domingo, 2 de setembro de 2018

AS URNAS DE NOSSA DESESPERANÇA – 4: O DIREITISTA CONSERVADOR QUE PARECE UM INOFENSIVO MÉDICO DE FAMÍLIA.

(continuação deste post)
Geraldo Alckmin, o candidato neoliberal do PSDB 
Um analista mais atento e que saiba ler nas entrelinhas, consegue extrair e compreender o conteúdo neoliberal implicitamente contido nas propostas de governo do Geraldo Alckmin. 

Por mais que tenha um discurso insosso (tanto que o jornalista José Simão o apelidou de picolé de chuchu), ele deve ser entendido como o candidato de uma moderna direita formadora de opinião, aquela que teme a truculência obtusa de um Jair Bolsonaro e o despreparo de um cabo Daciolo. 

Ele é um presidenciável perigoso para o Brasil exatamente por isto: consegue disfarçar o seu discurso de direita conservadora como se fosse um inofensivo e confiável médico de família. 

Não se pode afirmar peremptoriamente que Alckmin se guie pelos conceitos ultraconservadores do Opus Dei (segmento da igreja católica que defende dogmas ultrapassados e até fundamentalistas).

De todo modo, ele tem ouvido e convivido com representantes assumidos desta seita. E a relação de tal segmento religioso com a mídia de comunicação, como denunciava o saudoso jornalista Alberto Dines, caminha na direção da moderna direita mundial: conservadora, nacionalista, xenófoba e defensora do princípio segundo o qual farinha pouca, meu pirão primeiro.

Nesta reportagem sobre o chamado exército do papa, p. ex., a revista Superinteressante coloca Alckmin como o primeiro nome da lista de gente importante supostamente ligada ao Opus Dei

E há os fatos de um dos mais importantes expoentes de tal prelazia no Brasil haver sido o tio dele, José Geraldo Rodrigues Alckmin; e de o próprio Alckmin, quando prefeito de Pindamonhangaba (SP), haver batizado uma das ruas da cidade com o nome do fundador do Opus Dei, Josemaria Escrivá de Balaguer. Mas, se tem ou teve vínculo(s) com esses religiosos comumente identificados com o regime fascista espanhol do generalíssimo Franco, não lhe seria conveniente admitir.

A doutrina neoliberal, antes de postular o fim do Estado, como quer o pensamento libertário da crítica do valor, pede um Estado mínimo, justamente para ser forte o suficiente na defesa dos interesses capitalistas privados. 
Nesta linha, Alckmin propõe que seja zerado o déficit fiscal, como medida indispensável à soberania financeira do Estado. Isto todos os candidatos defendem, até o Presidente Temerário, que recebeu apoio antes mais ostensivo do PSDB, mas agora vê seus aliados se esquivarem de dar e ter dado tal apoio como o conde Drácula foge da cruz.    

A questão que se coloca é como zerar esse déficit num país que não pode emitir moeda sem lastro e tem dificuldades de vender seus títulos no mercado financeiro internacional a juros baixos. Alckmin dá a receita para tal mágica: cortar gastos com a Previdência e outras rubricas orçamentárias que farão falta para o povo brasileiro. 

Acena também com um aumento das exportações em 50%, que faria crescer o número de empregos, de contribuintes previdenciários e de receita orçamentária. Trata-se de uma quimera falaciosa, pois esbara na realidade do capitalismo em depressão mundial (e, principalmente na América Latina).

Sobre a privataria tucana, o desemprego estrutural e o Estado mínimo militarista – um terceiro viés é a tradicional privataria tucana. O PSDB tudo vendeu durante o Governo FHC e, mesmo assim, não conseguiu aliviar as contas públicas nem alavancar a economia, tendo de bater às portas do Fundo Monetário Internacional (sempre rigoroso ao ditar para os países empobrecidos da economia mundial as regras de comportamento que terão de seguir para receberem os empréstimos de que necessitam para salvar o Estado capitalista). 

Ora, Alckmin já cumpriu quatro mandatos como governador de São Paulo e a taxa de desemprego no Estado é de cerca de 17%, enquanto a taxa brasileira está na casa de 12% da mão-de-obra economicamente ativa. Vale então perguntar: por que o Estado mais industrializado do país tem a maior percentagem de desempregados? 

