(continuação deste post)
Isto porque a riqueza abstrata é a única que pode ser mensurada e entesourada num número abstrato, o padrão monetário estabelecido; ou seja, alguém pode deter poder de compra de riquezas materiais imensas numa simples conta bancária calculada sob o critério monetário e, assim, colocar sob seus pés o controle de tal patrimônio num estalar de dedos.
Sob o capital, o dinheiro é o poder absoluto, o que o torna objeto da adoração fetichista de quantos se submetem aos seus ditames absolutistas e irracionais. O dinheiro não apenas incita a corrupção, mas ele é a corrupção em si.
O dinheiro se desenvolveu nos últimos três milênios porque foi paulatinamente se firmando como instrumento eficaz de promover a sub-reptícia escravização indireta; e é incensado pelos seus serviçais teóricos e administradores beneficiários como instrumento do desenvolvimento da prosperidade humana. Trata-se, p. ex., do discurso do Paulo Guedes. Um discurso que não se sustenta à luz da realidade objetiva.
Todo capital é acúmulo de tempo de trabalho humano calculado e acumulado como mercadoria-dinheiro, e roubado pela extração de mais-valia de quem o produziu.
Portanto, constitui-se numa rematada hipocrisia ou desconhecimento completo de sua natureza falar-se em dinheiro bom, bem ganho, e dinheiro ruim, resultante de corrupção. Todo dinheiro advém de uma corrupção intrínseca, e ponto final.
Mas, a questão da corrupção com dinheiro público é antissistema, pois conspira contra a função estratégica do Estado na vida mercantil, uma vez que os impostos sofridamente pagos pelos contribuintes e deles cobrados coercitivamente (pois a maioria deles sempre está economicamente exaurida pelas relações econômicas mercantis), devem servir para manter os custos da institucionalidade opressora a serviço do capital de modo economicamente estável e capaz de promover o controle e a indução econômica sob sua orientação.
Como reza a sabedoria popular, as aparências enganam. Os que combatem a corrupção com o dinheiro público sabem estarem promovendo apenas um tipo de justiça parcial promovem (em defesa da injustiça socialmente oficializada e consentida).
É fácil constatar o quanto há de hipocrisia e inconfessáveis posturas contraditórias na função jurisdicional de magistrados e demais membros da estrutura do Poder Judiciário do Estado (Ministério Público e Polícia) ao se apresentarem como paladinos da justiça empunhando a bandeira contra a corrupção com o dinheiro público, sendo eles aqueles mesmos que jamais questionaram o direito ilimitado de propriedade capitalista diante dos pobres e desvalidos, e tantas outras situações em que obedecem rigorosamente e sem pestanejar às injustiças contidas nas leis burguesas.
Ao grande público é passada a falsa impressão de que, inexistindo a corrupção com o dinheiro público, a vida social seria sustentável e justa.
Isto foi o que garantiu a vitória eleitoral de propostas políticas que jamais atingem o cerne do problema, defendidas no pleito de 2018 pelos segmentos ultraconservadores do Brasil, apoiados por uma classe média formadora de opinião e contando com a despolitização de uma população manipulada e induzida a acreditar em soluções fáceis e superficiais dentro da ordem capitalista.
Disso é também culpada a esquerda institucional, que jamais ousa levantar a tese de que simplesmente não pode haver justa e boa distribuição do dinheiro, tanto estatal como empresarial. A esquerda institucional depende dos impostos estatais para sobreviver como parte (sempre menor) do poder político, e fica tudo muito pior quando quer ser dona do capital, que tem dinâmica autotélica própria e não admite tutela externa.
Quanto a isto, o direito e seus profissionais do Estado, bem como os juristas burgueses afeitos a elaborações teóricas rebuscadas e doutrinariamente complexas, esforçam-se para para fazerem passar por direito natural aquilo que, na verdade, é antinatural, ou seja, que a injustiça praticada e defendida pela ordem burguesa corresponderia à realização do ideal de justiça.
Contraditoriamente, como tudo que acontece sob o capitalismo, a máquina administrativa do Estado, pensada pela doutrina republicana iluminista burguesa como revolucionária, vem se tornando um estorvo para a manutenção da ordem mercantil, levando os puristas a reclamarem a volta às suas funções originais, como se isto fosse realizável.
São muitos e variados os fatores que concorrem para o crescimento irrefreável da dívida pública. Eis os principais:
— os juros cobrados aos Estados devedores periféricos, que garantem a felicidade dos rentistas;
— o achaque ao dinheiro público por empresários capitalistas que corrompem em seu favor administradores públicos e políticos em geral objetivando a manutenção dos seus ganhos (vide recente divulgação dos escândalos da Petrobrás, Odebrecht, empresários cariocas, paulistas, doleiros e tantos outros);
— a dinâmica das relações sociais mercantis depressivas, que se chocam contra os direitos previdenciários e salariais de funcionários públicos admitidos para a máquina administrativa, muitas vezes sob práticas de nepotismo e irregularidades funcionais inconfessáveis;
— privilégios cartoriais e burocráticos abusivos;
— licenciamentos ecológicos predatórios, como autorização ou vistas grossas para o desmatamento sem manejos florestais, beneficiando uns poucos capitalistas em detrimento da coletividade;
— incapacidade de manutenção e expansão da infraestrutura de produção mercantil, comumente mais cara do que aquela praticada pelas relações comerciais privadas graças à tradicional corrupção que financia os processos eleitorais, e ainda por cima dessubstancializada pela redução dos impostos relativamente às necessidades;
— excesso e falta de controle dos gastos da máquina da administração pública;
— gastos militares estratégicos (forças militares regulares de prevenção de ataques externos) e com as polícias incumbidas da manutenção preventiva e prisional de criminosos nas suas prisões com custos insuportáveis para o volume de criminalidade crescente (um preso é mais caro do que um professor), bem como de toda a máquina judiciária processual;
— gastos com um Poder Legislativo elitista e detentor de privilégios salarias muito acima da média daqueles de que desfrutam os funcionários privados que exercem as mesmas funções, e que legisla sobre em causa própria nas questões salariais corporativas;
— gastos com um Poder Judiciário detentor de padrões salariais incompatíveis com a realidade dos trabalhadores privados (defasagem de valor entre o salário mínimo de um trabalhador braçal e salário de um magistrado) e que também define o próprio padrão salarial a ser pago pelo Poder Executivo (estabelece o valor do gasto para quem paga), etc., etc., etc.
O elenco de situações acima citadas, bastante conhecidas por todos (e que se somam a muitas outras não citadas, mas que existem), conspira contra a função estatal estratégica. É por isso que os liberais anacrônicos como o ministro Paulo Guedes defendem a volta do Estado mínimo, numa tentativa vã de retomada das funções originais do Estado sem levar em conta o estágio das contradições hoje existentes do mundo mercantil depressivo. (por Dalton Rosado)
Nenhum comentário:
Postar um comentário