Enquanto não surgem informações mais confiáveis sobre a decisão tomada pelo ministro do STF Luiz Fux que possibilitaria a extradição do escritor italiano Cesare Battisti, quero lembrar os intransponíveis obstáculos legais para que tal ato se concretize – isto, claro, se os preceitos jurídicos ainda estiverem valendo alguma coisa neste Brasil do retrocesso sem fim.
Embora eu já os tenha alinhavado, aproveitarei desta vez o texto do companheiro Carlos Lungarzo (a íntegra está aqui) um pouco mais completo do que o meu:
1. A Lei 13.445 de 2017 (Lei de Migração) proíbe, no artigo 55, expulsar estrangeiro que seja pai de filho brasileiro dependente. Battisti tem um filho que depende dele e está completando cinco anos.
Há numerosos antecedentes da aplicação deste princípio. Desde o célebre Ronald Biggs, o assaltante do trem pagador inglês, até casos recentes de pequenos traficantes de droga.
É verdade que expulsão e extradição não são conceitos totalmente idênticos. Mas, do ponto de vista do art. 55 da Lei 13.445, são equivalentes.
2. A Lei 9784 de 1999 (Lei da Administração) diz, em seu artigo 55, que os atos da administração não podem ser modificados após cinco anos de sua produção.
O ato de recusa da extradição foi publicado por Lula em 31/12/2010. Dentro de alguns dias, tal ato completará oito anos.
Há um truque proposto pela equipe jurídica de Temer, que também está no negócio de Battisti for export: eles dizem que o ato de Lula não foi um ato administrativo, mas um ato de soberania e, portanto, de Estado (sic!).
Mas é óbvio que quase todo ato de um presidente é um ato de soberania. Essa observação é uma banalidade superlativa. Aliás, também é um ato administrativo. Ele dispõe sobre a liberdade e acolhida de uma pessoa no país.
É ato perfeito (se não fosse, não teria sido aprovado pelo STF na sessão de 08/06/2011), o que transforma o caso em coisa julgada e cria direitos. Isto é o artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal.
3. A recusa da extradição não estava baseada apenas na prerrogativa soberana do Lula. Usando este argumento, os bacharéis golpistas dizem que também Temer e Bolsonaro são soberanos.
Sim, eles são soberanos, é evidente. Mas a recusa da extradição está baseada em algo mais específico: no artigo 3º, 1.f do Tratado de Extradição Brasil-Itália.
Sim, eles são soberanos, é evidente. Mas a recusa da extradição está baseada em algo mais específico: no artigo 3º, 1.f do Tratado de Extradição Brasil-Itália.
A cláusula de proteção desse tratado continua sendo imprescindível, e mais que antes. As ameaças contra Battisti na Itália aumentaram de maneira expressiva com o novo governo mafio-fascista. Sua violação seria uma afronta à legislação internacional.
4. A sentença italiana transitou em julgado em 1993. Em 2013 tinham-se completado 20 anos. Este é o período suficiente para a prescrição, pois no Brasil não há prisão perpétua.
5. A extradição de Battisti viola também a Convenção dos Direitos da Criança, de 1989, da qual o Brasil é signatário, nos artigos 3, 7, 8 e 9.
Cabe, ainda, lembrar que nossas leis proíbem a extradição de pessoas que tenham de cumprir, no país demandante, pena igual ou superior à máxima brasileira (30 anos).
Não há, contudo, notícia de que a Itália tenha modificado sua sentença de prisão perpetua para compatibilizá-la com a exigência brasileira. Até isto estará sendo esquecido?
Por último, a notícia mais esclarecedora sobre o caso, neste momento, é a da Ansa Brasil (vide íntegra aqui). Eis os dois trechos importantes:
Não há, contudo, notícia de que a Itália tenha modificado sua sentença de prisão perpetua para compatibilizá-la com a exigência brasileira. Até isto estará sendo esquecido?
