sábado, 22 de dezembro de 2018

O GRANDE MESTRE DO WESTERN ITALIANO E O FILME EM QUE ELE DEU DEMONSTRAÇÃO DE FORÇA: "POR UNS DÓLARES A MAIS".

Eastwood e Van Cleef: primeira dupla de anti-heróis de Leone
Um filmaço está novamente disponível no Youtube, mas não se sabe até quando. Quem aproveitar este período de férias para vê-lo ou revê-lo, não se arrependerá.

Trata-se de Por uns dólares a mais (1965), o primeiro grande filme do mestre Sergio Leone.  Ele lançara o gênero western italiano no ano anterior com Por um punhado de dólares,  transpondo para o velho Oeste uma história de samurais. Muitos cineastas vieram atrás. 

Então, seu novo filme era uma espécie de desafio, a hora de separar o homem dos meninos: tinha de provar que seu estrondoso sucesso inicial não fora apenas um golpe de sorte.

Em Por um punhado de dólares ele introduzira:
— a figura do anti-herói no centro da trama;
— a amoralidade básica dos tipos e das situações;
— a apresentação criativa dos letreiros iniciais, valorizada com vários recursos, inclusive o uso de animação;
— a nova concepção musical que Morricone trouxe para os westerns; e
— um dos personagens mais emblemáticos do bangue-bangue à italiana, o pistoleiro oportunista interpretado por Clint Eastwood.
Volonté depois se destacaria em papéis políticos

Depois, em Por uns dólares a mais, todas essas características foram desenvolvidas e aprimoradas. É um filme muito melhor do que o anterior, mas, paradoxalmente, não apresentou novidades significativas.

A única que vale a pena citar é a colocação de dois personagens em destaque, em vez de um. A partir daí, os filmes de Leone trariam sempre essa dupla de anti-heróis ocupando o espaço do antigo mocinho.

Para encarnar o segundo anti-herói (o primeiro continuou sendo Clint Eastwood, novamente na pele do Estranho Sem Nome), ele escolheu outro ator estadunidense que caiu como uma luva no papel: Lee Van Cleef.

Ao contrário de Eastwood, que não fora muito longe em Hollywood como astro (salvo num seriado de TV), Van Cleef já tinha longa e bem-sucedida carreira... como coadjuvante. Atuara em westerns memoráveis como Matar ou morrerHonra a um homem mauSem lei e sem almaO homem dos olhos friosEstigma da crueldade e O homem que matou o facínora.

Como no caso de Eastwood (e, mais tarde, de James Coburn e Eli Wallach), o olho clínico de Leone detetou em Van Cleef o potencial para voos maiores; e, com seu toque de Midas, elevou a carreira do dito cujo a um patamar bem mais alto, a partir de seus inesquecíveis desempenhos em Por uns dólares a mais e Três homens em conflito
Mesmo como coadjuvante, Klaus Kinski chamava a atenção
[Van Cleef teve muita sorte ao trocar temporariamente Hollywood pela Cinecittà, pois também Sergio Sollima e Tonino Valerii levantaram a bola para ele marcar belos pontos, respectivamente em O dia da desforra e O dia da ira.]

E, se Por um punhado de dólares fora um filme-de-astro-único (Eastwood), Por uns dólares a mais teria, além dele e de Van Cleef, outra grande atração, o vilão genial, psicótico e drogado interpretado por Gian-Maria Volonté. É difícil dizer quem defendeu melhor seu personagem; mas, justiça seja feita a Volonté, coube a ele a composição mais difícil.

Klaus Kinski também está no elenco, só que sem todo o carisma que logo se vislumbraria em Gringo (d. Damiano Damiani, 1966), para irromper com força total em Aguirre, a cólera dos deuses (d. Werner Herzog, 1972).

A história é a de dois caça-prêmios (Eastwood e Van Cleef) que unem forças para uma empreitada complicada, mas muito rentável: capturar/eliminar a quadrilha do Índio (Volonté). Só que a motivação não é apenas mercenária: há uma vingança no final da linha.

6 comentários:

Anônimo disse...

O filme é brilhante mesmo. A cena do dilema mexicano é um dos melhores momentos de suspense da história do cinema.
E fica uma reflexão de como a esquerda se perdeu pelo caminho. Você Celso, esquerdista raiz, revolucionário, duro na queda, aprecia a beleza do filme.
Pergunte para um crítico de cinema da new left, psolista, o que ele acharia? Só veria machismo, estereótipo dos índios, dentre outras bobagens.
A Escola de Frankfurt acabou com a esquerda. Viramos caricatura de tibieza moral.

celsolungaretti disse...

Este filme foi uma espécie de ensaio para o melhor western do Leone e, na minha opinião, de todo o gênero: "Três homens em conflito".

