sábado, 26 de janeiro de 2019

PORQUE NÃO DEVEMOS GOVERNAR, NEM ALMEJAR O PODER (5ª parte)

(continuação deste post)
c) a criação permanente de bolhas financeiras – é importante estabelecermos, em primeiro lugar, a diferença entre valor e preço das mercadorias, conceitos estabelecidos e esclarecidos por Karl Marx em contraponto aos economistas clássicos de então, que não os diferenciavam.  

Valor decorre dos custos de produção coagulados na mercadoria; e dentre estes, o mais importante é a quantidade de valor necessário de trabalho abstrato (o quantum de remuneração por tempo de trabalho ao trabalhador). Preço decorre da relação das trocas de mercadorias (compra e venda) no mercado.

Uma mercadoria pode ter um valor determinado (média dos custos de produção) e um preço a maior ou a menor dependendo das flutuações de mercado. Se, por qualquer motivo, uma determinada mercadoria se torna escassa, a lei da oferta e da procura pode estabelecer um preço muito além do que seria razoável em termos do seu valor intrínseco.

Já se houver grande oferta de uma mesma mercadoria, isto pode resultar numa queda de preço, que representará prejuízos para o seu produtor. 
Contudo, sejam quais forem as flutuações de mercado, o valor de uma mercadoria (diferentemente do seu preço) é sempre estabelecido pelo quantum de trabalho abstrato nela coagulado, incorporado. 

A riqueza abstrata (dinheiro e mercadorias, expressões materializadas do valor) é, portanto, sempre um quantitativo de trabalho abstrato nela coagulada, incorporada, e apropriada por quem a detém. Daí dizer-se que toda grande riqueza expressa em valor não passa de uma montanha de apropriação indébita de muitos trabalhos abstratos nela incorporados.

A partir da diferenciação entre valor das mercadorias (conteúdo intrínseco dos seus custos de produção) e preço destas, que corresponde à sua aceitação no mercado em face da oferta e da procura, pode-se concluir que, quando há uma procura especulativa de uma determinada mercadoria motivada por uma capacidade de consumo induzida pela oferta de crédito fácil, deve ocorrer uma alta dos seus preços fora da normalidade, que mais cedo ou mais tarde evidenciar-se-á como insubsistente.

Como o capital hoje necessita desesperadamente de reproduzir a si próprio cumulativamente, sem que tal necessidade encontre ressonância no mercado, a oferta de crédito sem critério de garantia de retorno do capital financiado para a compra de mercadorias passa a ser um mecanismo usual, mas absolutamente inconsistente. 

Isto sucedeu na crise do subprime de 2008 nos Estados Unidos pela via da oferta de créditos imobiliários fáceis, criando uma bolha financeira que levou à estratosfera o valor dos imóveis. Tal relação custo/benefício, contudo, somente durou até o momento em que começou a haver inadimplência dos créditos concedidos pelo sistema financeiro.

Acabou caindo para este último a ficha de que as suas garantias hipotecárias sobre os financiamentos concedidos não encontravam respaldo de venda no mercado, provocando um típico movimento especulativo de queda vertiginosa dos preços dos imóveis. Os bancos envolvidos foram à bancarrota. 

Foi o que aconteceu inicialmente com o Lehman Brothers, Fannie Mae, Freddie Mac; outros grandes bancos vieram em seguida, tendo o efeito em cascata tornado necessário que o FED e o Banco Central da União Europeia emitissem moedas sem lastro (calculadas em US$ 2 trilhões) para cobrir o déficit bancário, sob pena de haver um colapso de todo o sistema financeiro de crédito mundial. 

A febre foi então controlada, mas a infecção continuou viva no organismo financeiro. Este foi apenas o primeiro sintoma do que vai ocorrer quando estourar a bolha das bolhas: as dívidas públicas e privadas mundiais.

A China vai pelo mesmíssimo caminho e deveremos assistir a um impasse colossal quando os imóveis chineses (que têm preços absurdamente caros em Beijing, graças aos financiamentos de crédito fácil e dissociados da realidade econômica dos adquirentes) se evidenciarem como insolváveis. Já existem na China cidades-fantasmas cujas casas não encontram compradores ou estão desocupadas porque as adquirentes não conseguiram honrar os compromissos assumidos.

