terça-feira, 2 de julho de 2019

A GRANDE DIÁSPORA MUNDIAL – 3

(continuação deste post)
Segundo Ramadhani, refugiado burundinês de 26 anos, viver numa dessas tendas de acampamento corresponde a uma luta diária para conseguir comida e água. Tais condições acabam com a vida de qualquer um, diz ele, mas é melhor do que viver com medo e trancado em casa, daí preferir permanecer nesses campos até morrer. 

Segundo relato da psiquiatra Carolyne César, da ONG Médicos Sem fronteiras, é alarmante e o índice de tentativas de suicídios dos imigrantes enviados à ilha de Nauru pelo governo australiano; as crianças, acrescenta, afirmam que é melhor morrer do que ali permanecer.  

Esta é a cruel realidade de um mundo moldado por uma ordem sócio-econômica genocida. 

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados denuncia que 68,5 milhões de pessoas foram expulsas de suas casas à força, como consequência das ações de governos despóticos; da intolerância de grupos fundamentalistas religiosos; do temor inspirado por milicianos que praticam a extorsão, vendendo pretensa proteção; e do crime organizado. 

Mas, o que está na base dessa formação sócio-criminosa é a impossibilidade de produção social dos países da periferia do capitalismo sob um contrato econômico one world que encontrou o seu limite interno absoluto de convivência social harmônica.
Todos esses fenômenos ocorrem sob o primado da barbárie social causada por um modelo de produção social fundado na concorrência de mercado e financiamento da produção a juros extorsivos para os países da periferia capitalista (como ocorre com o Brasil, que aceita tal imposição docilmente, pois, afinal, é mais fácil cortar direitos previdenciários).  

Os países que se beneficiam de tais relações de produção e que rejeitam os originários de suas antigas colônias, agora estão também ameaçados nas suas pujanças econômicas, pois não se pode explorar indefinidamente sem que as consequências dessa lógica demonstre a sua insustentabilidade de longo prazo (e continue impune!). 

A debacle que já se observa na União Europeia, expressa nos altos níveis de desemprego, problemas com a previdência social e dívida pública crescente, denunciam que o barco capitalista, tal como os barcos do mar Mediterrâneo cheios de imigrantes desesperados, está afundando.

Neste contesto, dois segmentos políticos ganham espaço nos países capitalistas dominantes da União Europeia:  
 um é o dos partidos ultraconservadores (foto ao lado), que abrigam os defensores dos privilégios tradicionais, ora ameaçados, e que reforçam os discursos nacionalistas xenófobos, tentando manter o status quo pela força (os arminhas de lá) e impor retrocessos civilizatórios; e
 o outro é o dos partidos ecológicos (os verdes), que, apesar das boas intenções, não tocam na questão fundamental que é a falência e negatividade das relações de produção capitalistas. 

A crise ecológica, vale ressaltar, tem uma abrangência global, não seletiva. Atinge as florestas europeias (e estadunidenses) com incêndios cada vez maiores; prejudica a agricultura; e causa poluição insuportável, tanto quanto a desertificação, as secas e inundações tropicais. 

A hipocrisia mundial é algo que deveria causar indignação nas mentes mais esclarecidas.

Hipócritas são, p. ex., as alegadas preocupações dos EUA e seus subservientes apoiadores sul-americanos com a tragédia humana da Venezuela (independentemente de o governo de Maduro não me inspirar a mais remota simpatia) e a condenação do regime cubano.
Mohammed bin Salman ainda encontrou quem apertasse sua mão ensanguentada
Por que? Entre muitos outros motivos, por tolerarem na reunião do G-20 a participação de um assassino como o príncipe saudita Mohammed bin Salman, responsável pela morte do jornalista Jamal Khashoggi e de outros dissidentes políticos decapitados por regime brutal.  

E o alegado sentimento humanitário da União Europeia e da Turquia se revela uma balela à medida que financiam o governo despótico da Líbia para que, com sua guarda costeira no mar Mediterrâneo, detenha embarcações de imigrantes utilizando os métodos mais cruéis e desumanos.    

Observemos tragédias mundiais como:
 a dos povos da minoria rohingya em Mianmar;
 as perseguições de comunidades inteiras na Nigéria e em Camarões;
 a miséria do Sudão do Sul e do Burundi;
 o êxodo venezuelano (foto ao lado), salvadorenho, guatemalteco, hondurenho, haitiano e boliviano;
 a guerra permanente da Líbia e da Síria;
 as guerras fundamentalistas religiosas do Afeganistão, de Mossul e de tantas outras regiões do oriente médio; e
 a disputa territorial entre palestinos e israelenses. 

Todas têm, um ponto em comum: a falência (e ganância) de um modelo político-econômico que está a clamar por sua superação.

Entretanto, tal superação implica uma autocrítica de nossa servidão voluntária ao sistema que está na base de toda essa tragédia planetária. Devemos honestamente reconhecer nossa condição de cúmplices, ainda que involuntários, com todos esses crimes de lesa-humanidade. 

Seremos capazes de, conscientemente, antes mesmo que a realidade nos empurre para a tomada de medidas de emergência ou de desaparecermos da face da Terra, operarmos a transformação emancipatória necessária e indispensável? 

Somente a nós cabe a resposta. (por Dalton Rosado)

"...quando há uma terra prometida/ o bravo irá e outros o seguirão/ a beleza
do espírito humano/ é a vontade de realizar os próprios sonhos/ e assim,
as massas atravessam o oceano/ em direção a uma terra de paz e
de esperança/ mas ninguém ouviu uma voz ou viu uma luz/
enquanto era jogado na costa/ e ninguém foi recebido
pelo eco da frase Eu levanto minha lâmpada
junto à porta dourada..."  

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro, DR
Grato pela abordagem que foge da mesmice das pautas da mídia conservadora comercial e vira-lata.

Um tema (des)humano, universal, que nos obriga a refletir sobre a perversidade do sistema capitalista...

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