segunda-feira, 17 de maio de 2021

CABE-NOS PROVAR QUE A EMANCIPAÇÃO HUMANA PODE SER INICIADA NO BRASIL

dalton rosado
VIVEMOS UM MOMENTO HISTÓRICO
Lênin, nas Teses de Abril
Há momentos na história nos quais parece que o universo conspira contra o que está socialmente posto como se a própria natureza estivesse vivendo as dores do parto de um novo porvir. 

Acabei de assistir, por indicação do blog, ao bom filme O trem de Lenin (saiba mais sobre clicando aqui) que mostra a importância de um grupo de revolucionários exilados na suíça e seu retorno à Rússia no processo de ruptura daquele país com a monarquia czarista dos Romanov, ao mesmo tempo em que se desenrolava a 1ª Guerra Mundial

A penúria do povo russo aumentava pela guerra e se aliava à instabilidade própria de uma mudança de conceitos políticos e relações de propriedade então em curso. 

A deposição de Nicolau II e a instalação, no começo de 1917, de um governo provisório vacilante quanto à continuidade ou não da participação da Rússia campesina numa guerra que dizimava milhões de seus cidadãos impunha a tomada de decisões fora do tradicional colaboracionismo social-democrata emergente, representado pelo novo poder vacilante que se instalara.

Os bolcheviques, liderados por Lenin e com a decisiva participação de Trotsky no processo revolucionário armado, compreenderam a necessidade de a Rússia firmar imediatamente a paz em separado com a Alemanha, o que se deu em março de 1918, garantindo a sobrevivência do primeiro Estado dito proletário, que havia sido criado em novembro de 1917 (correspondente a outubro no antigo calendário juliano).
Líderes bolcheviques em 1917: Trotsky (batendo continência) comandou a tomada do poder e criou o Exército Vermelho; Lênin (à dir.) forjou o partido revolucionário e formou o governo
Jamais poderemos saber se seria dado um novo rumo ao processo revolucionário caso Lenin não tivesse morrido em 1924, após o agravamento do seu estado de saúde, apenas sete anos após a chamada revolução vermelha (em contraposição à revolução branca, liberal, de fevereiro de 1917); são os desígnios da história, às vezes impossíveis de desvendarmos). 

Pessoalmente, mesmo respeitando a liderança, o gênio político e a indubitável postura revolucionária de Lenin, suponho que ele não havia compreendido a necessidade de a Rússia, com sua grande extensão territorial e recursos materiais, promover uma ruptura com as categorias capitalistas então continuadas.

Vale, aliás, lembrar que foi Lenin o principal proponente da chamada Nova Política Econômica, de orientação liberal, um passo atrás para se retirarem trunfos propagandísticos das mãos dos contrarrevolucionários e combater a fome que se instalava na Rússia. 

Ele a defendeu como medida conjuntural que permitiria a retomada do rumo socialista adiante, quando seriam dados dois passos à frente

Se, sobrevivendo, Lenin daria mesmo uma nova guinada nesse processo, é coisa que jamais saberemos, mas cumpridor de suas promessas ele sempre foi... 

Em toda a sua vasta obra, Lenin pouco, ou quase nada, se reportou ao que considero a parte mais importante da obra de Karl Marx – a crítica da economia política , ou seja, da forma-valor e de toda a sua nefasta entourage acessória.

A partir da morte de Lenin, estabeleceram-se na direção do Partido Comunista pretensos revolucionários, oportunistas como Stalin, incapazes de promover novos avanços sociais e de conviver com a têmpera e renúncia ao culto personalista de poder que deve nortear o senso de justiça dos verdadeiros revolucionários.

Seguiu-se a perseguição e morte dos integrantes da chamada velha guarda bolchevique em processos forjados, como sempre acontecia com a monarquia czarista e tantos outros governos ditatoriais mundo afora em relação aos seus opositores. 

Assim mesmo, não podemos esquecer que, durante seus anos de isolamento com relação à concorrência de mercado capitalista, a Rússia conseguiu alavancar a industrialização e instalar a infraestrutura básica  de que ainda era carente (energia, estradas, eletrificação, petróleo, alfabetização, etc.), compensando o atraso  acumulado sob os czares.  

Tal recuperação tardia, contudo, só pôde seguir até esbarrar nos limites exigidos pela lógica expansionista do capital e ter de se abrir para a fratricida concorrência de mercado externo.
A vitória russa em Stalingrado é tida como a batalha que selou o destino de Hitler 
E não devemos esquecer, também, que a heroica resistência do povo russo, ao custo de cerca de 27 milhões de mortos (mais de 50% do total de óbitos na guerra), e sua até então desconhecida força bélica mecanizada (melhor adaptados ao clima e topografia, os tanques russos prevaleceram sobre a blitzkrieg –guerra relâmpago– alemã) foram o fator determinante da guinada no rumo do conflito, com os aliados saindo da defensiva para a vitória. 

Vivemos um momento impar na história recente e breve do capitalismo, de pouco mais de duas centenas de anos em suas formas políticas e de revoluções industriais. 

