Bolsonaro participando de badernaço a favor da intervenção militar e do AI-5: as tentativas de autogolpe fracassaram, a penúria e a sabotagem da vacinação pulverizaram seu prestígio. |
Sua vitalidade dependia de um crescimento contínuo da produção de mercadorias, mas, como não remunerava os produtores dessas mercadorias com o quinhão equivalente à sua participação nos esforços coletivos, gerou-se um crescente descompasso entre a oferta e a procura, do qual decorreram distorções cada vez maiores.
Consequências: queimas de estoques por falta de compradores, guerras localizadas e dois terríveis conflitos mundiais (pois os produtos destinados à matança têm consumidores compulsórios), uma desigualdade social aberrante entre as classes sociais de cada país e entre as nações ricas e pobres, além de uma utilização predatória dos recursos essenciais à sobrevivência humana que, se não revertida, acabará causando a extinção de nossa espécie.
Em algum momento entre o século 19 e o século 20, contudo, a barreira da necessidade foi transposta.
Lula foi o grande ausente de todas as manifestações que exigiram o impeachment de Bolsonaro, enquanto estudantes secundários e torcedores de futebol assumiam os riscos. |
Desde que os frutos do trabalho fossem distribuídos igualitaria e racionalmente, havia capacidade produtiva suficiente para todos receberem o bastante para construírem sua felicidade.
No entanto, a desigualdade que estimulara os homens a superarem-se para a conquista de um status superior ao de seus semelhantes, provocando en passant todos os avanços e conquistas da humanidade, não se desfaria num passe de mágica quando deixou de ter uma utilidade social. Os beneficiários dessa desigualdade obviamente não o permitiram, utilizando o imenso poder de fogo que a riqueza lhes proporcionava para sufocar todas as iniciativas igualitárias (e libertárias, à medida que a truculência da classe dominante se tornava insuportável).
Até que a humanidade foi deixando de avançar para estágios superiores de civilização porque tolhida por seu impasse fundamental (o crescimento econômico, submetido ao imperativo do lucro, não pode durar indefinidamente e, à medida que emperra, vai cada vez mais disseminando tragédias, barbárie e morte, com a economia girando em falso como um pião que rodopia sem sair do lugar, enquanto a sociedade, sem rumo, vai se esfacelando).
Enquanto os brasileiros comiam o pão que o diabo amassou sob o governo do qual ele foi ministro, Moro ficava na moita, para reaparecer só na hora de entrar na corrida eleitoral. |
Estamos chegando ao final de uma etapa de estupro capitalista imposto (sob Jair Bolsonaro) para passarmos ao que normalmente seria uma fase de estupro capitalista consentido, com lubrificante para facilitar a penetração e farta distribuição de migalhas para os deslumbrados estuprados não se darem conta de que poderiam ter tudo e não têm quase nada.
Lula, que em momento nenhum de sua trajetória política cogitou uma ruptura com o capitalismo, seria forte candidato a desempenhar bem o segundo papel: o de dourar a pílula da dominação capitalista.
Mas, o reformismo que Lula encarna só funciona a contento se houver algum alívio econômico que o governante possa proporcionar aos explorados. Caso isto seja impossível, só papo furado e o velho manual populista (chapéus de couro inclusos...) não bastam.
Tendo nossa gente sido conduzida a tal miséria, a reconstrução do Brasil exigirá do novo governo muita firmeza com a minoria exploradora. Lula ousaria peitar o grande capital? |
— seu negacionismo na pandemia jamais convenceu um povo que já se acostumara a considerar as vacinas como altamente necessárias; e
— a devastação econômica que ele maximizou salta aos olhos de todos, tanto aqueles que roem ossos por falta de comida quanto os que presenciam esse chocante espetáculo de compatriotas roendo ossos.
Tudo leva a crer que, sendo impossível para o sistema, com a economia no fundo do poço, oferecer alguma bonança em 2022, acenará com a retomada da luta contra a corrupção e com o restabelecimento de alguns fundamentos da vida civilizada após os estragos deixados pela passagem da nuvem de gafanhotos ultradireitistas.
Ou seja, irá de Sergio Moro, que já conta com o apoio da alta oficialidade militar e do poder econômico propriamente dito (Bolsonaro representa os vira-latas do capitalismo e não a elite empresarial que possui visão estratégica e é aconselhada pelos sofisticados faria limers).
Para reconquistar o respeito do povo brasileiro, a esquerda precisará de quadros com o destemor de Brizola, cuja rede da legalidade abortou em 1961 o golpe fascista em curso. |
Daí o alerta que eu faço, por dever de consciência e mesmo sabendo que poucos me escutarão agora, porque iludidos por aparências enganosas e pesquisas eleitorais prematuras demais para permitirem certezas): Lula, com suas enormes vulnerabilidades que certamente serão exploradas pela indústria cultural a serviço do poder econômico na reta de chegada, NÃO é o candidato ideal para vencer a eleição presidencial de 2022.
