PARA PAULO ENTENDER OLAVO
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"Por que o líder dispara contra a revolução que inspirou?", perguntou um inconformado Paulo Guedes a Olavo de Carvalho no jantar em homenagem a Bolsonaro, em Washington.
Na véspera, o Bruxo da Virgínia atirara um petardo contra Hamilton Mourão, responsabilizando-o pela virtual dissolução do governo no horizonte de seis meses. Paulo merece resposta. Ofereço-lhe duas, complementares.
Paulo acalenta a doutrina do liberalismo econômico radical: o Estado Mínimo. Já Olavo interessa-se apenas marginalmente por economia. A revolução dele também é um retorno, mas não ao Estado liberal do século 19 e sim a um passado mítico de soberanias estatais absolutas, hierarquias patriarcais fundadas na tradição e respeito às liberdades naturais do colono armado. Numa síntese rápida, a fusão do conservadorismo romântico europeu com o nativismo individualista americano.
Olavo não é original. Logo após a 1ª Guerra Mundial, Oswald Spengler anunciou o declínio do Ocidente, fruto de um longo envenenamento cultural provocado pelas bactérias do Iluminismo.
Do nacionalismo conservador e autoritário spengleriano nasceu essa contrafação pós-moderna: o mingau filosófico servido pelo Bruxo da Virgínia e, de modo geral, pela alt-right (direita nacionalista) americana. Paulo talvez não se interesse por esse labirinto ideológico, mas deveria prestar atenção à sua implicação.
...dos mais caricatos gurus. |
Do nacionalismo conservador e autoritário spengleriano nasceu essa contrafação pós-moderna: o mingau filosófico servido pelo Bruxo da Virgínia e, de modo geral, pela alt-right (direita nacionalista) americana. Paulo talvez não se interesse por esse labirinto ideológico, mas deveria prestar atenção à sua implicação.
A alt-right difunde a tese de que os liberais globalistas estão associados aos marxistas numa conspiração mundial contra os povos. Nessa aliança fantasiosa, Paulo figura no primeiro grupo. A revolução de Olavo fuzilaria os liberais junto com os comunistas, se pudesse.
No dia seguinte ao célebre jantar, Bolsonaro prostrou-se aos pés de Trump. Cito, com autorização, a incisão cirúrgica realizada pelo embaixador Marcos Azambuja num debate fechado:
"O produto que Bolsonaro tentou vender não tem demanda na Casa Branca. Trump despreza os que o bajulam; ele gosta de Putin e Kim Jong-un, que o confrontam".
Acrescento: a revolução de Olavo é uma ideia fora de lugar, a importação de um discurso populista estranho aos dilemas brasileiros.
A segunda resposta: a revolução de Olavo é uma revolução permanente, uma guerra sem fim contra moinhos de vento.
O Bruxo da Virgínia precisa conservar seu estatuto de bruxo —ou seja, a condição de guru de uma seita.
O Bruxo da Virgínia precisa conservar seu estatuto de bruxo —ou seja, a condição de guru de uma seita.
A euforia do fã contrasta com o ar entediado do ídolo |
Olavo não é tonto como seus alunos que colonizam o Itamaraty e o MEC. Ele sabe que clama por uma utopia: a volta dos ponteiros da História a uma Idade de Ouro imaginária. Sabe, portanto, que qualquer governo está destinado ao fracasso, se a medida do sucesso for a régua maximalista da sua utopia.
O líder que não pretende ser desmascarado pela inevitável falência de sua revolução precisa identificar e denunciar, previamente, os traidores da causa. Daí, o recurso à revolução permanente: o líder dispara contra a revolução que inspirou.
A consequência da revolução permanente é a perene ingovernabilidade. Sacudido por crônicas guerras intestinas, o governo carece da coesão, da autoridade e da força persuasiva para formar maiorias parlamentares sólidas. O projeto da reforma previdenciária, ato inaugural da revolução de Paulo, corre o risco de ser tragado no vórtice da revolução de Olavo.
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