terça-feira, 14 de abril de 2020

DEPOIS DO VENDAVAL – 2: O BRASIL PÓS-PANDEMIA

(continuação deste post)
Repito a advertência feita no primeiro artigo desta série: trata-se de uma análise especulativa, baseada nas tendências concretas do mundo atual, mas que, de forma alguma, pretende ser uma profecia do futuro.

Depois de lançarmos algumas luzes sobre o mundo que emergirá da epidemia, falemos do Brasil em específico.

Fato é que nosso país se verá no meio da maior crise econômica e geopolítica da História desde o crash de 1929 e a Grande Depressão dele decorrente. No curto prazo isto será catastrófico para o Brasil, mas no médio e longo, talvez nem tanto.

Momentos de crise internacional aguda costumam impulsionar o desenvolvimento econômico e social brasileiro. Assim foi, p. ex., em 1929, quando, diante do declínio de demanda exterior pelo café e escassez de oferta de produtos industrializados, nosso país rompeu com a oligarquia agrícola e entrou em um ciclo industrializante de cerca de 50 anos.

Tal ciclo acabou se exaurindo justamente graças ao modelo vencedor, de natureza dependente e submissa aos ditames dos capitais estrangeiros que aqui se instalaram com as multinacionais.

Em fins da década de 80, as multinacionais começaram a ir embora para a Ásia, onde a classe trabalhadora era mais submissa e barata. Iniciou-se no Brasil um longo processo neoliberal de desmonte da indústria e da economia, retornando ao modelo agroexportador, mas com um plus da financeirização.
Segundo o FMI, vem aí a maior recessão global desde a de 1929

O Brasil passou a ser barriga de aluguel do sistema financeiro internacional, que vinha para cá multiplicar-se com base nos exorbitantes juros da dívida pública.

Mais do que o capricho de banqueiros, o esquema financeiro cumpria importante papel na nova estrutura econômica do país: os juros exorbitantes atraíam toneladas de dólares, que mantinham o câmbio valorizado, permitindo importações de produtos industrializados. As contas no exterior eram pagas com a renda agro-mineral exportadora.

Relembremos apenas, a título ilustrativo, a festança das lojas de “1,99” na década de 90. Elas só foram possíveis graças a este mecanismo. Ironicamente, estas lojas marcavam a derrocada da indústria nacional, pois os produtos vendidos nelas viam das fábricas asiáticas que justamente haviam batido asas do Brasil.

Este esquema neoliberal atingiu seu ápice no governo Lula, quando as commodities agrícolas e mineiras explodiram de preço e o país foi inundado de dólares. Foi uma festa! A renda média da população pôde elevar-se, ainda que de modo tímido, mas o suficiente para dar vazão a um consumo (sufocado por décadas) de bens duráveis e lazer.

Isto explica a popularidade do governo Lula ao seu final, após ter amargado um começo difícil. Lula e o PT surfaram na onda de dólares e proclamaram que vender soja era agora mais lucrativo que vender chips de computador.

Mas veio a crise de 2008, que chegou de rebote no país a partir de 2010. Embora a impressão inicial, segundo frase célebre do ex-presidente, fosse a de uma marolinha, a crise se revelou um verdadeiro tsunami. À medida que a China desacelerava seu apetite por commodities, o Brasil ia sentindo secar sua fonte de divisas e a crise interna aumentava.
"soluções de compromisso  inviáveis com setores neoliberais"

Não podemos culpar Dilma por ter feito um diagnóstico errado. Ela sabia que o caminho era a reindustrialização do país. No entanto, amarrada com o financismo e com setores da exportação agro-mineradora, jamais poderia ter sucesso em sua empreitada.

Daí o fracasso de sua exumação do desenvolvimentismo, agora capenga, pois sem ímpeto político e amarrado a soluções de compromisso inviáveis com setores neoliberais da economia. O neodesenvolvimentismo dilmista acabou sendo uma tentativa de vender soja hightech.

Ao mesmo tempo, a crise explodiu no país com o escasseamento de divisas, a súbita retração do consumo e a consequente agudização da luta de classes.