[Isto, claro, se o calendário eleitoral não for levado de roldão pela explosão social que está sendo incubada, pois as condições de (morte em) vida dos coitadezas deste país se tornam cada vez mais insustentáveis. Sucedendo aqui algo como as jornadas chilenas do final de 2019, todos os prognósticos, pesquisas e projeções tenderão a virar pó.]
Se a explosão social chegar antes das eleições de 2022, as perspectivas poderão mudar por completo. |
Bolsonaro não quer acreditar, mas já é carta fora do baralho.
E, entre Lula e Moro, dará Moro, até porque, em situações desesperadoras como a atual, as pessoas comuns tendem a acreditar que as soluções provirão antes da vitalidade de um homem com 50 anos e que não pareça comprometido com a podridão política do passado recente, que do legado polêmico de um idoso prestes a completar 77 anos, cujos mandatos foram exaltados de forma tão extremada por uns quanto rejeitados com a mesma intensidade por outros.
Então, ou a esquerda se une em torno de outro candidato, que não possa ser desqualificado como mais do mesmo, prometa resgatar a combatividade exaurida em quem não teve ânimo ou garra sequer para ir às ruas clamar pelo impeachment do genocida e seja, ademais, muito menos rejeitado, ou teremos todos de amargar um novo Collor.
O que seria um verdadeiro pesadelo, depois de tudo que tivemos de suportar sob o Médici de hospício que há três anos desconstrói o Brasil. (por Celso Lungaretti)
4 comentários:
Celso,
Não sei como você consegue!
Há dias você já havia vaticinado que Moro será o canditado dos militares e do poder econômico.
Lembra que eu falei do valor da sua análise?
Pois bem, comecei a observar e os fatos começam a se encaixar perfeitamente.
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Obviamente, já naquele dia comecei a fustigar os milicianos digitais do bozo com trechos do discurso de Moro e falácias do fipo "quem é contra Moro é a favor de bandido", rsrs.
Foi muito engraçado vê eles provando do próprio veneno.
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Esse conhecimento que você tem é precioso.
Companheiro,
várias vezes minhas previsões se confirmaram e teria sido muito melhor para a esquerda se ela tivesse me ouvido. Mas, os "çabios" sempre me ignoraram e eu clamei no deserto.
Paradoxalmente, a única vez que consegui fazer a diferença foi no caso do Cesare Battisti, quando havia gente do nosso lado defendendo uma linha de ação que nos conduziria inexoravelmente para a derrota mas, com o Carlos Lungarzo e a Fred Vargas apoiando meu alerta, conseguimos evitar tal lambança.
Só que aí nem previsão foi, mas, apenas, dicas de jornalista com ótimos relacionamentos nos altos escalões e que me posicionou corretamente sobre o que rolava nos bastidores do poder.
Eu confiava em quem me passou as informações e vice-versa, então acreditei, agi de acordo e depois todos constatamos que teria sido desastroso irmos por outro caminho.
Uma limitação minha foi nunca ter conseguido me colocar numa posição mais influente na esquerda, de forma que minhas advertências fossem recebidas com mais respeito. Até que tentei, mas não consegui. Só me resta lamentar.
Um abração!
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Tranquilo, Celso.
Tenho certeza que você sabe como chegar a um "lugar de fala".
É até fácil, desde que se corrompa e perca o tino.
Tendo que usar de sofismas e falácias logo perderia essa sua independência e capacidade de análise.
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Você sabe como os artistas são vaidosos. Eles aceitam tudo, menos compartilhar a cena. Eles precisam do aplauso e da luz dos holofotes. "Fazem o diabo" para obter isso.
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É bem claro que suas ideias e sua perspicácia são percebidas, porém, no jogo retórico deles não são viáveis.
Estão jungidos a ele e tem tido sucesso.
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Nada a lamentar.
Nem por eles ou pelos sencientes que os escutam.
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Aquele pessoal odeia os fatos.
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Eu não faço questão de ninharias, disputas de ego, coisas assim, mas não transijo em questões de princípios.
Já em 1968, no primeiro programa político que eu escrevi na vida (para nossa chapa que disputava o congresso da União Paulista dos Estudantes Secundários), já assumi a posição de revolucionário e contra o reformismo, baseando-me no livro célebre da Rosa Luxemburgo.
Este sempre foi para mim um valor inegociável: jamais aceitarei qualquer proposta de esquerda no sentido do mero aperfeiçoamento do capitalismo. O objetivo final tem de ser a substituição do capitalismo.
O máximo de concessão que já fiz foi, na eleição presidencial de 2010, como o José Serra estava sendo apoiado inclusive pela extrema-direita, combatê-lo encarniçadamente nos meus artigos dos últimos meses da campanha.
Mas, como discordava das posições reformistas da Dilma e do PT, não escrevi uma linha sequer recomendando o voto nela. Apenas batia pesado no Serra (principalmente pegando no pé dele por estar renegando os ideais que antes professava, já que havia sido presidente da UNE até o golpe).
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