Conjugaram-se no presente momento dois fatores explosivos:
— a obsolescência dos conceitos de produção de valor a partir da exploração do trabalho abstrato, hoje tornado em maior parte desnecessário, o que representa a morte da galinha dos ovos de ouro;
— o alastramento de uma pandemia virótica que, apesar do seu baixo grau de letalidade per capita (em torno de 2% a 3% dos infectados), é tão abrangente a ponto de estar criando um impasse capitalista entre se morrer infectado ou adotar-se o isolamento social, arcando com a consequente redução da produção e circulação de mercadorias a patamares insuficientes para o abastecimento do consumo e a dinâmica da reprodução da massa de valor.  
Chile, 2019: pesadelo para o Paulo Guedes!

Tal como Lenin, estamos num contexto no qual a única saída possível é nos voltarmos para um modo de produção capaz de promover a ruptura com o velho capitalismo carcomido, cujos sinais de esgotamento são evidentes.

Podemos constatar nos nossos vizinhos o exaurimento de governos que atuam sob a égide de todo o sistema capitalista. Basta uma fagulha para começar o incêndio. 

O aumento de passagens no Chile (como já acontecera no Brasil em 2013), foi o bastante para que houvesse um levante capaz de mobilizar o povo chileno na exigência de uma constituinte, prenúncio de um novo tempo em substituição ao esgotamento de uma modelo que encontrou o inconciliável limite e choque entre forma e conteúdo sociais. 

Na Colômbia se observa o mesmo processo de insatisfação popular; na Bolívia os golpistas conservadores de ontem estão a ser presos; na Argentina o governo conservador perdeu as eleições e se elegeu um governante de centro, mais keynesiano do que liberal, mas que logo, logo enfrentará o desgaste de um processo irreversível de esgotamento do modelo ainda vigente por lá; no Paraguai, germina a mesma insatisfação.

Se lançarmos um olhar para Jerusalém; para o Iêmen; para a Síria; para o Afeganistão; para a França dos coletes amarelos; para os movimentos civis étnicos dos Estados Unidos, etc., vamos ver que o quadro mundial é de ebulição social.    

Nesta nação-continente que tem mais da metade de toda a população da América do Sul e é uma das mais ricas em recursos naturais do planeta, cabe-nos dar um exemplo ao mundo de nossa capacidade revolucionária, demonstrando ser possível iniciarmos aqui o processo de emancipação humana. 
Os requisitos para tanto estão dados, pois este é um país que:
— tem mais boi do que gente;
— mais soja e cereais do que capacidade de comê-los (e ainda assim há fome!); 
— mais ferro do que toda a China; 
— mais água potável no Rio Amazonas do que em todos os rios da Europa;
— mais terra fértil do que se possa necessitar;
— mais gente criativa e miscigenada, capaz de conviver sem conflitos, do que qualquer outra nação no mundo;
— maior capacidade de ser feliz, apesar da violência urbana que toma ares de uma guerra civil e de outras mazelas erradicáveis

À tarefa, pois!!! (por Dalton Rosado)
Observação: surgidos na derrotada revolução de 1905 e recriados a partir da abdicação  do czar em fevereiro de 1917, os sovietes eram cada um dos conselhos constituídos pelos delegados dos trabalhadores, dos camponeses e dos soldados. Após a tomada de poder pelos bolcheviques em novembro de 1917, passaram a ter função de órgão deliberativo (DR).

2 comentários:

SF disse...

