domingo, 19 de agosto de 2018

NOSSO NORDESTE DECAI CADA VEZ MAIS SOB O CAPITALISMO, MAS HAVERÁ DE FLORESCER NUMA SOCIEDADE EMANCIPADA!

dalton rosado
NORDESTE BRASILEIRO, A TERRA PROMETIDA?
Na história da libertação dos hebreus do jugo egípcio, Canaã corresponde à terra prometida onde, graças à conjunção de terra, sol e água abundante, corria leite e mel.

O Nordeste brasileiro pode se tornar a nova Canaã destes tempos chamados de modernos. Aliás, trata-se de um conceito que mascara o vergonhoso descompasso atual entre o desenvolvimento tecnológico e do saber, de um lado; e a pobreza da maior parte das populações do mundo, do outro. Uma discrepância que é gritante no nosso Nordeste.   

Nele, a secular (ou milenar) escassez de água da chuva agora se agrava com o aquecimento global, reduzindo drasticamente os seus reservatórios e causando a desertificação de grande parte de terras interioranas, já abandonadas por parcela considerável dos seus antigos habitantes, os pobres agricultores. 
Isto também é Nordeste...
Nem mesmo os antigos coronéis resistiram à autofagia capitalista: eles também desertaram. Isto, contudo, não deve nos causar júbilo, pois se trata de outro aspecto trágico dentro de uma realidade ainda mais trágica, com os resquícios da era pré-capitalista extinguindo-se por força da dinâmica de sua negativa lógica de produção e deixando uma terra devastada no seu lugar.    

A população do Nordeste (53,6 milhões de habitantes, correspondendo a 25,8% da população brasileira) concentra-se nos centros urbanos; mais precisamente, na faixa litorânea. 

A densidade demográfica do interior do Nordeste é bem inferior aos 36,3 habitantes por km² atribuído à região, que já é bem inferior aos 47,5 habitantes por km² da região sul/sudeste do Brasil, vez que sua população se concentra nos centros urbanos.       

É que ninguém consegue produzir no agronegócio sob o regime concorrencial de mercado com as condições de competitividade dadas para o Nordeste brasileiro. 

Fazer reforma agrária no Nordeste é fácil, mas não passa de uma piada; as terras carecem de valor econômico, na medida em que a produção agrícola não consegue concorrer com outras regiões do país.  
...mas o capitalismo o conduz a isto.

Os grandes latifundiários rurais até aceitariam as desapropriações estatais, não fossem as avaliações irrisórias que hoje se fazem daquilo que outrora supunham ser um valioso patrimônio.

Comete grave erro o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: ao lutar pela propriedade da terra para os agricultores, sem colocar em xeque a própria natureza jurídica e econômica da propriedade rural e seu modo implícito de produção, direciona-se para o fracasso, a menos que atualize a sua bandeira de lutas e passe a defender não só a posse da terra, mas também a produção sob outro modo de relação social. 

Até a agricultura de subsistência deixou de ser viável, tanto que os poucos colonos que se aventuram a produzir num lote de terra desapropriada logo desistem da empreitada. Apenas algumas localidades mais bem aquinhoadas por terem solo fértil e água conseguem produzir alguma coisa, e assim mesmo em pequena escala.     

Salta aos olhos quão perversa é a lógica capitalista para as regiões que não conseguem ter competitividade de mercado para a sua produção de mercadorias; os fenômenos do empobrecimento rural do Nordeste brasileiro e de sua destruição ecológica via desertificação o atestam de forma incontestável. 
"Menino de pé no chão, já não sabe nem chorar. Reza uma reza comprida
 pra ver se o céu saberá. Mas a chuva não vem, não. E esta dor
no coração, ai, quando é que vai se acabar?!"
.
Não se produz alimentos em grande escala no Nordeste porque o solo é pobre; a água, escassa; e a energia, cara. 

Esses três fatores deixariam de existir acaso houvesse um modo de produção de bens agrícolas servíveis ao consumo fora da lógica da mercadoria, ou seja, sem mensuração de valor monetário, mas de valoração da vida. 
"Em 1950 mais de 2 milhões de nordestinos viviam fora dos seus estados
natais. 10% da população do Ceará emigrou. 13% do Piauí!
5% da Bahia!! 17% de Alagoas!"
.
Ao contrário do que se pensa (e o pensar sob o capitalismo é sempre abstrato e oportunista, sem conexão com o concreto e a satisfação das necessidades humanas, ainda que se torne real na vida social), o Nordeste brasileiro poderia se tornar, sob outra lógica, a mais produtiva das terras brasileiras, vez que os seus pretensos entraves à produção podem, sim, ser removidos.  

