sexta-feira, 12 de março de 2021

TIRAR O BODE DA SALA DISSIPARÁ O FEDOR, MAS CONTINUAREMOS AMARGANDO AS CONSEQUÊNCIAS DA DEBACLE CAPITALISTA.

É
das mais conhecidas a fábula sobre o alívio proporcionado pela retirada do bode da sala, ainda que tudo continuasse ruim. 

Não preciso contá-la, mas virá a calhar uma análise da atual situação brasileira a partir dessa metáfora.

Chegou ao fim o desgoverno do capitão Boçalnaro, o ignaro e sua prole destrutiva (que faz lembrar um clássico das HQ, Os sobrinhos do Capitão, sempre a bagunçarem o universo dos adultos).

Trata-se de um zumbi que, mumificado com a faixa presidencial, já não governa mas prejudica a todos, pois abandona o Brasil à sanha predadora do centrão.


Contudo, sabemos muito bem que o dito cujo abandonará o barco tão logo perceba a fragilidade da posição do genocida e a antipatia que agora desperta em todos, até mesmo em antigos companheiros de jornada (como os donos do PIB e os empresários estrangeiros que aqui atuam por meio de seus prepostos executivos).

Os fardados também estão se dando conta de quão corrosiva é para a imagem deles a associação com  quem hoje é repudiado por expressiva maioria da população brasileira e, principalmente, pelo poder econômico, na órbita do qual gravitam. 
Sem ele, ao menos, dissipa-se o fedor

[Os grandes capitalistas não aguentam mais a contradição política entre o populismo nacionalista primário (que execram, mas o Bolsonaro cada vez mais apoia) e o liberalismo econômico (que exigem, mas o presidente cada vez mais escanteia).]

Talvez isto leve os militares a distanciarem-se do governo, deixando que ele se decomponha na própria anemia progressiva. Só que aí o descontrole seria ainda maior do que o atual.

O mais provável, portanto, é que os fardados venham a apoiar a destituição do Bolsonaro, até porque o vice é um general do Exército com mais estofo de conhecimento e em muito superior ao titular na hierarquia militar. 

Altos oficiais somente chegam aos degraus superiores da carreira após depurados pelo histórico de vida irrepreensível (segundo o padrão militar) e do êxito na exigente disputa política interna pelas promoções, não sentindo-se, portanto, confortáveis em serem dirigidos por um destrambelhado membro de suas hostes que foi delas expelido por tramar maluquices como a explosão de um reservatório de água do RJ.

Em nossa república, tão acostumada a governos militares desde a sua proclamação, sabemos que o Exército não hesita em recuar quando lhe convém; foi por isso que Getúlio se suicidou, levando em conta esse cuidado oportunista, e abortou sua deposição e entronização de um governo direitista (resultante da conspiração udenista que, após o atentado contra Carlos Lacerda na rua Tonelero, acabou engajando as três Armas), o que só viria a se concretizar quase dez anos depois.


Com o avanço do tempo e a perspectiva de novos cenários eleitorais dos quais estarão excluídos os que agora ainda permanecem no núcleo duro do poder, o abandono do barco será ainda maior. É sempre assim, os ratos da política fogem do navio quando o naufrágio é inevitável.  

A polarização com o antípoda Lula convinha para Bolsonaro em 2018, em razão do fracasso econômico do governo da Dilma e da avalanche diária de prisões televisadas de executivos do governo e de políticos e empresários que lhe davam sustentação no Congresso e na economia. Assim, o cacique do PT seria um adversário perfeito para ele no 2º turno. O poste Haddad, melhor ainda.

Entretanto (e paradoxalmente), o capitão acaba agora de ser rebaixado a maior cabo eleitoral do Lula para 2022. Explico.

Com sua crassa incompetência governamental, ele fez o povo sentir saudade do mito anterior, a ponto de o sebastianismo estar aumentando cada vez mais na opinião pública desmemoriada. 

Por outro lado, a esquerda institucional e partidária, de olho nas tetas do Estado e nas boquinhas do poder, exulta diante da possibilidade reinstalar-se no Palácio do Planalto.

Mas, pergunto de novo: apenas tirar o bode da sala resolve? Não, não resolve, mas pode aliviar.

Mas o que é mesmo aliviar? Significa mudar algo para que nada de realmente substancial mude, mormente agora que atravessamos o que pode muito bem ser chamado de uma tempestade perfeita.


Pari passu a uma depressão econômica que vinha se acentuando desde 2019 e é tida pelo FMI, OCDE e outros organismos internacionais como tendente a agudizar-se nos anos vindouros, veio uma pandemia que obrigou os países ao isolamento social e ainda está causando mortes e sequelas físicas nas populações numa escala tal que fazem lembrar até a devastação das guerras mundiais.
Hans & Fritz ou Carlos & Eduardo?

