domingo, 27 de janeiro de 2019

PORQUE NÃO DEVEMOS GOVERNAR, NEM ALMEJAR O PODER (6ª parte)

(continuação deste post)
g) a crise ecológica nas suas duas dimensões, a terrestre e a atmosférica por uma infeliz coincidência, eu já começava e escrever este capítulo quando chegaram as notícias sobre a impressionante ruptura da barragem mineralógica da empresa Vale S/A (ex-Cia. Vale do Rio Doce), em Brumadinho, MG, causando o assassinato de pelo menos 37 trabalhadores e populares, atingidos por mais esta tragédia anunciada.

Prevê-se que o total de óbitos ultrapassará a casa de 100 e é certo que os danos ambientais se prolongarão por muito tempo, até que a natureza restaure o status quo ante, corrigindo os estragos causados pela insensatez dos homens. 

Apenas três anos após outra tragédia do mesmo naipe, ocorrida em Mariana, MG (cidade de nascimento do meu pai, e que para mim é particularmente cara), ter vitimado 19 pessoas e arruinado a vida de milhares de outras, vemos se repetir esse fenômeno devastador.

Sob o primado da ganância capitalista, as tragédias ecológicas com custos humanos acentuados ocorrem sob as mais variadas formas.

O que dizer do lixo despejado nos oceanos, vitimando um sem-número de espécies marinhas?  

O que dizer da poluição da baía de Guanabara, a apodrecer a sua deslumbrante beleza? 

O que dizer da redução do rio Tietê (que corta a cidade de São Paulo, a maior metrópole brasileira) a um esgoto a céu aberto, como estivesse a testemunhar a irracionalidade de um modo de relação social suicida? 

O que dizer do desmatamento irracional da Amazônia, com todas as consequências climáticas para o Brasil e o mundo?

O que dizer da suicida continuidade da emissão de gás carbônico pela queima de combustível fóssil em milhões de veículos, quando possuímos tecnologias suficientemente desenvolvidas para a produção de energias limpas que poderiam servir-lhe de alternativa?

O que dizer dos lixões a céu aberto na quase totalidade das metrópoles brasileiras, danificando o lençol freático e expondo a miséria social dos catadores que disputam com os urubus as suas sobrevivências?

O que dizer do uso de agrotóxicos nos alimentos, priorizando uma maior produtividade e ignorando o câncer que pode provocar nos organismos dos consumidores? 
Seriam milhares os exemplos de agressões ecológicas a serem citados. Enquanto isto, elegemos um presidente que claramente minimiza as agressões ambientais em favor do liberalismo econômico de mercado (sua afirmação de que o Ibama multa demais, perseguindo produtores, foi emblemática neste sentido).  

O que está na base desse comportamento irracional é a obediência cega ao fetichismo da mercadoria. Tornamo-nos reféns de uma lógica de relação social predatória que, atingido o seu limite de expansão em razão das próprias contradições internas que apontam para a necessidade de sua superação, ao invés de refletir conscientemente sobre a sua própria natureza, prefere negá-la como Calibã ao reconhecer sua imagem no espelho.

Será que esse quadro dantesco da crise ecológica é culpa do pensamento anticapitalista e dos movimentos que defendem a convivência harmoniosa com as diferenças de gênero, de opções sexuais e comportamentais?
Que a culpa é da falta de patriotismo? 

Que a culpa é dos comunistas comedores de criancinhas, que querem substituir a cor da bandeira brasileira? 

Chega de burrice, hipocrisia e insensatez! 

O que acontece com todas as tragédias ecológicas brasileiras e mundiais é que o capital, à medida que mais e mais se acentua a impossibilidade da sua reprodução aumentada (no seu caso, um imperativo de sobrevivência), não hesita em lançar mão de todos e quaisquer mecanismos de redução de custos de produção, ainda que causando a morte de seres humanos.

Esse é o leitmotiv do comportamento abominável das mineradoras que provocaram os dois últimos acidentes ecológicos devastadores.  

