quarta-feira, 13 de maio de 2020

DEPOIS DO VENDAVAL – 3: A ESQUERDA PÓS PANDEMIA

(continuação deste post)
José Chasin (foto), importante filósofo marxista, já vaticinava em 1991 que a esquerda estava morta, fazendo referência à esquerda revolucionária. Infelizmente, ele não viveu o bastante para ver a falência também da centro-esquerda brasileira, em primeiro lugar na versão tucana e depois na lulopetista

Deve ficar claro que a centro-esquerda nunca foi revolucionária, tampouco reformista, apesar de um pequeno ensaio de grupos minoritários no PT na década de 80. Contudo, a rigor, a dita esquerda nacional sempre foi melhorista: seu objetivo supremo foi trazer melhoras sociais e políticas  

Por ser melhorista, tal esquerda jamais conseguiu estabelecer um plano autônomo de desenvolvimento social e econômico para o Brasil. Ficou a reboque das diretrizes da burguesia nacional, basicamente resignando-se a continuar com a estrutura herdada da ditadura militar. 

De fato, a única centro-esquerda a ter um projeto nacional efetivo foi o finado nacional-desenvolvimentismo pós-Vargas. Durante a ditadura, a esquerda estava ocupada demais em tentar sobreviver.

Porque não teve projeto autônomo, mantendo-se a reboque, a centro-esquerda acabou se deteriorando nas insolúveis contradições do capitalismo brasileiro e eclipsou-se após exaurir suas energias, igual uma estrela que colapsa após queimar todo o seu hidrogênio. 

No lugar, então, surgiu um buraco negro, a sugar tudo e a todos. Tal buraco negro é o chamado lulopetismo moribundo, o qual não aceita que nada brilhe ao redor, tragando todas as coisas para seu abismo sem fim.  
Os valorosos manifestantes de junho de 2013 tiveram a centro-esquerda contra si
Fosse possível estabelecermos uma data simbólica para o fim desta esquerda e tal data seria junho de 2013.

Ali, diante da explosão das contradições do país, da rachadura entre o topo e a base, e tendo de escolher um lado, a centro-esquerda assumiu o lado da burguesia, dinamitando sua base popular e abrindo caminho para a ascensão da extrema-direita, que surfou na onda popular de indignação. 

A história é conhecida e já foi objeto de artigos meus aqui no blog. Por hoje, basta relembrar que este movimento levou a indignação popular para o campo moralista de luta contra a corrupção, pavimentando o caminho de Bolsonaro, o moralista por excelência. 

Desde aquela data, a dita centro-esquerda morreu, limitando-se hoje a espasmos inúteis. E morreu porque já não tem apoio popular: a classe trabalhadora não lhe dá mais ouvidos e outros setores sociais a odeiam. 

Não deve ser nossa tarefa tentarmos fazer tal esquerda ressurgir. Ao contrário, diria até que nossa tarefa deveria ser a de fazermos o máximo possível para que ela seja sepultada de vez. Ela não tem mais nada a dizer nem a oferecer. 
Antiga torturada, ela foi contra o #naovaitercopa e apertou a mão de um delator do Vladimir Herzog 
A meta da esquerda deve ser pensada no médio e longo prazos. Fato é que o mundo dela nada espera e, já nesta saída da pandemia, uma crise econômica brutal vai desabar sobre a humanidade. 

Qual a força da esquerda de poderia intervir neste processo? Eu diria que quase nenhum. Fracassos de mais de século pesam sobre nossos ombros e a desorganização reina entre nós. 

Pior, pouco se sabe exatamente sobre a dinâmica do mundo atual. A maioria das forças de esquerda ainda se guia por teorias erradas, mistificadoras e antirrevolucionárias. 

Chegam mesmo a ainda grassar entre nós posições estalinistas ou importadas do establishment do antigo PC soviético, isto quase trinta anos depois do fim da URSS! Isto quando não são guiadas por teorias modistas do liberalismo pós-moderno...

"a esquerda poderá retornar à cena liderando os indignados"
Por isso, acredito que o primeiro passo seja reassumirmos a teoria revolucionária, tomando pé da realidade e compreendendo com exatidão onde estamos, por que, e o que devemos fazer.

Entender a lógica capitalista do século 21 e a especificidade do Brasil é tarefa fundamental para a ação da esquerda. 

Em paralelo a isto, faz-se necessário analisar criticamente o passado da esquerda e da centro-esquerda, passando a limpo erros e acertos e nos defrontando de fato com o pesado passivo herdado. Só assim será possível falarmos de novo à população. 

Este processo deve estar no curto e médio prazo, fase em que não deveria ser nossa preocupação assumir a dianteira em ações políticas ou de mobilização. Melhor ficarmos na retaguarda, apoiando, lateralmente, este ou aquele candidato, esta ou aquela força política, que mais próximo de nossas posições possam estar, sem, contudo, jamais abrirmos mão de nossas posições. Ou seja, ser aliado político, mas manter a independência programática. 

No longo prazo, a esquerda poderá retornar à cena, liderando os indignados com uma explicação clara e certa sobre a natureza da crise, sua raiz na exploração capitalista e o caminho revolucionário. 
Portanto, a tarefa maior da esquerda no pós-pandemia é se reerguer, superando de vez o passivo da esquerda stalinista e da centro-esquerda nacional, e retornando a compreensão adequada da realidade atual e da saída emancipatória possível para este mundo decadente e desumano. (por David Emanuel de Souza Coelho) 
Observação: esta série inclui os posts (clique p/ abrir) O mundo que emergirá da pandemia e O Brasil pós-pandemia.