A uma amiga pessoal que me perguntava se eu via diferença entre o governo nos está sendo imposto e um governo de esquerda, do ponto de vista do interesse da população, respondi que sim: havia e há.

Os governos conservadores, de vieses totalitários, defensores dos privilégios de uma minoria e sempre empenhados em perpetuar o status quo que à dita cuja beneficia, privilegia a economia em detrimento das necessitadas sociais. 

Já os governos de esquerda (com variações de intensidade dependendo do matiz ideológico mais ou menos sensível) são normalmente mais receptivos ao atendimento das necessidades sociais em momento de crise aguda. Esta é a diferença.

Mas, defendendo ambos a preservação das categoriais capitalistas em funcionamento como se fossem coisas imutáveis e ponto de chegada da trajetória humana sobre a Terra, sem cogitarem superá-las para que sejam substituídas por uma mediação social coerente com o incessante avanço científico  obtido pela humanidade (e que acentuou-se em muito após o fim da 2ª Guerra Mundial), terminaremos sempre voltando ao ponto de partida: o desgaste por incapacidade mínima de solução dos problemas sociais.

Os conservadores, nacionalistas ou liberais (que não se conciliam em razão da contradição de interesses políticos estratégicos) entendem que o capitalismo bem administrado pela intervenção do Estado resolveria tudo.

Os segundos, sociais democratas e socialistas, acreditam na capacidade de regulação e equilíbrio das relações sociais e mercantis pela mão do Estado.

Ambos estão ou equivocados, seja, no primeiro caso, pela incompreensão da essência destrutiva e autodestrutiva da mercadoria e/ou por aspirar ao poder absoluto nos planos econômico e político; e no segundo caso, por oportunismo acomodado ou em função daquela ingenuidade bem intencionada que lota o inferno.

A esquerda institucionalizada quer humanizar o capitalismo. Pretende receber nacos do poder político à medida que mantém boa convivência com os donos do capital, ao mesmo tempo que impinge à classe trabalhadora assalariada a ilusão de que seja possível defender os interesses da dita cuja sem superar a exploração capitalista.

Assim fazem todos os partidos trabalhistas do mundo, inclusive o PT; é algo como acender uma vela a Deus (os trabalhadores, cuja existência ajudam a perpetuar denunciando os excessos mais extremados da exploração a eles imposta, até porque são a matéria-prima do capitalismo excludente e deles mesmos explorador) e outra ao diabo (o empresariado, que é apenas a outra face de uma mesma moeda, literalmente).  

Lula é a expressão mais bem acabada dessa esquerda e não esconde isto. Para atingir tais objetivos ele beija a mão do capeta e diz ao crapuloso que não precisa ter medo dele, fornecendo até provas concretas de sua subserviência ao poder econômico ("nunca os banqueiros lucraram tanto quanto nos meus governos", p. ex.).

Mas, para tristeza de tipos como Lula, o capitalismo não dá certo e, mais grave, a exploração dos trabalhadores não desaparece pela interveniência sindical e política, mas pela ação do próprio capital que os substitui pela máquina.

A exploração dos trabalhadores se torna desnecessária em grande parte, de vez que é substituída pelas máquinas, perdendo então força reivindicatória e morrendo de várias formas (fome, desespero do desemprego, violência nos guetos, etc.). 

São vítimas da desumanidade de um sistema que eles mesmos sustentam e que a esquerda, mesmo quando o faz involuntariamente, insiste em manter vivo.

Paradoxalmente, o capital, ao matar a galinha dos ovos de ouro (qual seja a exploração da classe assalariada que produz mercadorias e serviços), mata a si mesmo e leva junto todos os políticos que lhe dão sustentação, aí incluídos os seus adversários toleráveis, como Lula.


Prestes a completar 71 anos de vida, espero viver o bastante para ver algo diferente do eterno pêndulo da ineficácia entre os governos de direita democráticos ou ditatoriais absolutistas (como, respectivamente, os dos tucanos e o da ave de rapina que ora voa com a faixa presidencial) e os de esquerda amestrada (como o do Lula).

Torço para ainda alcançar o início de uma nova ordem jurídica de organização social horizontalizada, que negue o poder vertical e adote um novo modo de produção social capaz de suprir as necessidades de consumo e promover uma nova moral comportamental e uma ética que lhe seja coincidente.

Tirar o bode da sala resolve? Alivia de imediato, mas não resolve em definitivo!
(por Dalton Rosado)

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