Por último, a notícia mais esclarecedora sobre o caso, neste momento, é a da Ansa Brasil (vide íntegra aqui). Eis os dois trechos importantes:
"A expectativa era de que Fux levasse o caso para julgamento em plenário, mas ele acabou tomando a decisão monocraticamente. Por conta disso, a defesa ainda pode recorrer para que o processo seja analisado pelo conjunto da corte".
"Devido ao horário, Battisti só poderá ser detido ao amanhecer".
9 comentários:
Esses argumentos seriam aplicáveis a um ato administrativo comum, não a um ato soberano de Estado. Extradição não é expulsão, nem por analogia. E crimes contra a humanidade, como terrorismo e genocídio, não prescrevem.
Problema é que o malandro já fugiu de novo.
"Ato soberano de Estado" só se aqui fosse uma ditadura ou uma monarquia absoluta. Depois que a extradição foi pedida, o presidente negou, o STF aprovou a decisão e o processo foi extinto após transcorridos cinco anos sem contestação, a única forma juridicamente aceitável de a Itália obter seu intento seria percorrer o mesmíssimo caminho de novo.
O resto são aberrações legais amparadas apenas pela "lei do mais forte".
Mino Carta lançou um artigo capenga, mentiroso, em sua revista a demonizar o Battisti. Nem coragem de assinar teve. Esse senhor passou dos limites em sua sanha persecutória contra um conterrâneo. Está envelhecendo mal.
Na luta travada em 2008/2011, cansei de detonar o Mino e de desafiá-lo para polemizar. Nunca ousou me encarar, nem vai. Sabe que eu esfregaria o chão com a cara ele.
Então, não vou perder meu tempo com o Mino, a menos que se arme um cenário em que a batalha de opinião tenha uma influência concreta no desenrolar dos acontecimentos.
Neste exato momento, não tem. Ou o dr. Igor consegue fazer com que o Supremo não repita o seu papelão no caso da Olga Benário, ou nada impedirá a extradição caso o Cesare seja preso com vida.
Se o dr. Igor conseguir reabrir a discussão no STF, será o caso de relançarmos imediatamente uma campanha de esclarecimento da opinião pública e de combate às distorções da imprensa burguesa.
Caso contrário, a única chance do Cesare será não deixar-se prender e obter abrigo noutro país.
Neste contexto, o que o Mino escrever no seu house organ pomposo não tem influência nenhuma. Deixemo-lo combatendo dragões que não passam de moinhos de vento. É inofensivo. Até por que poucos compreendem aquela algaravia horrorosa dele. Vá escrever mal na ponte que partiu!
Desavisado e covarde, Celso Lungaretti fez coro em favor do Golpe de Estado que derrubou Presidenta Dilma, concordou com a prisão injusta de Lula. Agora os Golpistas, de passagem, chegaram a Battisti, Golpe é Golpe, concordar com o que fizeram a Dilma e Lula é de uma canalhice atroz, agora os crápulas chegam a Battisti, e por aí seguem. Levarei para o túmulo a tristeza de ver um companheiro de Esquerda se acovardar e apoiar o que fizeram a Dilma e Lula. Discordar de Dilma e Lula é uma coisa, agora concordar com o que fazem a eles é tremenda canalhice.
Na desgovernança em que vivemos o campeonato de puxa saquismo ao novo presidente começou e Fux saiu na frente
Roberto,
se vc quiser discutir o trabalho de algum articulista, leia o que ele escreveu e não o que desqualificadores covardes dizem sobre ele pelas costas. Jamais fugi de polêmica nenhuma. Quem ousou me enfrentar na batalha dos argumentos? Quase ninguém (e quem tentou, se deu mal). Mas, vários portais, sites e blogs foram pressionados para não me publicarem mais, prática que deveria estar no monturo do stalinismo na lixeira da História.
Sou revolucionário formado em tempos bem melhores do que os atuais e atuei como jornalista profissional por 33 anos, mais uns 12 como blogueiro. Não poderia negar tudo que aprendi e ficar repetindo como papagaio os primarismos ideológicos do PT. Nem virar um mero reformista, limitado a pedir pequenas melhoras no capitalismo, depois de haver sido revolucionário a vida inteira, lutando para dar um fim ao capitalismo.