O capital industrial sem correspondência de valor válido na vida mercantil está provocando inúmeras bolhas especulativas, grandes e pequenas, de preços das mercadorias (sem correspondência de valor intrínseco). 
Tal fenômeno demonstra de forma cabal a irracionalidade de um modo de produção que perdeu completamente o senso de realidade.   

c) a hipossuficiência da política – neste artigo de 2017, já expusemos vários argumentos que comprovam a hipossuficiência da política diante das ordens ditatoriais, fetichistas, reificadas que recebe da economia.   

A política, enquanto canal de legitimação do acesso ao poder do Estado (sob as mais variadas formas), se insere dentro das funções de serviçais de uma ordem de relação social que tem por base a forma-valor e toda a sua dinâmica, dela retirando o seu sustento numa dependência que lhe retira a soberania de vontade.

A esquerda não compreende (ou compreende mas age por oportunismo inconsequente, o que é pior) que a política está inserida dentro de uma lógica preestabelecida; quando dela se participa, tem-se de obrigatoriamente seguir os seus ditames absolutistas.

A primeira imposição a que um político de esquerda deve submeter-se, quando assume um cargo eletivo, é jurar respeito à Constituição burguesa, que não passa do estatuto legal básico do capital. Nela estão insculpidas as cláusulas pétreas da ordem capitalista, que não podem ser transgredidas por dentro da sua institucionalidade opressora. 

O viés ideológico capitalista prevalece nos parlamentos do mundo inteiro (aliás, Boçalnaro, o ignaro mente quando diz que governará sem viés ideológico, já que este existe e transparece nas suas decisões: liberal na economia e conservador de direita na política). 
Cadê a nova classe média que estava aqui? A recessão comeu!

Então um parlamentar esquerdista, ao invés de fazer oposição eficaz, somente vai estar legitimando aquela instância de poder legiferante com sua participação, pois não terá como negar aquilo de que aceitou fazer parte. 

Pior ainda é a assunção aos cargos executivos cuja função primordial é fazer o controle estatal financeiro da regulação capitalista. No poder, os esquerdistas veem-se obrigados a equilibrar as contas públicas cada vez mais precarizadas, assumindo uma função equivocada de bombeiros heroicos do incêndio capitalista.

Também é simplista a alegação de que a esquerda no poder propicia uma sensibilidade social benéfica para os coitadezas do capital. As melhoras obtidas são sempre temporárias, acompanhando os ciclos de expansão e retração da economia capitalista (sendo que agora as fases de vacas magras tendem a predominar cada vez mais) e a esquerda que embarca em tal canoa furada sofre desgaste de imagem, por inspirar ilusões que se dissipam adiante, como as parcas melhoras da era Lula, todas já anuladas ou em vias de o serem. 

Estamos chegando a um ponto de saturação da lógica capitalista. Cabe-nos deixar aos interessados em salvar o capitalismo (ou seja, ao segmento político serviçal do capital) o mico de arcarem com os pesados ônus da administração do que é inadministrável.

Que os Paulos Guedes da vida vendam à vontade as empresas estatais (as quais nunca foram dos brasileiros, quer seja pela natureza do Estado, quer seja pela lógica autotélica de reprodução do capital) e que adiante, por não terem sido erradicadas as causas primárias da debacle capitalista, os problemas voltem qual fantasmas redivivos. 

A nós compete denunciarmos as razões pelas quais a população sofre as agruras de um modo de produção que atingiu o seu limite de expansão e clama pela própria superação.

O nosso itinerário de atuação não passa por dentro da institucionalidade burguesa, mas pela denúncia da sua ineficácia, pari passu à luta pela implantação de um novo modo de produção social, por mais árdua e incompreendido que seja tal desiderato. (por Dalton Rosado) 
(continua neste post)

Um comentário:

Anônimo disse...

***

G.E.E.L.E. = Global Economics Extinction Level Event.

O capital especulativo ciclicamente se incinera nas conhecidas explosões de bolhas de crédito, porém, agora, o nível de loucura foi a extremos que o que se espera a destruição de todo sistema financeiro global, o G.E.E.L.E..
A explosão da bolha das bolhas.

Bem vindo a time dos bolhistas, Dalton.

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