sábado, 19 de janeiro de 2019

NÃO PODEMOS APOIAR ESTADOS POLICIAIS, NEM NOS OMITIR DIANTE DE TORTURAS: OS DITADORES SÃO DITADORES SÃO DITADORES

demétrio magnoli
GLEISI, FALEMOS SOBRE ARIANA
Na posse de Nicolás Maduro para um segundo mandato, compareceram apenas os líderes de Cuba, da Nicarágua, da Bolívia, de El Salvador e de micro-Estados caribenhos. 

Mas Gleisi Hoffmann esteve em Caracas para prestar solidariedade ao povo venezuelano, na senha ritual petista que significa, de fato, solidariedade à ditadura chavista.

A presidente do PT não se encontrou com Ariana Granadillo (foto acima), sobre a qual possivelmente nada sabe. Sugiro-lhe uma rápida pesquisa no site do Foro Penal, organização independente venezuelana dedicada à defesa dos presos e perseguidos políticos no país. A história da jovem talvez propicie-lhe uma revisão de consciência.

Ariana tem 21 anos, estuda medicina e mora com um parente em Caracas, onde faz residência num hospital. Para seu azar, o parente é um oficial militar investigado sob a acusação de conspiração. 

No último ano, ela foi presa três vezes, em fevereiro, maio e junho, sem qualquer ordem judicial. Na primeira, olhos vendados, sofreu maus-tratos durante dois dias, em interrogatórios nos quais indagavam-lhe sobre o paradeiro do proprietário da casa. 
Gleisi na posse, dando munição aos propagandistas do Bolsonaro

Na segunda, foi detida com seus pais, no estado de Miranda, e permaneceu incomunicável por uma semana. Submetida a tortura, inclusive asfixia temporária, reiterou que não tinha notícia do parente militar e acabou liberada sem acusações.

Finalmente, na última, policiais a retiraram de um ônibus e ela foi encaminhada a uma prisão, até ser transferida para o quartel-general da inteligência militar em Caracas. 

Em julho, perante um tribunal militar, ouviu a acusação de instigação de rebelião, por manter conversas telefônicas com a mulher do oficial militar e ter recebido dinheiro dela. 

Ariana confirmou os contatos com a dona da casa onde reside e explicou que só recebeu valores relativos aos gastos com os cachorros do casal. Liberada condicionalmente, ela não pode deixar o país e deve apresentar-se a um oficial de justiça a cada oito dias.

A estudante não é caso isolado. Num relatório publicado há pouco, o Foro Penal e a Human Rights Watch analisaram os casos de 32 familiares de militares acusados de rebelião que experimentaram prisões arbitrárias e sevícias. 

As vítimas sofrem espancamentos, choques elétricos, asfixia, cortes de lâminas nos pés e privação de alimentos. 
Ariana também sofreu afogamento simulado 
Vários desses civis são processados em tribunais militares por traição e instigação à rebelião, por se recusarem a prestar informações sobre o paradeiro de seus parentes.

Os abusos policiais registrados no relatório seguem um padrão geral estabelecido desde 2014, amplamente descrito em investigações conduzidas por representantes de direitos humanos da ONU, da OEA e de organizações da sociedade civil. 

A ditadura de esquerda opera com métodos similares aos da ditadura militar brasileira celebrada por Jair Bolsonaro. Até mesmo o termo revolução aproxima os dois regimes, com a exclusiva diferença do sinal ideológico que se atribui a ele. 

“Deixar de ir seria covardia, concessão à direita”, justificou-se Gleisi num tuíte, empregando uma palavra que deveria evitar. Os covardes são os chefes do regime cívico-militar que prende e tortura. 

Covardia é festejar com eles, ignorando suas vítimas. A covardia estende-se aos dirigentes do PT, inclusive Fernando Haddad, que deram amparo à viagem, e à miríade de figuras públicas de esquerda ligados ao partido, cujo silêncio pétreo acompanhou o périplo de Gleisi. O triste espetáculo desenrola um fio lógico de longo alcance.

Gleisi, falemos sobre Ariana. Quando aplaude Maduro, você aplaude Médici e Geisel. Quando ignora as torturas deles, ignora retrospectivamente também as nossas.

Quando presta solidariedade à ditadura de lá, perde o direito moral de denunciar a ditadura de cá. No lugar de Bolsonaro, eu pagaria sua passagem a Caracas. 
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(por Demétrio Magnoli)

5 comentários:

Hugo Rafael Chávez Frias disse...

Pensei que estava lendo um artigo da Folha ou do Globo. "Esquerda" que reproduz discurso propagandista da direita imperialista e golpista não é esquerda. Pra completar ainda utiliza a narrativa de ONGs made in USA para demonizar o governo venezuelano.

celsolungaretti disse...

Não, você está lendo um artigo de quem é revolucionário há mais de meio século, teve sangue derramado e sofreu lesão permanente na sala de torturas, mas nunca desistiu da verdadeira revolução: aquela que concretize os ideais primordiais da humanidade através dos tempos, a justiça social e a LIBERDADE.

Ao confundir esquerda com essas nomenklaturas despóticas que oprimem seus povos, você afasta as pessoas conscientes dos ideais revolucionários. No mundo de hoje, ninguém quer ter sua cara pisada por uma bota militar.

De que você se queixa, afinal? Tirando a retórica pra boi dormir, o Bolsonaro te dá algo quase igual ao que o Maduro dá aos venezuelanos. Curta a bota na cara e não entre mais em discussões de adultos, pois este não é um blog para fanáticos.

Setti disse...

Belo artigo.

O Estado político atual brasileiro passa longe de algo inconstitucional ou repressor, embora tenhamos um Presidente com uma visão apoiador de tortura, felizmente isso não está mais nas entranhas do Estado, pelo menos eu como advogado não ouço mais reclamações desse tipo, talvez devido a atuação hoje dos tribunais militares.

A Venezuela hoje vive uma ditadura sanguinária, compactuar com isso te torna cúmplice de todas as atrocidades divulgadas, e realmente te tira qualquer legitimidade para criticar Bolsonaro ou outro governo semelhante.

celsolungaretti disse...

No meu comentário anterior, faltaram duas palavras, na linha inicial: "Você está lendo um artigo APROVADO POR quem é revolucionário há mais de meio século...", etc.

Ou seja, o texto não é meu, mas sim do Magnoli. Publiquei-o, contudo, por coincidir com meu ponto de vista, de que governos como o do Maduro comprometem irremediavelmente o prestígio da esquerda junto às pessoas civilizadas.

Temos de parar de defender abominações como o Sadam Hussein, o Gadafi e o Maduro. A amoralidade geopolítica não tem nada a ver com os conceitos marxistas. É mero utilitarismo.

celsolungaretti disse...

Setti,

eu fico pasmo com a mediocridade teórica da esquerda atual. Ignora totalmente as contradições e a dialética. Agora, p. ex., para rechaçar a deposição do Maduro, defende uma besta humana que destruiu uma nação e submeteu seu povo a sofrimentos terríveis.

Quando reaprenderão que se pode criticar a forma como alguém está sendo deposto sem, contudo, endossar seu governo catastrófico? Quando se livrarão desse ranço maniqueísta, deixando de colocar o bem de um lado, o mal do outro e absolutamente nada entre ambos?

Evidentemente, o grande capital está aproveitando a situação para dar um pulo do gato. Mas, qualquer solução real para a crise venezuelana passa mesmo pelo afastamento de Maduro e sua guarda pretoriana.

O que há para se discutir é como isto se dará e o que virá depois. É aí que nos caberia intervir, ao invés de tentarmos salvar quem está caindo de podre, merecidamente.

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