paul krugman
VACINA OBRIGATÓRIA NÃO É UM
ATAQUE À LIBERDADE DE ESCOLHA
Esta é uma boa notícia, e não só porque menos pessoas estão morrendo. O medo da infecção foi um dos motivos pelos quais a recuperação econômica atingiu um bolsão de ar no terceiro trimestre. Retomar a vida normal será um enorme alívio.
Mas a direita dos Estados Unidos está, na verdade, tentando manter a pandemia em curso. Falamos muito sobre desinformação nas redes sociais, parte da qual –surpresa!– parece ser o produto de desinformação russa.
No entanto, o papel dos conservadores de direita certamente foi muito mais importante. A rede de TV Fox News apresenta mensagens antivacina quase todos os dias. Governadores republicanos tentaram proibir a obrigatoriedade de vacinação não só por parte de governos municipais e distritos escolares, mas também por empresas privadas. Vários secretários de justiça republicanos moveram processos para deter as ordens federais de vacinação.
A razão dada para toda essa atividade é que se trata de proteger a liberdade. Na realidade, embora haja vários motivos para a resistência à vacina, a política é um motor importante da agitação.
Uma campanha de vacinação bem sucedida poderia significar um governo Biden de sucesso, e a direita está determinada a evitar isto, não importa quantas mortes evitáveis resultem da sabotagem à vacina (o grifo é meu, CL). Vale notar que a Fox tem uma política de vacinação muito rígida para seus funcionários.
Eu, pelo menos, raramente tenho visto a tese sobre o direito de recusar a vacinação totalmente explicada, embora dificilmente se pudesse encontrar melhor exemplo do que a vacinação contra Covid-19, se alguém quisesse descrever uma situação hipotética em que os argumentos pela liberdade de opção não se aplicam. E acho que vale a pena explicar exatamente por quê.
Primeiro, a opção pessoal é válida, desde que não prejudique outras pessoas. Eu posso criticar a qualidade da sua manutenção doméstica, mas o problema é seu; por outro lado, a liberdade não inclui o direito de jogar lixo na rua.
E ficar sem vacina durante uma pandemia realmente prejudica outras pessoas, e é por isso que as escolas, em especial, exigem a vacinação contra muitas doenças há várias gerações. As pessoas não vacinadas têm propensão muito maior a contrair o coronavírus e, portanto, potencialmente infectar outras, do que as que foram vacinadas; também há certa evidência de que, quando indivíduos vacinados são infectados, eles têm menor propensão (do que os não vacinados) a infectar outros.
Incidentalmente, o fato de haver infecções invasoras em algumas pessoas que já foram vacinadas reforça, na verdade, a tese da obrigatoriedade, porque significa que mesmo as que já receberam o imunizante enfrentam certo risco por parte daquelas que se recusam a tomá-lo.
E o dano causado aos outros ao recusar a vacina vai além de um risco maior de contrair a doença. Os não vacinados são muito mais propensos a precisar de internação hospitalar que os vacinados, o que significa que sobrecarregam o sistema de saúde.
Eles também impõem custos financeiros ao público em geral, porque, diante da prevalência de seguros de saúde públicos e privados, suas contas hospitalares acabam sendo amplamente pagas pela população como um todo.
A vacinação, portanto, deve ser considerada um dever público, e não uma opção pessoal.
Mas haveria um forte argumento a favor da promoção pública de vacinas mesmo que quiséssemos ignorar o dano que os não vacinados impõem aos outros e olhar apenas o aspecto da escolha pessoal. Pois essa não é uma área em que se pode confiar que as pessoas façam boas escolhas.
A medicina, caso você não tenha percebido, é um assunto complexo e difícil. Como consequência, é uma área onde é má ideia deixar as pessoas totalmente à vontade.
O clamor por tratamentos não comprovados, como hidroxicloroquina ou ivermectina, nos lembra por que precisamos que os médicos sejam licenciados e os medicamentos aprovados, em vez de deixar que o público decida quem é qualificado e qual medicação é segura e eficaz.
Por isso você deve se perguntar por que alguém consideraria uma boa ideia quando o secretário de saúde da Flórida aconselhou as pessoas a não dar muita importância aos conselhos médicos sobre vacinas e, em vez disto, confiarem em sua intuição e sensibilidade.
Finalmente, a área mais polêmica em toda essa discussão envolve a exigência de vacina e máscara nas escolas. E nessa área os adversários da obrigatoriedade não estão tomando decisões para si mesmos, e sim para seus filhos, que têm direitos próprios e não são simplesmente propriedade dos pais.
Hoje, a lei e a tradição nos Estados Unidos dão aos pais grande margem de decisão, especialmente quando estão envolvidas crenças religiosas, mas não o poder absoluto sobre a vida de seus filhos.
Os adultos não podem escolher não dar a seus filhos a educação básica; não podem recusar tratamento médico para salvar suas vidas. É por isso que temos há muito tempo obrigatoriedade de vacinação para várias doenças infantis. E a mesma lógica se aplica à Covid-19.
Mais uma vez, não sei quantas pessoas realmente acreditam que a exigência de vacina é um ataque à liberdade. Mas, em todo caso, é importante compreender que a liberdade não é motivo para impedir um potencial milagre médico. (por Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia)
Nenhum comentário:
Postar um comentário