sábado, 30 de outubro de 2021

ARTIGO POLÊMICO DO DEMÉTRIO MAGNOLI LEVANTA QUESTÕES IMPORTANTES, MAS SUAS RESPOSTAS DEIXAM A DESEJAR

demétrio magnoli
ESQUERDA UNIVERSITÁRIA
Mágica besta: agora o mundo todo passou a ver os pais
fundadores
dos EUA como senhores de escravos...
 
A
Câmara de Nova York removeu de suas instalações a estátua de Thomas Jefferson (foto), sob a acusação de que o autor principal da Declaração de Independência era proprietário de escravos –como, aliás, 5 dos 7 pais fundadores

O banimento derivou da pressão do grupo de legisladores negros e latinos, que pertencem ao Partido Democrata. O degredo de Jefferson explica a força política de Trump.

A revista The Economist acaba de publicar um gráfico construído por Gethin et al. que sintetiza a mudança nos padrões de voto segundo o nível educacional dos eleitores entre 1950 e 2010.

Em 5 das 6 democracias analisadas (EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Nova Zelândia), verifica-se uma tendência histórica implacável: o deslocamento para a esquerda dos mais escolarizados e um deslocamento simétrico dos menos escolarizados. O Canadá figura como exceção parcial à regra, mas apenas porque sua esquerda sempre teve sólidas bases na classe média urbana.

No passado, entre as décadas de 1950 e 1970, os partidos de esquerda e centro-esquerda controlavam majoritariamente o voto da população de menor nível educacional –ou seja, da classe trabalhadora.

Por outro lado, os partidos de centro-direita e direita venciam largamente entre as camadas de maior escolaridade –ou seja, na classe média e na elite. O padrão inverteu-se na década de 1990 e continua a infletir em curva acentuada: o diploma universitário tornou-se o maior indicador estatístico do voto à esquerda.
Já existia "cancelamento" na URSS de Stalin: personagens
eram apagados das fotos históricas, como Trotsky desta aqui
 
Marx revira-se, inquieto, no seu túmulo. Atualmente, os partidos à esquerda representam as classes médias urbanas, educadas e cosmopolitas, enquanto os partidos à direita assentam-se nos trabalhadores, na baixa classe média e nas pequenas cidades. O fenômeno ocorre, um pouco atenuado, até no Reino Unido, onde o Partido Trabalhista espelha as organizações sindicais.

Suspeito que a raiz da reversão encontre-se na resposta formulada pela esquerda à queda do Muro de Berlim. Confrontados com o avanço das políticas econômicas liberais, os partidos à esquerda fugiram do campo de batalha central, entrincheirando-se às suas margens, nas agendas identitárias e de valores.

Nos EUA, os democratas redefiniram-se como partido das minorias e adotaram as pautas identitárias oriundas do meio universitário. Na Europa, os social-democratas e seus concorrentes mais à esquerda concentraram-se em temas como os direitos das mulheres, da comunidade LGBT e dos imigrantes. As correntes populistas de direita aproveitaram a oportunidade histórica, apostando nos ressentimentos dos órfãos da globalização.

A esquerda enxerga a política através das lentes de seus novos dogmas –e, nesse passo, revela-se incapaz de decifrar suas derrotas.

Trump não venceu por entoar o hino God, guns, gays, mas por iludir os brancos sem diploma universitário com a canção de ninar do nacionalismo econômico.

A direita nacionalista europeia não se nutre de um suposto ódio atávico aos estrangeiros, mas da falsa conexão entre imigração e desemprego. 

"É a economia, estúpido!": o populismo de direita ocupou cidadelas desertas, abandonadas por uma esquerda que decidiu fechar-se num gueto, dialogando exclusivamente no interior de bolhas culturais.
Lula sempre gostou de ser comparado a Vargas, cuja
ditadura foi quase tão bestial quanto a dos generais
 

O Brasil não se encaixa no gráfico dos deslocamentos eleitorais. O PT resistiu às intempéries porque –ao contrário do PSOL– só adotou as pautas identitárias como adereços secundários, usados em dias festivos.

Sob o timão de Lula, persistiu no discurso do Estado-Protetor, agarrando-se aos estandartes do populismo econômico. O lulopetismo nunca confessará, mas sabe que a derrota de 2018 derivou da recessão provocada pelo governo Dilma, não da guerra cultural primitiva deflagrada pelo olavo-bolsonarismo.

Os democratas exilaram a estátua de Jefferson. O PT ajoelha-se diante da estátua de Vargas. (por Demétrio Magnoli)
TOQUE DO EDITOR – Ao contrário da maioria dos blogueiros de esquerda, prefiro mil vezes publicar um artigo com vários pontos questionáveis, que convide à reflexão, do que meros textos ecumênicos que se limitam a reiterar os clichês esquerdistas em voga naquele momento.

O Magnoli é um bom exemplo: os que preferem simplesmente cancelá-lo perdem uma ótima oportunidade para exercitar o raciocínio crítico. 

Reduzindo-se a um clubinho de maria-vai-com-as-outras, a esquerda perde a própria razão de ser. Definha e morre.

Morre como morreu o PT, enquanto força transformadora da sociedade, no exato instante em que, direcionado pelo timão do Lula, passou a renegar 1968 e o pós-1968.  Ou seja, quando tomou definitivamente o rumo do passado, acabando por ajoelhar-se diante da estátua de Vargas ao tentar exumar o nacional-desenvolvimentismo no catastrófico primeiro mandato da Dilma...

Continua, claro, sendo uma postura melhor do que a da extrema-direita bolsonarista, que se ajoelha diante de Plínio Salgado, Filinto Müller, Brilhante Ustra e, às vezes, recua tanto no tempo que cai no colo do Torquemada. 
Não será exagero atirar sobre os identitários tanta culpa
pela entrada em cena de uma ultradireita populista?

 
Mas, com relação a esses dois presidenciáveis de 2022 que miram a História com a nuca, a única opção consequente é os deixarmos para trás sonhando com seus respectivos
velhos bons tempos e seguirmos para a frente, botando de novo o pé nessa estrada, pois nada será como antes amanhã...

De resto, exatamente para que o artigo do Magnoli cumpra o papel de estímulo à reflexão, não publicarei agora minhas considerações a respeito dele. E espero que na próxima semana, quando puser mãos à obra, não seja o único a fazê-lo... (por Celso Lungaretti

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