quarta-feira, 30 de setembro de 2020

OS INVISÍVEIS DA REPÚBLICA DESNUDADA/ 1

Nestes dias de debacle econômica mundial fica desnudada a impotência da política na solução de problemas sociais decorrentes das dificuldades de subsistência dos agora chamados de invisíveis

É a prevalência da insustentabilidade da lógica subtrativa do capital em fase de declínio com as consequências previsíveis da subordinação da política a seu serviço.

Não gosto do termo invisíveis porque nunca entendi (ou entendi e não quero aceitar) o porquê de não enxergarmos à nossa volta aqueles que, por sua pobreza material e majoritária presença na periferia das cidades, não chamam atenção, sejam eles cidadãos de países economicamente portentosos ou dos oceanos de países que circundam essas ilhas de relativa prosperidade.

Aliás, o termo cidadão é também de sub-reptício significado, por representar uma impropriedade: nem todos os indivíduos sociais reconhecidos como cidadãos podem gozar a proteção social daquilo que pretensamente seria a cidadania. 

Há cidadãos de primeira classe que podem transitar livremente pelos países porque têm recursos e outros que são obrigados a morrer nas precárias travessias das fronteiras por não serem aceitos nas suas fugas desesperadas da opressão e da miséria. 

Diante da impossibilidade material de acesso ao emprego, como consequência do desemprego estrutural que fora previsto por Marx nos Grundrisse (*) e da necessidade de apoio popular dos descamisados, eis que o governo do Boçalnaro, o ignaro imita em tudo e por tudo o Governo Dilma, com dose aumentada. 

A depressão econômica brasileira desde 2013 sinaliza que a crise atual é bem mais profunda e duradoura do que as anteriores, evidenciando o atingimento, por parte do capital, do seu estágio de limite interno de expansão. Nestas circunstâncias, o que é que se faz politicamente?

Recicla-se o programa de assistência social do Bolsa Família, com seus míseros valores e com o nome trocado para Renda Cidadã, como forma de contenção da queda vertiginosa de popularidade que o atual desgoverno vinha tendo com sua cantilena golpista de fechamento do Congresso Nacional e do STF, na vã suposição de que as forças armadas apoiassem tal aventura. 

plano B corresponde a uma guinada de 180° ou a um cavalo de pau, demonstrando a inconsistência de um governo que não tem passado, nem tem presente e, muito menos, terá futuro. 

Tal  tábua  de  salvação  foi   um  alinhamento  com  o  centrão,  segmento político par(a)lamentar desculpem o trocadilho infame!– cujos membros estão comprometidos com o que há de mais nocivo em matéria de vida social saudável, ao mesmo tempo em que promove a distribuição de dinheiro sem produção de mercadorias cujos efeitos já e já se farão sentir. 

O primeiro deles é o aumento da inflação de preços dos alimentos, que representam percentagem significativa no orçamento familiar dos mais pobres (a grande maioria da população).

Nesse grupo com menores rendimentos, os gastos com alimentação consomem 22% dos salários e os com habitação, 39,2% (contra 7,6% e 22,6%, respectivamente, no caso das famílias de rendimento mais alto), Assim, a inflação dos preços dos alimentos representa substancial perda de poder aquisitivo mensal para a maioria da população. 

Como o cobertor financeiro é curto, a distribuição de dinheiro sem valor válido (ou seja, não advindo da produção) compromete o orçamento fiscal com aumento do endividamento estatal em relação ao PIB.
E, claro, os juros altos do serviço da dívida deverão limitar ainda mais os gastos do governo com as demandas sociais futuras...  

Para se manter o teto dos gastos orçamentários, o desorientado governo atual já pensa em reproduzir as pedaladas que serviram de justificativa legal para o impeachment do então fragilizado governo da Dilma Rousseff, ou seja, já se fala em dar calote nos precatórios (dívidas públicas judiciais orçadas) e desvio de verbas da educação (do Fundeb).

A esta altura o projeto liberal do ministro da Economia Paulo Guedes, do Estado mínimo e orçamento ajustado à compatibilidade entre receitas e despesas foi para o espaço. 

Sem o menor pejo, e demonstrando quão insustentáveis e falaciosos são os ensinamentos da cartilha dos Chicago boys, dos quais Paulo Guedes diz ser profundo conhecedor e discípulo, o submisso ministro coloca a sua viola no saco em nome de uma pretensa (mas pouco provável) reeleição do seu chefe. 

Lembro a série de quatro artigos (começando por este) nos quais, durante a campanha presidencial de 2018, simulei um debate meu com o Guedes. Então eu já alertava para a insustentabilidade de seu projeto num país da periferia capitalista, e o fiz baseado em uma entrevista sua à então blogueira Joice Hasselmann, cujo resultado, hoje, conhecemos (para os dois).

Pois bem, diante de tal perspectiva econômica e política, o mercado reage mal aos anúncios de maracutaias como a tramada por Bolsonaro e Guedes. A Bolsa de Valores vem caindo nesses últimos dias, o dólar sobre e os empresários torcem o nariz para o populismo de direita em curso, pois sabem muito bem onde isso vai terminar. (por Dalton Rosado)
*
 Rascunhos pessoais dos estudos de Marx sobre a dinâmica das relações sociais capitalistas, que só se tornaram conhecidos muitos anos depois da sua morte; a primeira edição em português foi aqui lançada nove anos atrás. (DR)
(continua neste post)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails