terça-feira, 22 de janeiro de 2019

PORQUE NÃO DEVEMOS GOVERNAR, NEM ALMEJAR O PODER (3ª parte)

(continuação deste post)
c) a concentração da riqueza – organismos de insuspeita credibilidade estatística, como o ONG inglesa Oxfam, demonstram que apenas 1% da população mundial detém 82% de toda a riqueza abstrata planetária.

No Brasil apenas cinco (!) bilionários detêm metade (!) de toda a riqueza brasileira. São eles Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann Telles, todos da 3G Capital; Eduardo Saverin (Facebook) e Joseph Safra (Banco Safra).

Já um trabalhador de salário-mínimo levaria 19 anos para ganhar o que ganha um super-rico em apenas um mês; mais de três anos para ganhar o que um juiz ganha em um mês; e cerca de 10 anos para ganhar o que um deputado federal ganha em um mês.

Ainda segundo a Oxfam, a concentração de riqueza é também seletiva com relação ao gênero, pois 90% dos bilionários são homens e apenas 10%, mulheres. A ensaísta alemã Roswhita Scholz acertou em cheio ao dizer que o capital é branco, ocidental e masculino. 

Tende a concentrar-se nas mãos de quem sai vitorioso na fratricida guerra concorrencial de mercado, sendo monopolista por sua natureza autotélica. Daí periodicamente ocorrerem fusões empresariais, como a anunciada pela Ford Company, que acaba de se aliar à Volkswagen para reduzir custos de produção tecnológica de seus veículos (que dispensa mão-de-obra) e se manter competitiva no mercado.

Muitos pensadores (inclusive o famoso Thomas Piketty) defendem uma taxação das grandes fortunas para se corrigir o que consideram uma anomalia capitalista. É uma ilusão pueril. 

O capital está concentrado substancialmente nas empresas detentoras dos meios de produção, que são obrigadas ao reinvestimento constante dos seus lucros sob pena de ficarem para trás na guerra concorrencial. O que não impede os seus controladores empresariais, proprietários ou altos executivos, de desfrutarem parte dessa riqueza.  

Acaso fossem taxados os seus lucros e patrimônio numa proporção elevada elas entrariam em colapso, e com isto toda a lógica do capital. Nem mesmo as empresas pertencentes ao capitalismo de Estado marxista-leninista (que estatizou tudo, ao invés de abocanhar apenas parte dos lucros empresariais privados) puderam fazer a distribuição da riqueza produzida no chamado Estado proletário, justamente por este mesmo critério funcional da lógica capitalista.

O capital tem uma lógica autotélica que se alimenta do próprio recurso que cria e sem o qual não sobrevive, mas isto somente até o ponto de saturação da própria lógica de reprodução, que agora começa a ser atingido em razão do limite representado pelo diferencial entre capacidade de consumo (que delimita a compra e venda de mercadorias no mercado) a menor e a necessidade de reprodução do capital a maior.   

Os trabalhadores das empresas estatais do Estado marxista tradicional entenderam, com o passar do tempo, que jamais receberiam integralmente o valor que produziam com seus esforços remunerados em valor e sob os quais se extraiam mais-valia como anteriormente; sentiram na prática que as empresas estatais não lhes pertenciam, mas a um Estado burocrático, elitista, opressor, submisso à lógica reificada e fetichista do capital. 
A China, meio século após a Grande Revolução Cultural. Nada restou
Daí para o capitalismo liberal (que é mais dinâmico, mas não menos nocivo), foi um passo. E chegou-se à internacionalização mercantil, sem nenhum tiro, mas com manipulação política eleitoral ou ditatorial. Hoje, um dos maiores defensores do livre mercado é justamente a China dita comunista, e graças à produção de mercadorias que precisa vender.   

Quem melhor explicou a dinâmica dessa questão foi Karl Marx (esotérico), ao formular a teoria da queda tendencial da taxa de lucro provocada pela constante necessidade de maior investimento em capital fixo, cuja rotação de remuneração do capital investido é mais lenta do que a rotação do capital variável, bem como pela suicida discrepância entre capital necessário (salários para sobrevivência do trabalhador) e capital excedente (saldo na extração de mais-valia que produz o lucro empresarial).

A necessidade de maior investimento de capitais em máquinas, equipamentos, pesquisas e instalações, implica uma corrida tecnológica de aumento da produtividade per capita do trabalhador para que a produção de mercadorias tenha seus custos reduzidos por cada unidade de produção e, assim, saia vencedora na guerra de mercado. 
Fausto dos ricos e famosos cria ilusão de prosperidade geral

Portanto, ao mesmo tempo em que necessita obter lucro para o reinvestimento de capitais, elimina, como efeito colateral, postos de trabalho (como vimos no primeiro artigo desta série, ao enfocarmos o desemprego estrutural) que são os únicos produtores de valor válido.

A concentração de riqueza corresponde, então, a uma contradição doentia e inevitável da lógica capitalista, que somente poderá ser removida com a sua própria superação e substituição por um modo de produção direto, natural, sem os malabarismos que visam a uma apropriação indébita pelo capital da riqueza socialmente produzida.      

A riqueza social concentrada não apenas causa a ilusão de prosperidade social geral (uma vez que a exibição do faustoso é sempre mais charmosa do que a visão da miséria social que lhe é circundante), mas provoca uma compulsão a se imitar os que são vitoriosos na guerra da obtenção da riqueza, sem a compreensão de que os poucos ricos são muito ricos na inversa proporção dos muitos pobres que são muito pobres.  

Como já comentamos ao abordarmos a dívida pública neste artigo anterior, o Estado é hoje o paraíso dos rentistas. Grande parte dos ricos do mundo vive hoje dos juros de suas aplicações financeiras junto ao sistema de crédito, o qual, por sua vez, repassa esses valores para a compra de títulos públicos de Estados falidos, ganhando sem nenhum risco a diferença em valor que chamam de spread financeiro.
Assim, incidem sobre a dívida pública, principalmente aquela dos países periféricos do capitalismo, pesados juros que são pagos pelo Estado a esses rentistas, impossibilitando a aplicações dos recursos arrecadados com a cobrança de impostos em demandas públicas para o conjunto da sociedade. 

Entretanto, quando o Estado se declarar insolvente até dos juros da dívida, vai evidenciar-se a incapacidade de solvência da gigantesca e crescente dívida pública e privada, com a decretação da quebra do sistema bancário mundial e a consequente falência dos rentistas. 

Tudo converge para uma concentração da riqueza roubada de quem tudo sustenta a partir de parcos salários num processo que tem data marcada para entrar em colapso. Os ricos são ricos porque acumularam dinheiro apropriado do trabalhador; o trabalhador é pobre porque tem o ônus de todo o custo do capitalismo sob seus ombros. Mas, isto não pode durar para sempre.  

Um comentarista deste blog, defensor do capitalismo, afirmou que o comunismo ergue muro para evitar que os seus moradores saiam e o capitalismo, para impedir que os comunistas entrem. Na sua cabeça alguns países são capitalistas (só os poucos ricos) e outros, não. 

Primeiro, vale lembrar que nenhum sofridos imigrantes dos dias atuais vivem ou viveram sob uma sociedade que não tenha como fundamento de relação social as categoriais capitalistas. O capitalismo é hoje one world

O mundo jamais teve uma sociedade comunista, que apenas começaria a existir com a riqueza material (não a abstrata que seria abolida) produzida sendo partilhada de forma equânime e livre do fetichismo da forma-valor. 

Segundo, os moradores das ilhas de prosperidade bem sucedidas na guerra capitalista, na qual somente alguns se beneficiam em detrimento da maioria, jamais quereriam dividir o butim do seu saque. 

Os ricos se isolam dentro dos seus muros e grades de proteção porque se sentem ameaçados pelas vítimas de tal lógica segregacionista e injusta, por eles considerada como regra social legitimamente convencionada (e pretensamente pacificada e justa) num jogo estabelecido e aceito, do qual saíram ganhadores.

A insustentável concentração da riqueza abstrata é uma das evidências da contradição que lhe é inerente e da monstruosidade ética e moralmente abominável da relação social sobre a égide do capital. (por Dalton Rosado) 
(continua neste post)

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