quinta-feira, 29 de abril de 2021

ISSO QUE ESTÁ AÍ AINDA É UM GOVERNO OU NÃO PASSA DE UM FIM DE FEIRA?

william waack
O MILAGRE DA PERMANÊNCIA
Jair Bolsonaro está ganhando fácil a corrida para saber qual ocupante do Palácio do Planalto conseguiu perder mais depressa o capital político conquistado numa eleição direta e plebiscitária. É curioso observar como ele mesmo trabalhou para criar um vácuo político imediatamente ocupado. 

De fato, nunca o Executivo brasileiro foi tão controlado, contido ou encurralado pelo Judiciário e Legislativo. Têm razão os generais de pijama que cochicham a Bolsonaro que STF e Congresso extrapolaram suas competências. Mas não se trata, como pretendem Bolsonaro e seus seguidores (em diminuição acentuada) de uma conspiração.

A principal responsável é a atuação do próprio Bolsonaro e sua extraordinária incompetência política. No momento em que enfrentar a crise da pandemia e suas consequências para a economia demandaria uma altíssima capacidade de liderança, coordenação e foco estratégico, o centro do poder está ocupado por uma curiosa aliança tácita, volátil e fluida de juízes e parlamentares.
Bolsonaro tinha uma grande pauta de mudanças e reformas logo que assumiu, mas hoje ela se resume em permanecer onde está. 

Cedeu instrumentos de poder real e efetivo (como o controle do Orçamento) e foi obrigado a respeitar limites de atuação política (estipulados pelo STF) pela mesma razão: não ter visão, capacidade de condução e muito menos entender o que é a política, embora tivesse passado 27 anos no fundo da Câmara dos Deputados.

Ele sabe muito bem, por outro lado, que o jogo dos donos do poder em Brasília obedece aos fatores de longa memória, a saber: compadrio, patrimonialismo, corporativismo, teias de laços pessoais e oligárquicos, acomodação de interesses à custa dos cofres públicos, clientelismo. Nessa rede que se revelou indevassável (que o diga a Lava Jato) Bolsonaro está manietado, pessoal e politicamente.

Sua mais recente cartada é jogar o jogo dos donos do poder no Judiciário, por meio das nomeações que terá de fazer para tribunais superiores e na Procuradoria-Geral da República. É ocupar por dentro instâncias decisivas de poder político, como tem sido o Judiciário brasileiro (e o MPF). O caminho é o mesmo que movimentos como o chavismo, p. ex., percorreram, até desfigurar o que existia de democracia (a base disso é a lealdade ao chefe e não à lei ou instituições).

No caso do Brasil o perigo dessa marcha por dentro das instituições é muito menor. O chamado sistema continua intacto. E, ao contrário de outros ismos da nossa história política (varguismo, lulismo), o bolsonarismo é um conjunto de propostas e ideias sem definição clara, rumo definido, coordenação eficaz e com escasso domínio dos instrumentos clássicos de poder ou coerção. Bolsonarismo é mais um estado de espírito do que qualquer outra coisa.

Talvez a única
base social nítida do bolsonarismo seja a ligação de seus expoentes políticos com as denominações políticas e religiosas evangélicas – mas, aqui, cabe lembrar aos seguidores do mito (um atributo que está resvalando para o ridículo) que o conjunto de forças evangélicas é fracionado, dividido entre si e alguns de seus principais nomes apoiaram todos os governos anteriores e provavelmente o farão no futuro. Não acham que devam lealdade ao presente chefe.

Por último, esse estado de espírito bolsonarista – o da polarização, defesa da ignorância, intolerância e boçalidade política geral – está construindo depressa, no grande e movediço terreno das atitudes das pessoas, um movimento contrário caracterizado por indignação, cansaço, tristeza e falta de esperanças nesse mito e, por enquanto, em qualquer outro candidato (o que inclui Lula). 

Mas esse candidato surgirá: a demanda foi criada por Bolsonaro, assim como ele mesmo atendeu a uma clara demanda. Segue convencido de ter sido beneficiado por um milagre (sobreviveu à facada) e que só Deus pode tirá-lo de onde o colocou. 

Ignora-se se as forças diversas do chamado Centrão, às quais Bolsonaro entregou seu futuro político, o fazem por acreditar em desígnios divinos. O fato é que, no momento, acham mais conveniente deixá-lo por lá. (por William Waack)

Um comentário:

Unknown disse...

Celso Lungaretti, o único "mito" que temos neste texto é o da (pseudo) facada...

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