terça-feira, 29 de janeiro de 2019

PORQUE NÃO DEVEMOS GOVERNAR, NEM ALMEJAR O PODER (final)

(continuação deste post)
h) o aumento da fome no mundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, de insuspeita vinculação com a ordem econômica mundial (menos para o Olavo de Carvalho, que em tudo vê infiltração comunista; e para o ministro da Economia Paulo Guedes, segundo quem o capitalismo cumpre o papel de redentor da humanidade), informa estar aumentando a fome no planeta.

Os dados da FAO dão conta de que o número de famélicos do mundo subiu de 815 milhões em 2016 para 821 milhões em 2017, devendo aumentar mais ainda para 2018. O Fundo Monetário Internacional prevê uma redução do PIB mundial para 2019, e isto significa ainda mais fome nas regiões pobres que predominam mundo afora.

Para os ricos sobram preocupações com a falência sistêmica que atinge os seus negócios, mas eles estão longe de sofrerem as agruras da fome; para um trabalhador que sofre as consequências do desemprego estrutural, o problema se restringe a um prato de comida que lhe adie a morte e dos seus filhos por mais um dia. 

Nos 20 países da América Latina existem cerca de 40 milhões de subalimentados, número equivalente à população inteira do Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai. Não é pouca coisa.

Segundo o último Relatório da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo da FAO, em 2107 uma em cada nove pessoas no planeta foi vítima da fome. Um absurdo se considerarmos todo o saber adquirido pela humanidade.

Apesar de o aumento da fome mundial ser geralmente atribuído a variações do clima e ocorrências naturais extremas como secas e enchentes causadas pela crise ecológica, não há como deixarmos de considerar que todos esses fenômenos contributivos para a fome têm uma causa comum: uma lógica de relação social insensível às necessidades de consumo humanas e que delas apenas faz uso utilitário para a satisfação do interesse do lucro, que chegou ao seu limite de capacidade de realização. 

A busca desesperada do lucro passou a ser criminosamente predatória. Cessado o interesse ou possibilidade de realização do lucro a lógica do capital abandona à própria sorte a produção de gêneros de primeira necessidade como os alimentos. Somente em regiões vocacionadas para a grande produção alimentar em escala é que o capital ainda atua na produção dessas mercadorias. 

Paradoxalmente, a desnutrição encontra um contraponto oposto num fenômeno que tem a mesma base: a obesidade crescente. Segundo a FAO, um em cada quatro habitantes da América Latina apresenta problemas de obesidade. 

Isto poderia dar a falsa impressão do aumento da capacidade de consumo alimentar, mas é justamente o contrário. As populações mais pobres estão condicionadas ao consumo de alimentos mais baratos que causam obesidade, como os derivados do trigo (que, por sua grande capacidade de produção, são mais baratos e acessíveis à aquisição). 

Além disto, os produtos industrializados com o uso de produtos químicos nocivos à saúde e de baixo teor de proteínas são os mais consumidos por custarem menos, o que acarreta doenças inseridas no fenômeno da obesidade infantil (principalmente) e adulta.

Até na questão alimentar se observa a interferência nefasta da irracionalidade de uma lógica de relação social que é insensível à vida humana. 
.
i) o processo migratório mundial – em nenhum momento da existência humana houve um movimento migratório como o que ocorre atualmente.

Segundo a Organização das Nações Unidas, cerca de 258 milhões de pessoas (3,4% da população mundial) emigra dos seus países em busca de novos horizontes de vida. Só em 2018, mais de 3.300 pessoas morreram nas rotas migratórias do mar mediterrâneo.

Os migrantes são, em sua maioria, originários da África, da Ásia e da América Latina, dirigindo-se às mecas do capitalismo: União Europeia e os Estados Unidos, predominantemente, e também para alguns países ditos emergentes, como o Brasil).  