As discussões midiáticas sobre medidas legais cíveis e criminais,   bem como sobre providências administrativas e possíveis iniciativas políticas, são insubsistentes e fora de foco, justamente por não terem (nem poderem ter, em função dos compromissos das autoridades com o capital, grande vilão da história) a possibilidade de colocar o dedo na ferida.

A correta manutenção de barragens, quer estejam em atividade ou desativadas, representa prejuízos ou redução de lucros das empresas mineradoras, cujo objetivo primordial não é produzir mercadorias para a satisfação de necessidades de consumo, mas apenas utilizar tais necessidades para a realização dos seus lucros. 

Tanto faz produzir remédios que salvam, como produzir bombas que matam, o objetivo é o mesmo: a vital reprodução aumentada do capital pela extração de mais-valia e do lucro.

As pesadas despesas em dinheiro (valor) de manutenção das barragens equivalem a prejuízos, dentro da lógica capitalista. Para tal lógica reificada, abstrata, meramente numérica, vidas humanas são nada e o lucro é tudo.           

Por último vem a crise do aquecimento global provocada pela emissão de gases que provocam o efeito-estufa, impedindo que os raios solares refletidos desde a superfície da terra se espalhem na amplidão do universo. 

Essa constatação é científica, pouco importando os questionamentos (decorrentes da ignorância ou da ganância) de palpiteiros de direita ou de esquerda que ora estejam no poder político, igualmente submissos à lógica destrutiva e autodestrutiva do capital.

O aumento da temperatura planetária tem causado variações climáticas que promovem:
  • desertificação;
  • aumento do nível do mar ameaçando populações à beira-mar e de ilhas; 
  • problemas como o aumento da fome no mundo;
  • incêndios e invernos anormalmente rigorosos;
  • morte de corais; calor insuportável, 
  • e tantos outros transtornos para a vida animal e vegetal.   
Por trás de tudo isso está uma lógica insana e insensível à vida. 

O capital, embute por trás do brilho feérico das grandes metrópoles e da opulência dos reduzidos segmentos bem aquinhoados da população, uma compulsão macabra para a morte. 

O capital é assassino, e a crise ecológica é a resultante não seletiva de sua ação destrutiva. Que o digam as vítimas da catástrofe de Brumadinho, a quem transmito meus sentimentos de profundo pesar. (por Dalton Rosado) 
(continua neste post)

2 comentários:

Vandeco disse...

Aconteceu em Brumadinho o que pode acontecer em outros lugares do Brasil. Tudo aqui é "meia boca", até a privatização da Vale do Rio Doce. A VALE é tida como privada mas quem manda nela é o governo. O governo é que coloca o presidente e muita gente lá. Dá para imaginar quantas? Dilma expulsou o saudoso Roger Agnelli da Vale. Ou seja, a culpa é do governo e não da iniciativa privada. Fim de papo!

celsolungaretti disse...

Caro Vandeco,

há culpas diretas, componentes do chamado dolo eventual, praticado por quem assume o risco do crime, personalizadas nos dirigentes atuais da Vale, e há culpas indiretas, corporificadas na subjetividade de um comportamento mais genérico, das autoridades. É o que o direito penal chama de autoria intelectual do crime com suas variações de grau de culpa.

No artigo estabelecemos uma conexão do desastre de Brumadinho com aquele de Mariana, que têm a mesma autoria intelectual genérica: a necessidade do lucro capitalista a qualquer custo (seja estatal ou privado), que é insensível à vida humana, e apenas faz uso das necessidades de consumo desta última para realizar o seu desiderato abstrato e criminoso: o lucro.

Nesse sentido, os governantes, todos, que são partícipes como dirigentes de uma ordem institucional que dá sustentação a essa lógica capitalista, são criminosos culposos. Não se podem transferir responsabilidades subjetivas.

Grato pela constante leitura, Dalton Rosado.

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