Não preciso contá-la, mas virá a calhar uma análise da atual situação brasileira a partir dessa metáfora.
Chegou ao fim o desgoverno do capitão
Boçalnaro, o ignaro e sua prole destrutiva (que faz lembrar um clássico das HQ, Os sobrinhos do Capitão, sempre a bagunçarem o universo dos adultos).
Trata-se de um zumbi que, mumificado com a faixa presidencial, já não governa mas prejudica a todos, pois abandona o Brasil à sanha predadora do centrão.
Sem ele, ao menos, dissipa-se o fedor |
[Os grandes capitalistas não aguentam mais a contradição política entre o populismo nacionalista primário (que execram, mas o Bolsonaro cada vez mais apoia) e o liberalismo econômico (que exigem, mas o presidente cada vez mais escanteia).]
O mais provável, portanto, é que os fardados venham a apoiar a destituição do Bolsonaro, até porque o vice é um general do Exército com mais estofo de conhecimento e em muito superior ao titular na hierarquia militar.
Altos oficiais somente chegam aos degraus superiores da carreira após depurados pelo histórico de vida irrepreensível (segundo o padrão militar) e do êxito na exigente disputa política interna pelas promoções, não sentindo-se, portanto, confortáveis em serem dirigidos por um destrambelhado membro de suas hostes que foi delas expelido por tramar maluquices como a explosão de um reservatório de água do RJ.
Em nossa república, tão acostumada a governos militares desde a sua proclamação, sabemos que o Exército não hesita em recuar quando lhe convém; foi por isso que Getúlio se suicidou, levando em conta esse cuidado oportunista, e abortou sua deposição e entronização de um governo direitista (resultante da conspiração udenista que, após o atentado contra Carlos Lacerda na rua Tonelero, acabou engajando as três Armas), o que só viria a se concretizar quase dez anos depois.
Entretanto (e paradoxalmente), o capitão acaba agora de ser rebaixado a maior cabo eleitoral do Lula para 2022. Explico.
Com sua crassa incompetência governamental, ele fez o povo sentir saudade do mito anterior, a ponto de o sebastianismo estar aumentando cada vez mais na opinião pública desmemoriada.
Por outro lado, a esquerda institucional e partidária, de olho nas tetas do Estado e nas boquinhas do poder, exulta diante da possibilidade reinstalar-se no Palácio do Planalto.
Mas, pergunto de novo: apenas tirar o bode da sala resolve? Não, não resolve, mas pode aliviar.
Mas o que é mesmo aliviar? Significa mudar algo para que nada de realmente substancial mude, mormente agora que atravessamos o que pode muito bem ser chamado de uma tempestade perfeita.
Hans & Fritz ou Carlos & Eduardo? |
Mas, defendendo ambos a preservação das categoriais capitalistas em funcionamento como se fossem coisas imutáveis e ponto de chegada da trajetória humana sobre a Terra, sem cogitarem superá-las para que sejam substituídas por uma mediação social coerente com o incessante avanço científico obtido pela humanidade (e que acentuou-se em muito após o fim da 2ª Guerra Mundial), terminaremos sempre voltando ao ponto de partida: o desgaste por incapacidade mínima de solução dos problemas sociais.
Os conservadores, nacionalistas ou liberais (que não se conciliam em razão da contradição de interesses políticos estratégicos) entendem que o capitalismo bem administrado pela intervenção do Estado resolveria tudo.
Os segundos, sociais democratas e socialistas, acreditam na capacidade de regulação e equilíbrio das relações sociais e mercantis pela mão do Estado.
A esquerda institucionalizada quer humanizar o capitalismo. Pretende receber nacos do poder político à medida que mantém boa convivência com os donos do capital, ao mesmo tempo que impinge à classe trabalhadora assalariada a ilusão de que seja possível defender os interesses da dita cuja sem superar a exploração capitalista.
Assim fazem todos os partidos trabalhistas do mundo, inclusive o PT; é algo como acender uma vela a Deus (os trabalhadores, cuja existência ajudam a perpetuar denunciando os excessos mais extremados da exploração a eles imposta, até porque são a matéria-prima do capitalismo excludente e deles mesmos explorador) e outra ao diabo (o empresariado, que é apenas a outra face de uma mesma moeda, literalmente).
Lula é a expressão mais bem acabada dessa esquerda e não esconde isto. Para atingir tais objetivos ele beija a mão do capeta e diz ao crapuloso que não precisa ter medo dele, fornecendo até provas concretas de sua subserviência ao poder econômico ("nunca os banqueiros lucraram tanto quanto nos meus governos", p. ex.).
A exploração dos trabalhadores se torna desnecessária em grande parte, de vez que é substituída pelas máquinas, perdendo então força reivindicatória e morrendo de várias formas (fome, desespero do desemprego, violência nos guetos, etc.).
São vítimas da desumanidade de um sistema que eles mesmos sustentam e que a esquerda, mesmo quando o faz involuntariamente, insiste em manter vivo.
Paradoxalmente, o capital, ao matar a galinha dos ovos de ouro (qual seja a exploração da classe assalariada que produz mercadorias e serviços), mata a si mesmo e leva junto todos os políticos que lhe dão sustentação, aí incluídos os seus adversários toleráveis, como Lula.
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