sexta-feira, 10 de setembro de 2021

TRISTE FIGURA DE POPULISTA SEM POVO, O BOZO NAVEGA NAS ÁGUAS SUJAS DE SUA AVASSADORA IMPOPULARIDADE

demétrio magnoli
A POLÍTICA DO BLEFE DE BOLSONARO CHEGOU A UM LIMITE
Jair Bolsonaro transformou o 7 de setembro em Dia do BlefeDiante de seus apoiadores, em Brasília, anunciou a convocação, para a manhã seguinte, do Conselho da República

Líderes corajosos falam claramente, para o bem ou para o mal. Líderes covardes que se julgam espertos falam por senhas.

A mensagem implícita do presidente era que ele preparava a decretação do estado de sítio. De fato, ele nem mesmo convocara o Conselho de República: um blefe embrulhado no celofane de uma farsa.

O Conselho de República compõe-se do presidente da República, de seu vice, do ministro da Justiça, dos presidentes da Câmara e do Senado, dos líderes da maioria e da minoria nas duas Casas e de seis cidadãos indicados pelo Executivo e pelo Congresso. Bolsonaro não havia convidado nenhum deles para a reunião que anunciou. A reunião não aconteceu. Era tudo mentirinha, uma farsa infantil.

Nos comícios de Brasília e São Paulo, o presidente farsesco proclamou que, na tal reunião, o presidente do STF, Luiz Fux, seria compelido a enquadrar seu colega Alexandre de Moraes. Ocorre que não há representante do STF no Conselho da República.

O Conselho da República é pouco mais que um nada. Instituído por lei de 1990, ele aconselha o presidente sobre as hipóteses de decretação de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio. Não tem poder deliberativo.

A Constituição de 1988 foi escrita à sombra do trauma recente da ditadura militar –e, por isso, fechou os caminhos para a concentração de poder no Executivo. 

Sem autorização prévia de maioria absoluta na Câmara e no Senado, o presidente não pode decretar estado de sítio. Sem respaldo posterior da maioria absoluta nas duas Casas, não pode sustentar nem sequer o estado de defesa. Blefe.

Bolsonaro é um líder populista, como Trump, Viktor Orbán ou Recep Erdogan. Mas, à diferença do estadunidense, do húngaro e do turco, carece de um grande e sólido partido político e, crucialmente, navega nas águas sujas de avassaladora impopularidade.

O populista com povo avança sobre as trincheiras da democracia, subordinando as instituições à sua vontade. O populista sem povo recua aos berros, pateticamente, rumo ao abismo. Foi essa triste figura que discursou perante um núcleo muito minoritário de fiéis iludidos no Dia do Blefe.

A Constituição define os Poderes como independentes e harmônicos entre si. A democracia exige Poderes independentes, mas a noção de harmonia pertence à tradição brasileira da conciliação por cima, do pacto das elites.
Nos últimos tempos, diante de cada desatino retórico do presidente arruaceiro, emergiu a ideia de uma reunião entre Poderes para evitar o choque entre eles, fabricando a tão almejada harmonia. No Dia do Blefe, Bolsonaro apostou tudo no expediente de tentar aterrorizar as instituições a fim de conduzi-las à mesa do conchavo entre Poderes.

O presidente encurralado agarra-se ao medo dos outros, sua improvável boia de salvação. Fux, o presidente do STF, Lira e Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, flertaram várias vezes com o conchavo entre Poderes.

Bolsonaro precisa disso para alcançar um triunfo mínimo (como o relaxamento da prisão de seus cães raivosos) ou máximo (como o intercâmbio da desistência de seu pedido de impeachment de Alexandre de Moraes pela certeza do engavetamento dos pedidos de impeachment contra ele mesmo). Paradoxalmente, porém, a espuma roxa que saiu de sua boca no Dia do Blefe sabota sua única meta realista.

A política do blefe chegou a um limite. Bolsonaro gastou as escassas cartas que tinha na manga. A foto de uma multidão de trouxas não possui dons mágicos. Lira, Pacheco e Fux têm o dever de ativar a máquina do equilíbrio de Poderes –ou seja, as engrenagens da desarmonia democrática que conduz ao julgamento político e jurídico do bufão instalado no Planalto. (por Demétrio Magnoli)

2 comentários:

Anônimo disse...

Valor Econômico
José de Souza Martins:
"A facilidade irresponsável com que o governante daqui atrai e aglutina gente medrosa"
https://www.4shared.com/office/J6RLkTCIea/Jos_de_Souza_Martins__A_facili.html

Anônimo disse...

Na "Folha" em 11 de Setembro:
"Temos de acreditar na boa-fé de Bolsonaro, e seus apoiadores vivem delírios, diz Gilmar Mendes"
"Steve Bannon organiza estreia de filme sobre ascensao de bolsonaro em novembro nos EUA"
Em "O Globo"
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/apos-choque-inicial-redes-passam-defender-recuo-de-bolsonaro-como-golpe-de-mestre.html

Penso que o Gilmar também tem seus delírios.

No mais todo o mal só faz crescer.
Por força da influência do sistema de crenças do catolicismo sou levado a buscar sempre algo definitivo, ou apocalípitico.
Wladmir Safatle
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-08/o-golpe-comecou.html
"Não há mais nada a salvar ou a preservar nesse país. Ele acabou. Um país cuja data de sua independência é comemorada dessa forma simplesmente acabou. Se for para lutar, que não seja para salvá-lo, mas para criar outro."

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