Como sabem os profissionais das ciências agrícolas, o sol é o mais importante fungicida do planeta Terra; e o Nordeste brasileiro possui sol e vento permanentes o ano inteiro.
"Quero ver o meu sertão produzir pra nação ver. E o sertanejo menino,
sorrindo poder crescer. Fazer conta de somar, dividir, multiplicar.
E quando receber carta, não ter que pedir pros outros ler"
.
Consequentemente, as pragas que dificultam a produtividade agrícola podem ser combatidas com mais facilidade, e o seu clima, mais ou menos estável durante todo o ano, o torna imune aos danos causados pelas geadas e pelas chuvas excessivas.

Deve ser também levada em conta a possibilidade de produção de energias limpas como a fotovoltaica e a eólica. A primeira advinda do sol e a segunda dos ventos, que são particularmente permanentes e estáveis durante todo o ano, com pequenas variações de intensidade. 
"Por falta d'água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão. Até mesmo
a asa branca bateu asas do sertão. Entonce eu disse, adeus
Rosinha, guarda contigo meu coração"
.
O Nordeste tem águas subterrâneas salgadas, salobras, que podem ser dessalinizadas pelo uso de equipamentos movidos à energia fotovoltaica e eólica, abstraindo-se dessa utilização o custo econômico de tal processo, somente possível numa sociedade não mediada pela forma-valor.    

Sob este mesmo prisma, as águas dos rios amazônicos poderiam ser transpostas para a região nordeste do Brasil e manter de forma perene (e até com sobras!) o abastecimento de água para a produção rural e para os centros urbanos, desde que não prevalecesse a famigerada viabilidade econômica da lógica capitalista que prioriza o lucro em detrimento da vida.    
"A vida aqui só é ruim quando não chove no chão. Mas se chove dá de tudo,
fartura tem de porção. Tomara que chova logo, tomara, meu Deus,
tomara! Só deixo o meu Cariri no último pau de arara"
.
Por último vem a questão do enriquecimento do solo, agora que as técnicas agrícolas têm como fazê-lo perfeitamente. Os custos econômicos, contudo, o inviabilizam na atualidade,  mas tal empecilho deixaria de existir sob uma lógica de produção voltada para a satisfação das necessidades de consumo. 

Sob uma mediação social sem a imposição da tirania da ganância sobre a produção agrícola, a satisfação das necessidades de consumo de alimentos poderiam ser facilmente atendidas em cada localidade, evitando-se os elevados custos de transporte, próprios a uma economia mercantilizada (poluição pelo monóxido de carbono que atende aos interesses da indústria petrolífera à parte...).  
"E mesmo quem não tem coragem pra suportar, tem que arranjar também
coragem pra suportar. Ou então vai embora, vai pra longe e deixa
tudo, tudo que é nada, nada pra viver, nada pra dar"
.
Comprova-se assim, teoricamente e na prática, que a produção agrícola no Nordeste hoje se tornou plenamente viável graças à apreensão do saber pela humanidade nos seus vários ramos do conhecimento.

Até algumas décadas passadas, quando a competitividade mundial de mercado ainda não tinha imposto as suas regras ditatoriais a todos os quadrantes do mundo, a mesa de café da casa de um latifundiário rural era farta (já para os trabalhadores rurais sobrava uma alimentação bem mais precária, seguindo a tradição da senzala).
"Pavão misterioso, meu pássaro formoso, no escuro dessa noite me ajuda a
cantar. Derrama essas faíscas. Despeja esse trovão. Desmancha
isso tudo que não é certo, não!"
.
Nessa mesa podiam-se encontrar: café, açúcar mascavo, rapadura, leite, coalhada, cuscuz de milho, milho assado no verão (oito meses) e cozido no inverso (4 meses), canjica, pamonha,  ovos, queijos, carne assada, tapioca, bolos, frutas deliciosas do semi-árido, sucos de frutas de época, etc. 

Um café dez estrelas, e tudo bem natural!      
"Não há, ó gente, ó não, luar como esse do sertão. Oh, que saudade do luar da
minha terra, lá na serra branquejando folhas secas pelo chão! Este luar cá
da cidade, tão escuro, não tem aquela saudade do luar lá do sertão"
.
Com tudo isso o capitalismo acabou. O coronel vendeu sua fazenda, comprou uma casa na cidade e faz compras no supermercado de alimentos industrializados, vindos até do exterior.

