quarta-feira, 28 de abril de 2021

UM EVANGÉLICO NO STF?

D
ecidido a destruir tudo quanto o Brasil construiu de bom até hoje, o presidente Bolsonaro aponta agora sua arma contra nossa democracia laica — tem prometido aos evangélicos, sua base de sustentação mais segura, colocar um deles no Supremo Tribunal Federal. Não apenas um evangélico, mas um pastor.

Embora sendo um pastor nas horas vagas e, diz-se, de uma linha mais progressista, o escolhido seria André Mendonça, ex-ministro da Justiça, jurista de formação, ora à frente da Advocacia Geral da União. Porém, o pastor Mendonça já pecou gravemente pelo menos duas vezes.

A primeira foi ao, como ministro da Justiça, desenterrar a Lei de Segurança Nacional, ainda da época da ditadura militar, para poder indiciar em processos quem ousou criticar Bolsonaro. Resultado: o uso inadequado dessa lei utilizada, há cerca de quarenta anos, para manter os militares no poder, serve, atualmente, para amedrontar com prisão ou multa quem se atreve a fazer chacota ou responsabilizar a gestão sanitária do Bolsonaro na pandemia do coronavírus.

O segundo pecado é também importante, pois coloca em dúvida o discernimento jurídico e a formação histórica do ex-ministro da Justiça, André Mendonça, que nos ameaçam de promoverem a juiz supremo. Foi ele, segundo se divulgou com certo alarde e mesmo estupefação, quem mandou apurar, num inquérito aberto há um ano quando ainda era ministro, a ameaça contida num tuíte do ex-candidato à presidência, Guilherme Boulos, no qual estava escrito:
Um lembrete para Bolsonaro: a dinastia de Luís XIV terminou na guilhotina. 
Mas, qual é a história dessa ameaça do coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e ex-candidato do PSOL ao presidente, que
 deverá prestar depoimento amanhã (29/04) na Polícia Federal

No fundo, o caso se transformou numa piada: Bolsonaro, nosso presidente com vocação absolutista, ao qual se pode aplicar a expressão popular vinda da época da monarquia, ter o rei na barriga (usada, diz o dicionário, com referência às pessoas egoístas, arrogantes, presunçosas e prepotentes que se consideram muito mais importantes do que são) tinha declarado, em Brasília, arrotando toda sua empáfia: 
Eu sou a Constituição.
Ora, Boulos se lembrou de outro prepotente, o rei Luís XIV da França, que, num arroubo de absolutismo, tinha afirmado no século 18,  O Estado sou eu, qualquer coisa como Quem manda na França sou eu (parecida com a frase de Bolsonaro, Quem manda nas leis do Brasil sou eu). 

Luís XIV fazia parte de uma dinastia, ou seja, havia o 1º Luís (XIV), pai do 2º Luís (XV) e avô do Luís 3º (XVI). Gente importante, mas isso não impediu o 3º Luís de ser decapitado na guilhotina, durante a Revolução Francesa. E, logo depois, Maria Antonieta o seguiu, mas isto o Boulos nem disse.
 
Era uma alegoria, Boulos mandava um recado ao nosso prepotente presidente do tipo toma cuidado, Bolsonaro, na França, um rei foi guilhotinado por seu avô ter arrotado tanta arrogância e absolutismo como você.

Porém, o então ministro da Justiça, ao que parece fiel servidor do presidente com vocação absolutista, não gostou da piada alegórica ou quem sabe, pior ainda, temeu realmente pelo pescoço (ou
cou, em francês) do seu querido Bolsonaro.

Pastor temente a Deus, progressista como dizem, recorreu à LSN, agora sendo também usada contra outros autores de piadas sobre o rei Bolsonaro ou utilizadores da palavra genocida para designar a maneira como administrou a pandemia do coronavírus, capaz ainda de dar ao Brasil o título necrófilo de campeão mundial de mortes, por ter negado vacinas, dado cloroquina e considerado o vírus uma gripezinha.

Imaginem agora se o capitão Cloroquina cumpre a palavra (embora não seja esse o seu forte) e indica André Mendonça, o defensor e aplicador da LSN da ditadura, que confunde piada histórica com ameaça de guilhotinamento, mesmo não existindo esse objeto enorme e pesado no Brasil!

Porém, André Mendonça está nos roubando espaço — nosso tema é mais amplo: não se deve colocar evangélico pastor ou metido a pastor no STF porque isso representaria um tremendo retrocesso. O juiz evangélico do Supremo iria decidir os pleitos com base na sua crença ou foro íntimo calcado na Bíblia, no seu conservadorismo, no seu arcaísmo, versão Silas Malafaia ou Edir Macedo. Ou seja, onde a lei no Código Civil ou Penal entre em conflito com a lei evangélica, aplica-se a lei de Deus.

Já temos um ministro da Educação empenhado em desmontar nossa estrutura educacional básica laica. Os exemplos de outros países teocráticos ou dirigidos pelos dogmas da religião nos mostram onde podem nos levar o dogmatismo, o autoritarismo, o obscurantismo refletidos na condenação da cultura laica ou profana. 
Cada cidadão pode ter sua religião ou não ter nenhuma, isso faz parte da democracia. 

Porém, se os evangélicos querem ter poder político, inclusive no STF, devem se organizar como partido político, disputar eleições, divulgar como será seu programa social, econômico e de saúde para toda a comunidade, e não só para seus seguidores. (por Rui Martins)

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