Será que a culpa é do seu aliado emedebista Michel Temer? Ou dos seus também aliados do centrão (que jamais aceitaram as propostas de redução do déficit do orçamento fiscal, porque isto lhes acarretaria desgastes políticos eleitorais)?

Como Alckmin pretende aprovar as medidas impopulares de ajuste do déficit fiscal que prega, se para tanto precisará do apoio dos fisiológicos de sempre? O que lhes concederá à guisa de contrapartida?     

As propostas de Alckmin para ativar as exportações brasileiras em 50% deixam de considerar a existência de concorrentes internacionais que competem conosco com alta tecnologia aliada a salários escravos (como a China e a Índia); e, por mais que ele prometa a desburocratização e a eliminação do chamado custo Brasil, isto implicaria cortar privilégios de corporações ligadas ao segmento político ao qual ele está atrelado até a alma. Comprará tal briga? Duvido.

Alckmin quer mesmo é o Estado mínimo que, sob o capitalismo em fase de decadência mundial, caminha para salvar pelo menos a capacidade de pagamento dos escorchantes juros da dívida externa brasileira e funcionamento dos poderes estatais e da força militar capaz de conter a insatisfação popular que tende a crescer cada vez mais (ela lhe foi muito útil, p. ex., nas jornadas de protestos de junho/2013, quando Alckmin deu às tropas carta branca para barbarizarem os manifestantes).  

Para dourar a pílula de suas proposições impopulares que embutem mais arrocho a uma população já exaurida, ele hipocritamente propõe a ampliação de programas assistenciais como o bolsa-família. Ou seja, morde de um lado e assopra do outro, como qualquer demagogo de quinta categoria.   

Avançando na militarização do Estado, propõe a criação de uma Guarda Nacional, que atuaria, complementarmente, como polícia militar. Daí para a repressão aos tumultos que virão em razão das medidas impopulares de ajuste fiscal do Estado no capitalismo em depressão será um passo. Quem viver verá, se tivermos o desprazer de estarmos submetidos a um governo ao mesmo tempo neoliberal e conservador de direita. Duas doutrinas que, antes de se contraporem, são convergentes.
A polícia do Alckmin em ação nos protestos de 2013
Tudo que dissemos nos artigos anteriores desta série sobre a ingovernabilidade do Estado num sentido pró-povo sob a depressão capitalista, vale, de forma mais acentuada, para um eventual governo de Alckmin. 

Sobre saúde, educação e previdência social   as suas proposições para serviços básicos e fundamentais do Estado (educação e saúde) colidem com a sua pregação de um Estado mínimo, de déficit fiscal zero e de redução de Ministérios, que são, verdadeiramente, aparelhos destinados às negociações políticas no parlamento, sem as quais governo nenhum consegue fazer nada.

O caráter onívoro da forma-mercadoria tende a transformar tudo nela mesma (em mercadoria). Não é por menos que a educação do Brasil, ainda que a Constituição determine ser ela do Estado e direito do cidadão pagador de impostos, cada vez mais se torna um negócio privado. 

As diretrizes de Alckmin para a educação seguem nesse sentido, se tomarmos como parâmetro o que ele fez ao longo de seus quatro governos no Estado. Todas as iniciativas alckmistas se coadunaram com a visão privatista do ensino, expressa em seus elogios à gestão privada das escolas públicas. 

Quando seu governo anunciou o fechamento de mais de 70 escolas públicas a pretexto de serem redundantes ou estarem mal equipadas, a medida despertou forte contestação por parte dos docentes e de toda a comunidade que necessita da escola pública para a educação dos seus filhos. 

Houve suspeita generalizada de que se tratasse de um artifício para deslanchar a privatização e foi exemplar a resistência do movimento que se criou para abortar tal propósito, intitulado as escolas são nossas

A única forma de gestão eficiente, para Alckmin, é a empresarial. Tudo converge para a sua visão do Estado mínimo, no qual as demandas sociais devem ser minimizadas em benefício da priorização do crescimento econômico, com o incremento da infraestrutura e das salvaguardas institucionais. 

Esta é a visão alckmista para todas as questões, inclusive a da saúde (sua insensibilidade neste quesito é ainda mais chocante por tratar-se de um médico).  

