (dir.) acabou sendo derrubado pelos militares |
O marco da queda de João Goulart é sua partida de Brasília, na noite de 1º de abril de 1964. Ele aterrissou em Porto Alegre de madrugada do dia 2 e resolveu não resistir. Na mesma madrugada, era empossado presidente o deputado golpista Ranieri Mazzilli, que presidia a Câmara.
Fonte insuspeita, o velho general Cordeiro de Farias anotou: "A verdade –é triste dizer– é que o Exército dormiu janguista no dia 31. E acordou revolucionário no dia primeiro".
Os movimentos em Minas iniciaram mesmo no dia 31 de março. E só. Como o Exército que dormira janguista poderia ter golpeado antes de o sono chegar?
No Rio, onde se concentravam os contingentes das três Forças Armadas, pode-se considerar que o golpe se consumou pelas 16h de 1º de abril. Mais ou menos naquele horário, os tanques do Exército que protegiam o Palácio Laranjeiras o abandonaram e estacionaram centenas de metros além. Passaram a defender o Palácio Guanabara, onde estava o governador golpista Carlos Lacerda.
A data do golpe é 1º de abril de 1964. Os fatos são claros.
Na véspera ou no dia seguinte, aconteceu o que, para o bem do Brasil, seria melhor não ter acontecido".
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