Mas, não concordei com impeachment nenhum, nem prisão do Lula, nem nada disso. Apenas percebi logo que eram inevitáveis e apontei, o tempo todo, melhores opções do que aquelas que o PT adotou. Leia os meus artigos, continuam todos aqui no blog. Se os "jenios" da direção do PT tivessem aceitado metade das minhas sugestões, muitos desastres teriam sido evitados.
Cansei de alertar que a Dilma não seria capaz de segurar a onda durante a recessão que se prenunciava para 2015 e que o Lula é que deveria ser o candidato naquela eleição. Ela destruiu o PT.
Um ano antes da prisão do Lula eu já advertia que ele deveria apoiar os advogados do partido que pretendiam negociar para ele uma prisão domiciliar, caso contrário acabaria encarcerado. Acabou encarcerado.
No mesmo dia em que a Câmara Federal autorizou a abertura do processo de impeachment, já escrevi que o PT perderia todas as batalhas legais e que melhor seria a Dilma renunciar imediatamente e as forças de esquerda lançarem uma campanha na linha das diretas-já, aproveitando a rejeição que o Temer despertava. Poderíamos ter usado aqueles meses todos para acumular forças, mas insistindo em travar uma batalha de antemão perdida, quem acumulou forças foi a extrema-direita.
Também cansei de avisar que a esquerda deveria formar uma frente para disputar a eleição presidencial de 2018, com o cabeça de chapa não sendo petista por causa da enorme rejeição que o partido acumulara. Adiantou? Traíram o Ciro Gomes, inviabilizaram a frente, jogaram meses no lixo com aquela besteira da candidatura fantasma do Lula e acabaram entregando o poder para o Bolsonaro.
Enfim, eu tenho mesmo um grande erro: estava com a posição certa exatamente quando o PT cometia erros terríveis. E é daí que vem essa imagem pueril a meu respeito.
Não é só o PT que está devendo uma autocrítica aos explorados brasileiros. Você, pessoalmente, me deve uma autocrítica por todas essas abobrinhas que escreveu sem jamais ter procurado saber quais eram as minhas verdadeiras posições.
Celso, de minha parte admiro suas posições e lhe cumprimento. Era muito fácil seguir a onda e aderir cegamente ao PT como fez a maior parte da esquerda. Manter a distância crítica como fez exigiu coragem e honestidade intelectual. Teria ganhado dinheiro, inclusive, caso virasse um bajulador profissional do partido. Das suas posições só discordo da defesa que faz do Battisti, não consigo vê-lo como perseguido, mas respeito. Abraço!
Lucas Prado
Lucas, o que se percebe no processo italiano é que nele não existe absolutamente nada além das delações premiadas dos seus antigos companheiros do PAC, tão evidentemente orquestradas que houve o absurdo de lhe atribuírem o dom da ubiquidade (teria sido o autor dos disparos em dois assassinatos cometidos quase que simultaneamente, em localidades tão distantes que tornavam impossível ele haver se locomovido de uma para outra em tempo hábil).
Quando defensores expõem uma tendenciosidade tão gritante na denúncia e os promotores reagem simplesmente alterando, num dos assassinatos, a acusação de "autor material" para "autor intelectual", salta aos olhos que era um arremedo de Justiça, como notou o grande Norberto Bobbio, o qual exemplificou sua afirmação lembrando que um suspeito poderia permanecer em prisão PREVENTIVA durante MAIS DE DEZ ANOS, à luz das leis de exceção criadas para combater os ultras (revogadas mais tarde, mas não suas consequências, quando qualquer país com menos autoritarismo latente promulgaria uma anistia).
Foi neste clima que Battisti levou a culpa dos homicídios que outros cometeram. Estava a salvo na França e (ele nunca me afirmou isto, mas eu depreendi), como devesse a Pietro Mutti seu resgate da prisão, tenho a impressão de que inclusive concordou com isso. Deve tê-lo encarado como um dever imposto pela solidariedade revolucionária. E está sofrendo até hoje por conta de episódios obscuros de três décadas atrás.
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