Pressionada pelos capitalistas, restou a Dilma abandonar seu ensaio desenvolvimentista e encampar o aprofundamento neoliberal. Apenas isto não foi o bastante, conforme sabemos, e o impeachment foi acionado enquanto medida sanitária, agudizando a crise.

Desde então vivemos as ruínas do neoliberalismo brasileiro, mas não no sentido de sua superação, mas sim no da exacerbação. A radicalização do neoliberalismo no Brasil é como uma espécie de corrida rumo ao abismo: quanto mais se avança, mais insustentável e instável fica o país.

Na verdade, vivemos a decadência do modelo, mas, nesta decadência, paradoxalmente, o modelo é mais fortemente implantado. 

O neoliberalismo no Brasil assumiu ares liquidacionistas, de entrega geral das riquezas nacionais e de pauperização absoluta de seu povo. Uma espécie de solução final econômica, atitude típica de quem sabe que o fim se aproxima e o melhor é espoliar o máximo possível antes de ir embora.
"Na lógica liquidacionista, os piores assumem o comando"

Por isso temos um presidente incapaz e sociopata, com sua caterva de bandidos, lunáticos, ignorantes e nulidades. Na lógica liquidacionista, os piores assumem o comando, pois sobraram apenas eles para comandarem o saque.

Conforme afirmei no artigo anterior, o mundo caminha para ser mais fechado e competitivo no futuro. Como o Brasil se comportará neste quadro?

O que vinha sendo desenhado no liquidacionismo era uma subordinação incondicional aos EUA contra a China. No entanto, isto não poderá se manter, pois o país asiático vai emergir da crise como uma nova superpotência e, no estado geral de escassez de oferta, somente ele poderá fornecer ao Brasil produtos industriais e comprar suas commodities.

Os EUA, por sua vez, se mostraram um país incapaz de liderar o mundo, além de apenas pensar no próprio umbigo. Conta, como única vantagem, com o seu poder financeiro, mas este tem limites claros, à medida de que o dinheiro precisa ser trocado por mercadorias, as quais vêm da China...

Então, considero mais provável o Brasil se submeter cada vez mais à China, embora formalmente continue jogando no time estadunidense.

A retração da oferta externa e a pressão sobre o câmbio podem forçar um ensaio de reindustrialização no Brasil, ao menos em alguns setores. Ou isso, ou o país ficará congelado no tempo, o que também não é uma alternativa impossível, visto, p. ex., o que aconteceu na Argentina: ela perdeu sua indústria, tem dificuldades de importação e vive hoje em estado de inércia. 

Caso Paulo Guedes consiga triunfar com seu liquidacionismo e, sobretudo, consiga queimar as reservas internacionais do país, o futuro do Brasil deverá ser este.
"a nova década será ainda mais alucinante"

No entanto, a falência completa do atual sistema político é algo muito provável. 

Este sistema, nascido a partir da redemocratização em 1985 e consolidado após o impeachment de Collor, vem claudicando desde 2013, com acentuada decadência desde o impeachment de Dilma. Bolsonaro foi eleito para demoli-lo de vez e não precisamos de profundas análises para percebermos que seu sonho seria substitui-lo por um regime ditatorial (no que não terá êxito).

O mais provável é ele morrer abraçado ao resto do sistema que disse combater. E, neste caso, se abrirá uma janela histórica no Brasil. 

A única alternativa democrática é a revolução popular, pois o que se desenha entre as oligarquias nacionais é a construção de um regime semidemocrático, ainda mais perverso às classes trabalhadoras e avesso à participação social. 

Um regime no qual será possível votar, opinar e até mesmo ir às ruas, mas sem resultados práticos, pois as decisões cruciais serão mantidas num círculo tão fechado como nunca antes esteve. E isto com ou sem reindustrialização.

Seja como for, o caminho do Brasil será turbulento e vamos ter uma nova década ainda mais alucinante do que esta que chega ao fim de forma tão deprimente e agourenta, com o povo decidindo se prefere morrer de peste ou inanição. (por David Emanuel de Souza Coelho)
(continua neste post)

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