A saúde no Brasil se divide em dois segmentos: a) os que podem bancar planos de saúde; e b) os que são obrigados a padecer sob o Sistema Único de Saúde. Ou seja, há o Brasil dos ricos cujas chances de terem vida longa são bem maiores e um Brasil dos pobres que morrem nos corredores dos hospitais.  

As proposições de Alckmin nesta área em nada discrepam do diapasão privatista de governo: o seu programa de saúde é pobremente repetitivo, demasiado genérico e tão insípido como seu discurso.   

Afinal, sua proposta de ajuste fiscal (adequação das receitas com as despesas) das contas públicas implica o cumprimento de obrigações orçamentárias fixas, imutáveis e, consequentemente, a impossibilidade de dotações orçamentárias voltadas para demandas sociais importantes para a população como é o caso da saúde.

Sob o capitalismo a aposta é sempre de crescimento econômico que possibilite à iniciativa privada comercializar esse aspecto fundamental da vida humana que é o provimento de assistência médico-hospitalar e preventiva, ou seja, tudo depende de um crescimento da economia (o qual, por força das suas contradições internas, é cada vez mais travado). 
Protesto dos servidores da Saúde em março último
As propostas de Alkmin para a saúde não vingaram nem no Estado mais rico da federação; portanto, não deverão vingar no restante do Brasil, com suas desigualdades e pobrezas regionais gritantes. 

Na questão explosiva do déficit previdenciário, Alckmin se limita a propor um sistema único de aposentadorias que elimine eventuais privilégios. 

Trata-se de uma proposta requentada, cujos princípios se baseiam na antiga proposição eleitoreira de caça aos marajás do ex-presidente Fernando Color, ou seja, uma projeção daquilo que o neoliberalismo entende como boa gestão pública: o ajuste da receita previdenciária à despesa, num salve-se quem puder que atesta a falência de um sistema agonizante.

Sobre as corrupções tucanas  por fim, propõe tolerância zero à corrupção com o dinheiro público.

Ora, todo o processo eleitoral é fundado na corrupção, começando pela desigualdade de tempo da propaganda eleitoral. Os partidos que podem mais e se coligam mais, têm mais tempo (e qualidade televisiva, que custa caro); os partidos e candidatos que podem menos, têm menos tempo (e menos qualidade técnica de filmagens para veiculação). Uma desigualdade inicial que bem demonstra o que é a falta de isonomia na democracia burguesa.

Não podia ser diferente. Começa que o processo eleitoral todo é marcado pela influência do poder econômico sob as mais variadas formas, sendo mera hipocrisia a suposição de que o Ministério Público, o Tribunal Superior Eleitoral e demais instâncias inferiores do judiciário eleitoral pudessem garantir uma disputa equilibrada.

Uma sociedade que se estrutura a partir do roubo do tempo de trabalho dos trabalhadores, tanto nas empresas privadas como estatais; e que viabiliza o lucro e a acumulação de capitais como sua base de sustentação (praticando uma corrupção endógena), não pode falar seriamente em tolerância zero para com a corrupção. 

Aliás, se fôssemos levar a coisa para o campo da corrupção factual, empírica, não poderíamos deixar de considerar que os muitos correligionários tóxicos de Alckmin no PSDB (casos de José Serra, Aécio Neves e Eduardo Azeredo, entre outros) continuam sendo tolerados como aliados. 

Não há como se deixar de considerar os inúmeros casos de acusações sérias de corrupção no PSDB e seus governos tais como os casos Furnas, Rodoanel, Sivam, Pasta Rosa, aeroporto Cláudio; as menções de delatores do Odebrecht; as máfias do Cachoeira e das merendas escolares; o mensalão tucano; os desvios de dinheiro na privataria tucana; o cartel dos metrôs de SP e DF, etc., etc., etc., em que pese a evidente relutância judicial em apurar a fundo todos esses casos.

Quando qualquer candidato fala em tolerância zero com a corrupção fico a me lembrar daquele marido que chega em casa no fim da madrugada, bêbado, com perfume barato e batom na cueca, mas afirma peremptoriamente para a sua mulher que é tudo culpa dos meus amigos... (por Dalton Rosado)
(continua neste post)

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