Grande Dalton!
Vez por outra o Celso encontra esses filmes maravilhosos.
Acredita que eu estava assistindo a série Jornada nas Estrelas Nova Geração?
Ver o filme do Lenin foi um prazer.
***
E que tempos aqueles.
Os caras tocando fogo na Europa e os políticos movimentando-se para ocupar os vácuos de poder...
Os camaradas se deram bem e não acredito que não conheciam a obra "Crítica da Economia Política".
Se até eu li um pedaço! Mais precisamente "Do Rendimento e suas Fontes".
***
É que político é político em todo lugar, move-se em busca do botim.
E todo político tende a ser tirano.
Todo poder aos sovietes queria dizer que o primo do comissário do partido poderia abrir uma padaria (autorizada pelo soviete dos padeiros) naquele bairro onde o irmão do mesmo comissário era o vidraceiro autorizado (pelo soviete dos vidraceiros!).
E não importava se você fazia um pão melhor, gastava menos lenha no forno e etc... o dono do saber de padeiro não era mais o padeiro e sim o soviete.
Triste.
Mas o castigo veio quando os carros soviéticos eram uma absoluta porcaria, já que só os engenheiros autorizados (do CREA de lá) podiam fazer carros...
Ou seja, os caras gostam mesmo é de mandar e locupletarem-se com o passageiro poder advindo do comando.
Marx, revolução e outros clichês são apenas cortina de fumaça.
***
Nos idos 1994, vi uma planilha de cálculo.
Foi quando percebi que, para fazer um projeto de irrigação, bastava jogar os dados naquelas planilhas.
Um engenheiro eletricista, conhecido meu, cobrava para fazer projetos que o Excel calculava em milésimos de segundos, principalmente em projetos de eletrificação rural.
Dá para configurar até a impressão na forma de projeto mesmo.
É só assinar e botar o dinheiro no bolso.
O mesmo para pontes, casas e demais obras de engenharia.
***
Sovietes e todos os tipos conselhos reguladores são despóticos, reacionários, monopolistas, classistas, conservadores, exclusivistas e trazem mais desvantagens do que vantagens.
***
E a múmia defendia sovietes!
***
Se bem que o filme mostra que ele era tão subalterno ao personagem Lenin" que, na minha opinião, ela já estava mumificado em vida.
Era completamente submisso ao ente público.
Que há de revolucionário nisso?
***
Um belo dia teremos androides tão perfeitos que vão executar o papel de grande líder melhor do que qualquer ser humano.
***
Robôs são muito melhores do que nós para fazer tarefas repetitivas e sem qualquer criatividade, ou seja, dizer o mesmo discurso, fazer o mesmo gesto, ser morto/vivo.
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Atualmente, a turma da inteligência artificial e automação já está dando as ordens e a sua primeira vítima será o estado burguês, que perdeu o suporte que vinha da extração de riqueza abstrata.
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Os drones substituem os soldados.
Veja, nem para ser "bucha de canhão" as pessoas servem mais!
Somos, cada vez mais, descartáveis.
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Os novos donos do mundo estão colocando os líderes e governos num córner.
Estão dominando a burocracia, a mediação financeira, a memória coletiva, a percepção da realidade, a narrativa de mundo...
***
E o povo, cada vez mais procurando ser eficiente, programado e desalmado como robôs.
Nada de reflexão ou sentimento.
***
É o que há de mais triste.
A insensibilidade ao humano.
Veja, quem tem coração não consegue comer carne, pois sente a dor e o desespero dos animais assassinados.
Percebe a violência implícita no simples ato de comer uma coxinha de galinha.
***
Sentir isso, e mudar os hábitos alimentares, pode ser a grande revolução.
Uma revolução cujo grande líder é a compreensão de que, se eu quero paz, o que eu como tem que ter paz também.
E o cara faz isso sem nem sequer precisar sair de casa.
Não precisa trem, nem estratégia, discurso, massas ou sovietes... apenas compreensão, nada além.
***
Duvido que façam um filme da grande conquista que é o momento que uma pessoa percebe que a paz é a gente quem faz.
A começar pelo que come.
***

celsolungaretti disse...

Caro SF,

jamais poderemos prescindir de uma organização que possa conduzir a vida social, porque a divisão de funções em qualquer segmento administrativo requer uma estruturação que faça fluir os objetivos a serem colimados. O que se quer quando se propõe uma organização de base é dar poder de gerenciamento dos interesses populares pelos verdadeiramente populares.

É evidente que concomitantemente ao gerenciamento de base deve incidir uma forma de relação social voltada para esses mesmos interesses, que são absolutamente diversos do modo de produção social capitalista.

Se Lenin queria o poder para os sovietes, como órgão deliberativo, superior ao comando do partido comunista e da estrutura essencialmente vertical de qualquer Estado, capazes caminhar no sentido da superação do próprio partido e do Estado, como propõe Marx, ou seja, como forma de se caminhar para uma sociedade verdadeiramente comunista (que implicitamente não pode ser proletária, porque o proletariado seria extinto) jamais saberemos, porque a sua morte precoce privou-o de prová-lo.

O que restou provado ao longo da mais de cem anos é que o fetichismo da mercadoria (que prevaleceram e prevalecem entre todos os experimentos marxistas tradicionais, ditos leninistas) é algo tão negativo e absolutista que terminou sempre por exigir o seu desenvolvimento e não a extinção de seu próprio mecanismo funcional.

Mas, paradoxalmente, são seus próprios fundamentos contraditórios aquilo que termina por promover a sua autodestruição, como agora está a ocorrer.

Entendo, sem qualquer sombra de dúvidas, que Conselhos Populares funcionam melhor do que uma estrutura vertical de poder estatal.

Quando os organismos de base funcionam sob um centralismo pretensamente democrático, cuja execução administrativa cabe ao Estado como última palavra, como se dizia e se diz existir nas sociedades marxista-leninistas (ainda que Lenin não as quisesse assim, pretensão dele às quais jamais podermos concluir como exequíveis no longo prazo, com exatidão, em face da sua morte precoce) e a partir de uma forma de relação social escravista como o capitalismo, eles perdem a sua eficácia, tal como numa fábrica não pode produzir os bens a que se propõe se faltar os insumos indispensáveis (não se faz omelete sem ovos).

A forma de organização social de base somente pode funcionar com um conteúdo que lhe seja consentâneo; não se pode condenar a forma se ela não corresponder ao seu conteúdo.

Abração, Dalton Rosado.

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