4 comentários:

Anônimo disse...

Grande Celso!
Estava vendo o Twitter do PCO Partido da Causa Operária e lembrei imediatamente de pedir que desse a sua visão e opinião a respeito deles.
Guerreiro, parece que novos guerreiros estão surgindo... ou estou totalmente enganado?

celsolungaretti disse...

Tomara, companheiro! Não disponho de informações suficientes para avaliar o PCO, programas costumam ser meras declarações de intenções.

Mas, o divisor de águas neste momento para qualquer partido de esquerda é estar efetivamente empenhado em dar um fim o quanto antes à acefalia na presidência da República.

Quem está preocupado com as eleições municipais e com as presidenciais de 2022 é melhor se redefinir como repartição burocrática. A crise está mordendo nossos calcanhares.

Anônimo disse...

Fala Celso, tudo bem por aí?!
A crônica do David, coincide com um pensamento, sobre o ponto de vista específico, o social, o da relações, dos entendimentos entre pessoas, não apenas sobre política, mas sobre todos os assuntos: Música, Arte, Cultura, Religião, Sexo, Comportamento, Esporte.
Creio que sob o ponto de vista social, a década petista( ou lulopetista ), foi maléfica para Esquerda, pois o diálogo sobre todos os assuntos comuns a sociedade, foram "sequestrados", por proselitistas ( opinião de intolerante ).
Alguns Intelectuais tiveram seu papel, usando seus diplomas de antropologia, filosofia, e sociologia, criando argumentos que serviram pra desmobilizar a sociedade sobre os assuntos, e fazendo com que aceitassem as banalidades, o besteirol, o popularesco, com orgulho. Eles dominaram o Mainstream cultural, assim como os clássicos "formadores de opinião", já opinam e pensam por nós a muito tempo, desfilando populismo, demagogia, e lero lero.
A intolerância nas redes sociais ( citada por você no blog ), de certos artista, e celebridades que resolveram atuar como ativistas ( sem citar nomes ), e que em nome da tolerância, agiram de forma muito intolerante, foi um incentivo pra se praticar humilhações, em nome do bem social, e em nome de um só partido, pessoa, e Ideologia. Ideologia essa, que nós brasileiros, nunca soubemos de fato o que é, a tal da Esquerda.
Como você também já opinou, a Esquerda nunca gozou de popularidade.
Não é tradição do povo brasileiro, discutir sobre direita e esquerda, isso sempre ficou muito restrito aos círculos literários, engajamentos, ou a uma curiola bastante abastada, aquela que segundo Marcos Valle: "fala de terra na areia do Arpoador, e fala do morro morando de frente pro mar".
Aqueles que como você, sempre tiveram a autocrítica como Dom, que lutam de fato, tentam tornar acessível o debate popular, lamentavelmente viram párias, ficando a mercê de "hienas de internet", ou de justiceiros sociais ( condição de um certo ator ), disparando grosserias atrás do teclado do pc, se dizendo libertários. Muito ódio e rancor, praticado pelos "libertários".
O ex-presidente, nunca se posicionou a respeito dos "pit bulls", dos "engajadinhos", da turma do fla-flu, que a meu ver, tiveram grande papel na transformação das urnas, em saco de pancada, e na esquerda, em "vidraça".
Cedo o tarde, é necessário este debate como participação popular, assim com tornar isso um hábito, mas uma discussão, em que já se desqualifica quem faz uma crítica: "elitista", "misógino", "gordófobo", "higienista", "ditador estético", "fascista", "racista", "capitão do mato", etc, não ajuda a esclarecer, e nem traz luz alguma as discussões.
Como diz o blogueiro Alexandre Figueiredo ( TV Linhaça Atômica ): "Opinião pisando no lombo do outro não é debate ou diálogo, é narcisismo barato e arrogante."

Abraço do Hebert e ótima semana.


celsolungaretti disse...

Hebert,

seu comentário propõe questões demais, se eu fosse discorrer sobre tudo isso faria um artigo maior que o do David.

Apenas esclareço que eu não afirmaria em tom de crítica que a esquerda nunca foi popular no Brasil. Infelizmente, nosso país é tão atrasado que, para ser popular, a esquerda acaba se desvirtuando (tornando-se meramente popularesca), como o foi sob o Lula.

Deixado a si próprio, o povo brasileiro se conforma com as situações mais inaceitáveis, até que a pressão é demasiada e ele explode em desabafos destrutivos, que criam muita comoção enquanto estão ocorrendo, mas passam sem mudar o que precisa ser mudado em nossa sociedade.

Então, enquanto nosso povo não se tornar um povo PARA SI, e não EM SI como sempre foi, necessitará de uma vanguarda que lhe aponte os caminhos de sua libertação.

Venho há décadas dando minha contribuição para forjarmos tal vanguarda, mas tudo no Brasil marcha sempre na direção contrária. Avalio que estou mais longe do objetivo hoje do que quando iniciei esta jornada, em 1967.

Mas, enquanto me restarem forças e lucidez, continuarei tentando. Quando fiz minha opção revolucionária, foi para a vida inteira.

Abs.

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