Que também tem momentos antológicos: o feio contando para o bom uma versão falsa de como o irmão padre o recebera, o que ele gostaria que tivesse acontecido em lugar do que acontecera; a orquestra do campo de prisioneiros tocando para abafar os ruídos da tortura; o capitão que se embriagava porque era obrigado a perder homens todo dia tentando tomar uma ponte, quando o que gostaria mesmo era de mandá-la pelos ares; o bom dando o seu charuto para o soldado agonizante, etc.

Nunca vira um filme destinado ao grande público ser tão contundente no repúdio à guerra. E pouquíssimos bangue-bangues haviam me impressionado tanto (só colocaria no mesmo patamar "Matar ou morrer" e "Sem lei e sem alma").

De resto, eu descobri o western italiano quando ainda engatinhava na esquerda. Ao "Por uns dólares a mais" assisti num incrível programa duplo no finado cine Amazonas, no Largo da Vila Prudente, em 1967. O outro filme era "Condenado pela máfia", do Elio Petri.

Naquele tempo não éramos maria-vai-com-as-outras. A opção revolucionária não me tornou nenhum elitista que torcesse o nariz para tudo que não fosse filme de arte.

Descobri, sim, muitos filmes de arte. Mas, continuei assistindo aos meus westerns, até mesmo quando estava na clandestinidade (para manter a minha fachada legal onde morava, eu sempre saía pela manhã numa mesma hora e voltava no fim do dia numa mesma hora; então, quando tinha períodos vazios pela frente, era mais seguro fazer hora num cinema do que ficar andando na rua).

Vai daí que eu seria um dos raros críticos de cinema a avaliar parte dos westerns italianos como uma tentativa de embutir mensagens revolucionárias em filmes destinados ao povão. Foi o que fizeram o Leone, o Sergio Sollima, o Damiano Damiani, o Sergio Corbucci e o Carlo Lizzani, principalmente.

Abs.

Anônimo disse...

Oi Celso, tudo bem?

Aqui é o Hebert.

Tenho a trilogia completa, além de vários títulos citados na crônica
( "vício" herdado de meu Pai aqui ).
Nós sempre discutimo sobre o fato dos mocinhos norte americanos
( mesmo os mais maltrapilhos ), serem um tanto empolados, além de galantes.
Sempre se deu mais ênfase a tal integridade, com certa dose de bom mocismo a eles.
Já os italianos, são os típicos anti heróis, por tanto, me agradam mais, são mais verossímeis as circunstâncias da trama.
Os personagens de Clint, pegam despercebido quem nunca os viu a ponto de se confundirem entre o herói, e o vilão, na trama, são mais autênticos.
Como a visão mafiosa de Coppola, onde o gangster são sempre retratados como devotados
chefes de família, a pesar da violência e brutalidade. Já na visão de scorsese, a família
dos personagens, parece ser mera formalidade. São brutos, sujos, traiçoeiros, bem dentro
da realidade.
Também tenho disponível Meu ódio será sua herança, filme passado milhares de vezes na TV aberta desde os tempos de Super Cine, Seção de Gala, Domingo Maior ( pela Globo ),
mas só me interessei pelo título, na compra de um segundo aparelho de DVD.
A estória passada no já século 20, começo da era do progresso mundial e fim da era dos pistoleiros ( com final memorável ), deixa o espectador absorvido.
Não sei se você é sabedor ou se tem o Telecine Cult, mas tem todas as segundas, sequência de filmes do gênero com nome bem sugestivo, Segunda sem lei.

Forte abraço, boas festas e férias.

Anônimo disse...

Só um adendo: eu me confundi, como sutilmente sugeriu. A cena do dilema mexicano é do filme seguinte.
De resto, concordo integralmente e agradeço pelos seus relatos de vida, sempre saborosos.
Abs

celsolungaretti disse...

Anônimo das 2h48,

estava tentando me lembrar daquilo a que vc poderia estar se referindo. Foi bom vc me avisar. Um abração!

celsolungaretti disse...

Herbert,

nossas sensibilidades são parecidas. Dê uma olhada neste ensaio (https://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2015/01/o-melhor-do-naufrago-era-uma-vez-o.html) que eu escrevi há quase 30 anos e já republiquei várias vezes, sempre dando uma melhorada. Eu também contrastei, p. ex., os mocinhos bem comportados dos bangue-bangues estadunidenses com os anti-heróis italianos.

"Meu ódio será sua herança" foi um western estadunidense bem na linha dos "spaghetti", mas creio que isto se deveu mais às características pessoais do Sam Peckinpah do que a um intuito de imitação. Veja se a versão que vc tem é a normal ou a estendida. Esta última ainda pode ser baixada pela internet.

Vi muito Telecine Cult na década passada e anteriores. Mas, ao longo da atual, limitei-me a garimpar e baixar o que me interessa. Aprendi bem a fazer isso. Várias vezes encontrei downloads estrangeiros, combinei com legendas espanholas (principalmente) e consegui filmes jamais lançados em qualquer mídia no Brasil. Simplesmente escolho o que me atrai no IMDb e vou à caça.

Abs.

Related Posts with Thumbnails