domingo, 25 de agosto de 2019

UMA POESIA, UMA CANÇÃO, UMA REFLEXÃO MELANCÓLICA E O CORVO A AGOURAR

mário faustino
BALADA
Não conseguiu firmar o nobre pacto
Entre o cosmos sangrento e a alma pura.
Porém, não se dobrou perante o fato
Da vitória do caos sobre a vontade
Augusta de ordenar a criatura
Ao menos: luz ao sul da tempestade.
Gladiador defunto mas intacto
(Tanta violência, mas tanta ternura) 
.
Jogou-se contra um mar de sofrimentos
Não para pôr-lhes fim, Hamlet, e sim
Para afirmar-se além de seus tormentos
De monstros cegos contra um só delfim,
Frágil porém vidente, morto ao som
De vagas de verdade e de loucura.
Bateu-se delicado e fino, com
Tanta violência, mas tanta ternura!

Cruel foi teu triunfo, torpe mar.
Celebrara-te tanto, te adorava
Do fundo atroz à superfície, altar
De seus deuses solares — tanto amava
Teu dorso cavalgado de tortura!
Com que fervor enfim te penetrou
No mergulho fatal com que mostrou
Tanta violência, mas tanta ternura!


Senhor, que perdão tem o meu amigo
Por tão clara aventura, mas tão dura?
Não está mais comigo. Nem contigo:
Tanta violência. Mas tanta ternura.
.
Tive amor à primeira vista por esta poesia do Mário Faustino desde que conheci alguns de seus versos, citados no Terra em Transe, do Glauber Rocha (que é, disparado, o melhor filme brasileiro de todos os tempos,  podendo ser assistido aqui). Quando fiquei conhecendo-a na íntegra, minha admiração só aumentou.

Ela tem tudo a ver com a forma como me vejo, com a única diferença de que jamais me atiraria no mar, à maneira do poeta suicida homenageado por seu amigo Faustino.

Sou um tanto fora de moda, se um dia decidir que nada mais me resta a fazer no palco da vida, tentarei morrer como sempre vivi: enfrentando o inimigo. Tomara que os deuses do destino ao menos não me neguem isto.

O certo é que jamais me conformarei com a dificuldade que marcou meus relacionamentos com a esquerda organizada, eu que jamais quis nada além da revolução e passei a vida me chocando com a pequenez dos que utilizam sua violência mais em disputas internas de poder e pouca ternura mostram pelos explorados.

Nunca quis nada para mim, em termos pessoais. Sempre perdi muito mais do que ganhei ao defender de peito aberto as minhas causas. Mas, idêntico desprendimento raras vezes eu encontrei, e praticamente só entre os companheiros da militância estudantil e revolucionária, no período 1968/1971. 

Lembrar-me dos imprescindíveis que conheci e foram tragados em nossa dura aventura só faz aumentar o meu desalento. O corvo disse: nunca mais.

Ao que tudo indica, nunca mais lutarei ao lado de revolucionários com a grandeza moral de um Juarez Guimarães de Brito, que não fez questão de ser comandante nacional embora fosse o mais qualificado dentre todos nós e que perdeu a vida numa tentativa desesperada de salvar um antigo aluno que ele incorporara à luta, ciente de que o dito cujo estava apenas servindo de isca e percebendo a repressão mal camuflada ao redor, mas ignorando que uma tala na perna o impediria de tentar a fuga (vide aqui). 

Queria que as coisas fossem diferentes. Mas, elas não são. Só me resta continuar fazendo tudo que as minhas forças ainda permitem para propiciar o surgimento e afirmação de uma nova geração de revolucionários, na esperança de que a moeda caia em pé de novo, como caiu meio século atrás. (por Celso Lungaretti)

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