quinta-feira, 11 de novembro de 2021

VEJA OU REVEJA "O DESAFIO" DE 1965. SERÁ "MARIGHELLA" O DESAFIO DE 2021?

O inesquecível Vianninha nos deixou cedo demais...
O
 desalento e apatia nas fileiras da esquerda brasileira, após sofrer os sucessivos e terríveis abalos do impeachment da Dilma, prisão do Lula, eleição do Bolsonaro e entrega de Battisti à Itália, lembra muito a prostração subsequente ao golpe de 1964, quando a facilidade com que João Goulart foi expelido pelos conspiradores da caserna nos machucou quase tanto quanto a derrubada em si. 

Como voltar a crer nos dirigentes responsáveis por aquele desastre depois de as fanfarronices de Luiz Carlos Prestes se desmancharem vergonhosamente no ar, com um passeio de recrutas pela BR-3 (hoje rodovia BR-040) bastando para botar governantes e dirigentes de esquerda em fuga desabalada?

É esse momento de profundo desencanto que  O desafio (d. Paulo César Saraceni, 1965) flagrou, esmiuçou e pretendeu superar, apontando o caminho da retomada da luta.

De quebra, o filme dá, a quem viveu aqueles tempos, oportunidade de rever figuras queridas do cinema e das artes, como Elis Regina, Hugo Carvana, João do Vale, Joel Barcellos, Maria Bethânia, Nara Leão, Oduvaldo Vianna Filho, Zé Keti e outros. Quantos já se foram... 

A utilização de 
É um tempo de guerra (um dos temas musicais da peça Arena conta Zumbi, adaptando poesia célebre – vide aqui – de Bertolt Brecht) dá a palavra final: impossível conviver-se passivamente com o que o Brasil havia se tornado, então era hora de juntar os cacos e iniciar a resistência à desumanidade.

Estudantes pichavam os muros com o título do filme, que tinha duplo significado, sugerindo tratar-se de um repto cinematográfico ao regime militar. 

Lá pelos meus 14 anos, eu não entendia que raio de desafio era aquele. Levaria um tempinho para compreender. Mas, quando entendi, encontrei meu caminho na vida para sempre.

Marighella, de Wagner Moura, está cumprindo papel parecido atualmente... (por Celso Lungaretti) 

2 comentários:

SF disse...

Ufa!
Assisti Desafio e Marighella.
E não sou crítico de cinema e nem conheço muito de cinema, só vejo algo que me encanta em filmes de Truffaut e não sei o que é.
***
Desafio parece um jogral. Um longo discurso. Os atores são bons, mas a interpretação é contida. Acredito que o diretor exigiu. Se colocasse um pouco de picardia... mas os tempos eram outros e as pessoas estavam muito sérias.
***
Marighella é mais cheio de ação. A câmera fala mais. Não chega a ser um filme muito bem feito. O que gostei foi de, só agora, começarem a questionar a covardia dos dirigentes da esquerda em relação ao golpe e a apatia do povo em relação a política.
Tardiamente, como de praxe na "esquerda" oficial.
Isso, dizer que o povo tem lutar, virou (assim como liberdade de expressão) bandeira da extrema direita.
E estão mobilizando, mesmo que não tenham estatura política para saber o que fazer com isso.
***
Enfim, dois bons filmes.
Pode ser que Marighella dialogue melhor com as plateias pelo lado da emoção.
As pessoas adoram pancadaria.
O senão é a desnecessária cena na qual Branco diz que os caras perderam.
Acredito que seja intelectual demais para a massa.
Enfim, fazer um filme não é moleza e conseguir o nível que conseguiram. Uau! Estão de parabéns.
***

celsolungaretti disse...

Companheiro,

na verdade só tomei conhecimento dessa imensa prostração subsequente ao golpe de 1964 quando ela já tinha terminado, em 1967, quando comecei a ter amigos de esquerda. Ou muito me engano, ou "O Desafio" foi o primeiro filme nesta linha que eu vi. Tinha 16 anos.

Talvez por me trazer uma informação nova, gostei. E gostei também de encontrar na tela o lago do Parque Ibirapuera, no qual eu costumava remar (alugavam botes). Além das músicas, é claro.

Já conhecia o tema "É um tempo de guerra" por ter assistido a peça "Arena conta Zumbi" em temporada popular no teatro Arthur Azevedo. Mas, a forma como ele entra no final do filme é empolgante. Fiquei arrepiado.

Tenho a vaga impressão de haver visto o título filme pichado em alguns muros da cidade e não ter entendido o que queria dizer.

Enfim, o filme marca uma fase de transformação na minha vida, então posso ser um pouco parcial ao falar sobre ele. É uma lembrança prazerosa para mim.

Quanto ao questionamento da apatia do povo com relação à política, já está em "Terra em Transe", de 1967, que em vários trechos coloca em discussão se a culpa pelo golpe é ou não do povo.

E a tibieza dos dirigentes também está presente no filme do Glauber: o partidão de Eldorado não persegue seus objetivos de forma autônoma, atrela-se a um projeto populista/nacionalista, encabeçado por um poltrão que vacila na hora de lutar (ou seja, um ersatz do Jango). Tudo a ver.

Abs.

Celso

Related Posts with Thumbnails