demétrio magnoli
DECISÃO DE FUX SOBRE JUIZ DAS GARANTIAS
ILUMINA OS CONTORNOS DO PARTIDO DE MORO
A alfabetização funcional propicia a interpretação do sentido profundo de um texto. Nesse registro, o ato de Fux deve ser decifrado como elemento da campanha presidencial de Sergio Moro.
A inclusão do juiz das garantias na Lei Anticrime nasceu da Vaza Jato. As provas do conluio entre Moro e os procuradores da força-tarefa evidenciaram o desprezo do juiz por seu juramento constitucional de submissão às tábuas da lei —e o perigo de subversão do sistema judicial. Os parlamentares agiram para assegurar a separação entre Estado-acusador e Estado-julgador, um pilar fundamental da democracia.
In Fux we trust, escreveu Moro a seu comparsa Deltan Dallagnol numa das mensagens que vieram a público. A decisão monocrática do ministro do STF —um desafio a seu pares, ao Congresso e à separação de Poderes— atesta a confiança nele depositada. Mais que isso: ilumina os contornos do Partido de Moro.
Rússia, Turquia, Hungria e Venezuela contam-nos uma mesma história: a transição do governo populista ao regime autoritário passa, invariavelmente, pela politização do sistema judicial. A Justiça deve render-se à política, para calar as vozes dissonantes.
Os diálogos expostos pela Vaza Jato mostraram que Moro e os procuradores não só operavam como parceiros mas também acalentavam um projeto de poder. Quando o juiz com causa metamorfoseou-se em ministro da Justiça, a articulação emergiu à luz do Sol. Moro, o homem que prometeu não se reinventar como político, traía sua palavra pela segunda vez.
Notícias periféricas desnudam as dimensões da articulação.
As reclamações ao STF contra o juiz das garantias partiram do PSL, o antigo partido de Bolsonaro, de duas associações de juízes (Ajufe e AMB) e de uma entidade profissional do Ministério Público (Conamp).
Numa nota oficial, Moro celebrou a liminar de Fux. Os elogios salpicaram algumas páginas de jornais assinadas por devotos do ex-juiz e as páginas eletrônicas de blogueiros fieis.
Numa nota oficial, Moro celebrou a liminar de Fux. Os elogios salpicaram algumas páginas de jornais assinadas por devotos do ex-juiz e as páginas eletrônicas de blogueiros fieis.
O Partido de Moro compõe-se de uma sigla partidária e de porta-vozes midiáticos informais —mas, sobretudo, de organizações corporativas de juízes, promotores e procuradores.
Há tempos, a política infiltrou-se nos domínios do Ministério Público. Abertamente, no seu interior, organizaram-se partidos de esquerda (Ministério Público Democrático, fundado em 1991) e de direita (Ministério Público Pró-Sociedade, fundado em 2018).
O primeiro, que sofreu uma cisão em 2016, circula na órbita ideológica do PT. O segundo, que apoiou a candidatura de Bolsonaro, gira no campo gravitacional do ministro da Justiça.
As implicações da politização do MP estão à vista de todos: o procurador Wellington Marques de Oliveira, que oferecera uma denúncia vazia contra Felipe Santa Cruz, presidente da OAB, agora reincide na prática da intimidação.
O procurador sem limites mira o jornalista Glenn Greenwald, protagonista da Vaza Jato, tentando transformar em crime a exposição de verdades inconvenientes. Sem surpresa, o Ministério Público Pró-Sociedade saiu em defesa do gesto de abuso de autoridade. O Partido de Moro instrumentaliza o sistema judicial antes mesmo de chegar ao poder.
A democracia traça uma fronteira nítida entre as esferas da Justiça e da política. Moro saltou, legitimamente, de uma a outra para, ilegitimamente, demolir a muralha que as separa.
Bolsonaro, o nostálgico da ditadura militar, o adulador de torturadores, é um inimigo declarado da democracia. O inimigo dissimulado talvez revele-se mais perigoso. (por Demétrio Magnoli)
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Toque do editor – a análise do Magnoli é correta quanto ao fato de Moro e os tenentes togados representarem um perigo maior para a liberdade no Brasil do que Bolsonaro. Afinal, trata-se de um sujeito bem mais astuto e articulado, enquanto o Bozo não passa de um tosco oportunista aproveitando a oportunidade que lhe caiu no colo, sem competência nem inteligência para construir o fascismo dos sonhos de seus filhos e do guru familiar.
Aliás, será que suas palhaçadas devem ser levadas a sério? Parece-me que as performances de bicho papão têm e sempre tiveram fins eleitoreiros. Como jamais poderia enfileirar mandatos na condição de defensor da civilização, apostou que os truculentos párias da civilização e os pastores devotos do bezerro de ouro (com suas legiões de zumbis) é que o levariam aonde queria chegar.
Mas, no que diz respeito a nós da esquerda, não há motivo plausível para favorecermos ou pouparmos nenhum deles nesta disputa entre Bolsonaro e Moro: temos de combater ambos implacavelmente e na mesma medida.
O joguinho de favorecer um inimigo na esperança de esvaziar o outro (que o Reinaldo Azevedo já vinha jogando, com o Magnoli aparentemente indo agora na mesma direção) nos seria muito arriscado em termos de resultados e pra lá de desmoralizante em termos de valores e princípios. Somos discípulos de Marx, não de Maquiavel.
De resto, já não aguento mais encontrar loas à democracia em textos e falas de articulistas de esquerda!
Obviamente, quando a correlação de forças nos desfavorece tanto como agora, temos mais é de esforçarmo-nos ao máximo para barrar todos os avanços do autoritarismo. Mas, isto não implica ficarmos repetindo como papagaios a ladainha do sistema.
É um erro crasso ajudarmos a martelar na cabeça dos nossos leitores a ilusão de que a democracia burguesa seja algo além do biombo por trás do qual o poder econômico mexe os cordéis dos seus títeres executivos, legislativos e judiciários, fazendo prevalecer seus interesses específicos como se fossem os interesses de toda a sociedade.
Só teremos credibilidade expressando nossas convicções, sem trocá-las por conveniências de momento. (por Celso Lungaretti)
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