(continuação deste post)
Assim, toda produção de mercadoria tem de, necessariamente:
— ser produzida com a exploração pelo capital da força de trabalho excedente, não paga, que é acumulada pelo capital, e em relação ao pagamento da força de trabalho necessária à mera subsistência do trabalhador que a produziu;
— ser produzida dentro do critério de concorrência mercadológica, no qual se define o preço e valor de venda da mercadoria produzida (esta, por sua vez, é que define o lucro ou o prejuízo do produtor mercantil).
Estes são os critérios da famigerada viabilidade econômica, que é insensível às necessidades humanas, obedecendo apenas ao critério da realização do lucro. A produção de mercadorias apenas faz uso das necessidades humanas de consumo para atingir o seu objetivo mercantil, de modo utilitário e egoísta.
Ora, normalmente as pessoas não se apercebem da natureza negativa desse modo de produção mesquinho, que tende a se paralisar tão logo haja disparidades de custos de produção e de capacidade de consumo. Na lógica da produção mercantil, o que está em jogo é o aumento constante e cumulativo do capital; quando isto não ocorre, há um travamento da produção de mercadorias.
Os produtores que não conseguem baixos custos de produção são derrotados na guerra de mercado. E, como todos estão inseridos nessa guerra, a consequência é que alguns sobrevivam e outros sucumbam economicamente.
Toda a produção mercantil, que se processa sob a égide do capital, é contraditória, mas tais contradições somente se explicitam num determinado momento histórico do curso das relações sociais, e num nível de incongruência tal que essa mesma forma de relação social se inviabiliza. Vivemos o início desse estágio.
As sociedades mercantis, na sua globalidade, somente se dão conta da irracionalidade dessa forma e conteúdo de produção social quando se materializam a inviabilidade de suprimento das necessidades dos que estão fora do jogo mercantil e se estabelecem conflitos de acomodação, que hoje, pelo grau de letalidade militar generalizado existente, tendem a ficar perigosamente tensos.
Mas, como as contradições continuam, eis que os vencedores (os produtores de mercadorias a custos menores) veem suas vendas decrescerem em razão da incapacidade de consumo dos perdedores, sempre em maior número que os vencedores (ainda que os preço e valores das mercadorias sejam dessubstancializados e os preços reduzidos, pois não há correspondência entre baixo preço e capacidade aquisitiva).
A sequência lógica inevitável é que os vencedores terminem, também, como perdedores, ainda que sucumbam por último nessa cadeia – uma cadeia suicida em razão da insustentabilidade de uma lógica irracional que, em determinado momento, explicita inevitavelmente a sua ilogia.
Este é o nó da recessão econômica mundial ora em curso, causada pela falência dos próprios fundamentos irracionais da produção mercantil, aqui chamados de causas endógenas.
Agora atingimos tal estágio, brilhantemente previsto por Karl Marx. E, por mais que seus opositores o tenham considerado morto e sepultado, e que muito marxistas não o hajam compreendido, só nos resta a opção de superarmos o modo de produção mercantil e passarmos a um modo de produção sem valor econômico, no qual a dita cuja seja distributivamente solidária e ecologicamente sustentável, sob pena de sucumbirmos sob o peso de guerras e das crises ecológicas inevitáveis.
No atual estágio da guerra mercantil, somente consegue sobreviver (e, assim mesmo, por um certo período, cuja duração não podemos antecipar, pois depende da dinâmica das relações mercantis – mas dá para inferirmos que já atingimos um estágio avançado de aceleração) quem:
– manipula artificialmente o sistema de crédito financeiro, o câmbio e outros artificialismos financeiros de mercado.
Além das contradições relativas aos próprios fundamentos da produção mercantil, existem outras de natureza político-sociais que interferem nessa questão.
Um país com carga tributária cara e complexa; estrutura cartorial e burocrática de funcionamento; corrupção grassando nas esferas públicas administrativas, judiciárias e legislativas; desigualdades sociais gritantes; juros proibitivos em suas operações internas e externas, além de outros fatores que abordaremos adiante, torna-se especialmente fadado à derrota nessa guerra fratricida e desigual.
O Brasil, membro numericamente destacado dentre os produtores industriais de alto custo competitivo, ganhando a guerra apenas na produção de commodities minerais com que a sua natureza prodiga o aquinhoou e no cultivo em terras férteis e com clima propício que favorecem sobremaneira seu agronegócio, mesmo assim não consegue sustentar-se comodamente, pois os valores e preços dessas mercadorias nem de longe podem competir com os produtos manufaturados industriais ou mercadorias patenteadas de detentores de segredos industriais guardados a sete chaves.
Caso fosse retirada da produção de bens o critério da viabilidade econômica e da concorrência de mercado (estes dois últimos critérios irremediavelmente oriundos dos ditames definidos pela produção mercantil), tais bens deixariam finalmente de ser mercadorias com valor de uso e valor de troca.
Passariam a constituir-se apenas em objetos consumíveis e úteis à humanidade, produzidos com o alto grau de conhecimento adquirido por nossa espécie. neste post
Aí a vida planetária poderia se viabilizar de modo cômodo e sustentável para um contingente populacional muito superior aos seus mais de 7 bilhões de habitantes. Mas, tendo o paraíso ao alcance das mãos, optamos por permanecer no inferno, correndo riscos cada vez maiores de virarmos poeira cósmica! (por Dalton Rosado)
Um comentário:
Em dado momento do texto, Dalton assevera que "só nos resta a opção de superarmos o modo de produção mercantil e passarmos a um modo de produção sem valor econômico"...
Neste trecho entendo que ele queria dizer que deveríamos passar a um modo de produção sem valor mercantil.
Essa ideia perpassa o post e me faz acreditar que quando diz "econômico" ele quer dizer "financeiro ou mercantil" e, assim, concordo inteiramente com esta abordagem do problema.
Ocorre que, em pese a generosidade intrínseca da proposta, ela se torna inviável, pois não prevê o regramento da distribuição dos bens e serviços.
O fato de ser humano não credencia ninguém, a priori, a receber benesses indevidas e nem o isenta do necessário esforço ao aperfeiçoamento de si e da sociedade na qual está inserido.
Para contornar este fato são necessários métodos de escrituração contábil honesta para rastrear o encadeamento das trocas econômicas de maneira a subsidiar, através de pesos e medidas estáveis, a avaliação do nível de aperfeiçoamento pessoal e a qualidade da interação social do indivíduo, mesmo que esteja estabelecida a ausência de objetivo financeiro na produção e nos serviços, além do imprescindível direcionamento ao benefício dos semelhantes.
Este pormenor é feito de maneira incipiente e nem um pouco objetiva pelo dinheiro, posto que o uso dele fazem as pessoas revela-se nas suas próprias vidas.
Este saber usar os recursos de maneira proveitosa pode ser alcançado com muito maior facilidade quando se retira da produção de bens e da prestação de serviços o impositivo do lucro através da mercantilização de tudo.
Porém, a sua maneira canhestra, o mercado e o dinheiro conseguem atender ainda que de maneira parcial esta importante faceta da experiência humana: tornar-se cada vez melhor através da utilização correta e benéfica dos recursos de que disponha.
Diante da debacle iminente de todo o sistema baseado em mercadoria/dinheiro pensar nestas alternativas pode diminuir os impactos negativos da catástrofe que se avizinha, sendo esta "crise das crises" oportunidade para reaproveitarmos, refazermos e reafirmarmos os mais nobres ideais do ser humano.
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