Enfim, poderíamos hoje estar vivendo de um modo cômodo e moralmente dignificante, ao contrário da autofagia bárbara que ora nos é imposta, se déssemos fim, já com enorme atraso, à irracional mediação social pela forma-valor (dinheiro e mercadorias)! 
"Aqui tudo corre tão depressa, se você tropeça, não vai levantar. Motocicletas
se movimentando, dedos da moça datilografando, numa engrenagem de
pernas pro ar. Vou danado pra Catende, com vontade de chegar!"
.
A tecnologia, o saber científico e a máquina podem ser atributos redentores da humanidade, mas também podem ser fatores destrutivos e autodestrutivos, quando usados em detrimento da vida.

Nosso Nordeste é uma Canaã em potencial, que se tornará realidade dependendo das escolhas que fizermos e da consciência social que viermos a adquirir. (por Dalton Rosado)
"Debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo, forjar
do trigo o milagre do pão e se fartar de pão

Decepar a cana, recolher a garapa da cana, roubar
da cana a doçura do mel e se lambuzar de mel

Afagar a terra, conhecer os desejos da terra, cio
da terra, a propícia estação, e fecundar o chão"

4 comentários:

SF disse...

***
Na margem do Rio do Peixe, no alto sertão paraibano. Com dois cacimbões. Terra plana, massapê. Aproximadamente, cinco hectares. Um pequeno sítio colado à cidade.
Nesse lugar privilegiado fui passar uns dias já pensando no delicioso suco de cajarana que seria servido.
De repente, na hora do almoço, o enxame de moscas vinda do curral.
O proprietário usava aquela porção de terra para plantar forragem e, tentar, criar gado.
Plantio de grãos, hortaliças, fruteiras (todas possíveis), nem pensar.
O cara só pensava em gado, gado, gado...

Meu amigo jovinho dizia: o que acabou com o sertão foi a pata do gado!

***
Cortando para as ubíquas margens do Rio Jamari.
Um formoso curso de água, perene, piscoso e limpo. Tributário do Rio Madeira.
Num pequeno sítio de terra plana, não se vê sequer um pé de mandioca.
O enxame de moscas, o curral ao lado da casa aprazível, e a neura por gado.

Destruíram uma linda floresta (eu a vi quando ainda estava de pé) para plantar braquiária e criar gado...

Usando a "moderna" técnica neolítica da queimada.

Duas coisas acabaram com a floresta: fogo e gado.

***
Ah! A transposição! Só com o que já gastaram com caminhões-pipa no nordeste daria para encanar água da amazônia até o deserto do Saara, quanto mais para as cabeceiras do Rio do Peixe.

***
O que falta não é nem sequer capitalismo.
O povo tem que desistir do gado, aonde gado não dá.
E ser, ao menos, capitalista.
Já seria um começo.

axel_terceiro disse...

Sem contar que, com todo esse potencial sendo devidamente utilizado, alem dos ganhos humanitários advindos das bocas saciadas e vidas salvas, a produtividade brasileira iria crescer, pois, por conta da maior oferta, o preço da comida ficaria mais acessível.

Como dizem, o problema da seca é mais algo político que ambiental.

celsolungaretti disse...

RESPOSTA QUE O DALTON ENVIOU POR E-MAIL PARA O SF:

Caro SF,

OS quantitativos e porcentagem do rebanho bovino do nordeste demonstra a defasagem da pecuária da região em relação ao restante do Brasil, principalmente ao centro-oeste e sul-sudeste.

O Brasil tem, segundo o IBGE, 212,3 milhões da cabeças de gado (mais de um bovino para cada habitante, mas falta leite e carne na maioria dos lares brasileiros e principalmente nos lares nordestinos).

Desse total, apenas 29,3 milhões de cabeças de gado estão no nordeste, ou seja 13,8 do total para uma população de mais de 53 milhões de habitantes, e criadas nas terras onde o pasto é mais generoso e nas mãos dos grandes latifundiários rurais.

A pecuária nordestina, portanto, atividade econômica que ainda se sustenta em determinadas localidades nordestinas, é precária e concentrada. Esse quadro é o resultado no capitalismo sem tirar nem por.

Um abraço, Dalton Rosado.

SF disse...

***
Sim Dalton.
A atividade é deficitária. A substituição da floresta ou caatinga por pastagem é insustentável. Daí o inevitável fracasso da pecuária nos trópicos.

Ocorre que, subjacente à pecuária, existe a indústria da morte.
Ou você acredita que uma sociedade que tem abatedouros (matadouros) como base de sua alimentação podetia ser diferente do violento ajuntamento de feras racionais que temos?
O progresso humano (onde existe beleza, bondade e justiça) não se coaduna com carcaças de animais e pedaços de cadáveres expostos nas lojas de alimentos.
Para além da dialética capital/trabalho existe esta lei absoluta: tudo tem consequências.
Carnívoros não tem como criar sociedades humanas.

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