Disto podemos extrair algumas conclusões sobre o significado da ordem capitalista one world:
 não consegue promover um crescimento linear;
— os países pobres e periféricos não conseguem sobreviver com seus baixos padrões de produtividade de mercadorias;
— os países pobres não conseguem pagar os pesados juros de suas dívidas públicas e privadas;
— a miséria social instalada leva à instalação de governos despóticos militarizados e movimentos fundamentalistas religiosos de escravização dos fiéis, tornando insuportável a vida de grande parte da população;
— a intolerância de sua ordem econômica mundial ergue muros, barreiras e campos de concentração como forma de proteção das ilhas de prosperidade que já estão em processo de deterioração da qualidade de vida.

O mundo repete o que ocorre nas cidades cindidas em bairros ricos e cinturões de pobreza, separados por muralhas, cercas elétricas, guardas armados, sistemas de vídeos e outros sistemas de proteção que uns poucos utilizam para isolar-se da maioria, chocantes testemunhos da segregação social e seus efeitos deletérios de desumanidade e violência urbana.
Por que então, dar sustentação à ordem capitalista, que está a promover um retrocesso civilizatório bárbaro após percorrer um itinerário de sangue na sua mais recente história de implantação? 

Recentemente, 164 países assinaram um pacto mundial para a migração, num encontro ocorrido em Marrakesh, no norte da África, cujo objetivos formais foram, dentre outros:   
— minimizar os fatores adversos e os fatores estruturais que obrigam as pessoas a deixarem seus países de origem;
— assegurar que todos os migrantes tenham prova de identidade legal e documentação adequada;
— aumentar a disponibilidade e a flexibilidade dos caminhos para a migração regular;
— facilitar o recrutamento justo e ético, bem como criar condições que garantam um trabalho decente;
— abordar e reduzir vulnerabilidades na migração;
— salvar vidas e estabelecer esforços internacionais coordenados quando houver migrantes desaparecidos;
— reforçar a resposta transnacional ao contrabando de migrantes;
— usar a detenção de migração apenas como último recurso e buscar alternativas;
— capacitar os migrantes e as sociedades para a plena inclusão e coesão social;
— eliminar todas as formas de discriminação; 
—investir no desenvolvimento de competências; 
— promover uma transferência de remessas mais rápida, segura e mais barata, bem como a inclusão financeira dos migrantes;
— cooperar para facilitar o regresso e a readmissão seguros e dignos, bem como reintegração sustentável;
— fortalecer a cooperação internacional e as parcerias globais para garantir a segurança, ordenação e migração regular. 

Mas as boas intenções expressas no pacto migratório do qual o Brasil foi signatário esbarram (tal qual ocorre na questão ecológica) na obediência cega que desses países à lógica opressora e segregacionista do capitalismo. 

Não é por menos que os Estados Unidos se recusaram a assinar tal protocolo pactual e o novo governo brasileiro, por seu chanceler Ernesto Araújo, já se pronunciou sobre a não participação do Brasil no que ele considera como sendo um globalismo nocivo aos nossos interesses, negando a tradição brasileira de a todos proporcionar bom acolhimento. 

Assim concluímos essa série na qual afirmamos os porquês pelos quais não devemos governar e nem almejar o poder, justamente porque tanto o Estado como a ordem capitalista guiada pelo fetichismo da mercadoria num estágio de implosão de sua própria forma e conteúdo de relação social, representam, conjuntamente, o oposto daquilo que é necessário para promovermos a emancipação da humanidade.

Somente com a indignação e a ação consciente e majoritária da população mundial, num movimento que reconheça a necessidade inadiável de estabelecermos um novo modo de produção livre das amarras do fetichismo da mercadoria.  

Um modo de produção que seja equânime, ecologicamente sustentável e comodamente prazeroso (graças à participação de todos no processo produtivo social) é que vamos nos redimir da nossa irracionalidade e atingirmos o estágio superior das nossas existências. (por Dalton Rosado) 

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