Ninguém é santo nesse arranca-rabo |
Por óbvio, expôs o que até os granitos da Avenida Paulista já sabem. Bolsonaro é um aspirante a ditador, truculento e avesso à imprensa independente. Mais de trinta anos de vida pública apoiando o que de mais retrógrado existe no Brasil não deixa a mínima dúvida quanto a isto.
No entanto, a Folha não é um exemplo de respeito à democracia. E não falo aqui apenas de seu vexaminoso apoio à ditadura (além de a relativizar depois, como se tivesse sido uma inofensiva ditabranda), mas também de seu corriqueiro ataque a movimentos sociais, sindicatos e personalidades populares.
Não esqueçamos, p. ex., que em junho de 2013 foi um editorial seu, juntamente com outro do coirmão O Estado de S. Paulo, que pediu o endurecimento da repressão policial aos manifestantes do Passe Livre.
Na noite daquele editorial, a PM desembestou barbara violência contra os jovens que ousaram ir às ruas, causando indignação nacional e impulsionando as gigantescas manifestações hoje já históricas. Jamais houve pedido de desculpas ou reparação por parte da Folha de S. Paulo por ter atiçado a violência policial.
Durante os anos seguintes não seriam poucas as vezes em que o jornalão sairia em público criminalizando manifestantes, não apenas na linha editorial, mas também na cobertura enviesada e, muitas vezes, francamente mentirosa.
O jornal se lamuria pelo autoritarismo de Bolsonaro, mas deposita firme apoio à política econômica reacionária de Paulo Guedes, tendo, mesmo, feito um editorial elogiando as propostas austericídas do ministro, classificando-as como estando no “caminho certo”.
2009: protesto diante da Folha contra editoral da ditabranda |
Ora, Guedes é Bolsonaro e vice-versa. O neoliberalismo de Guedes só é possível de ser implantado e mantido em ambiente autocrático e o DNA do ministro é francamente pinochetista.
O veículo dos Frias também parece não ver nada de antidemocrático na aprovação das tais reformas a toque de caixa no Congresso. Quando Rodrigo Maia e sua turma decidem o futuro de mais de 150 milhões de pessoas sem ao menos um debate com elas, a Folha não enxerga falta de democracia. Ao contrário, aí se trata da modernidade avançando, são os luminares da civilização.
A Folha teve participação intensa no processo de impeachment contra Dilma e ajudou não apenas a induzir, mas também a aumentar o número de manifestantes, usando politicamente seu DataFolha. Enquanto em 2013 pedia repressão, em 2015 e 2016 dizia apologeticamente que estávamos diante das maiores manifestações da história do Brasil, quiçá da humanidade.
Acreditava, junto com Globo e Estadão, que a deposição de Dilma facilitaria a imposição das medidas pró-baronato financeiro, mas também abririam caminho para a vitória da centro-direita, capitaneada pelo PSDB de Alckimin.
Por uma ironia da História, está agora sofrendo as consequências do seu maquiavelismo trapalhão,
O impeachment acabou servindo não para aplacar a crise política, mas para piora-la, levando o péssimo governo Temer ao buraco e, conduzindo, por fim, à eleição de Jair Bolsonaro.
A Folha de S. Paulo, os demais órgãos da mídia financista e a burguesia brasileira em geral tiveram de engolir a seco a eleição do ignóbil. Porém, para se garantirem, começaram a desencavar os podres de um político notoriamente corrupto e ligado a tudo de ruim no Rio de Janeiro. Deste modo, pensaram que conseguiriam domá-lo pela chantagem.
Bolsonaro, contudo, é iletrado, mas não idiota. Com um forte instinto de sobrevivência, deu uma dupla cartada: deixou Guedes fazer o que queria e dobrou a aposta contra a mídia.
Com o primeiro movimento, imobilizou a parasitária burguesia brasileira e colocou a sua imprensa numa armadilha. Ela teria de apoiar a política econômica do governo e não poderia radicalizar contra ele.
Garantido isto, o próximo passo seria dobrar a aposta e ir na jugular da mídia, cortando seu financiamento e ameaçando não renovar concessões.
Enredada pelo apoio à política econômica neoliberal, temerosa de ferir o avanço das pautas austericidas, a mídia financista simplesmente entrou em pane e agora só pode balbuciar invectivas inúteis sobre a democracia ou tentar distinguir Bolsonaro de sua política econômica. Ou seja, apoiar o governo sem apoia-lo.
"Guedes é Bolsonaro, e vice-versa" |
O mundo paralelo das fake news e da mídia oficialista é tudo de que tal regime necessita numa sociedade cuja riqueza será dada por especulações financistas e cuja força de trabalho será formada por entregadores de comida e motoristas de aplicativos. O rigoroso ponto de chegada de uma sociedade radicalmente neoliberal é o irracionalismo puro.
O ideal de democracia da Folha já caducou e ela não percebeu. O antigo regime oligárquico de falsificação da realidade, com os jornais e a mídia em geral servindo como instrumentos de distorção da verdade, já não existe mais. Hoje, a verdade já pode ser inteiramente manufaturada sem o mínimo uso da verossimilhança.
A mamadeira de piroca triunfa, o articulista definha. Mas, e isto a Folha precisa entender, a mamadeira de piroca é o caminho necessário para reformas como a da Previdência. (por David Emanuel de Souza Coelho)
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