terça-feira, 21 de agosto de 2018

29 ANOS SEM O RAULZITO: PEQUENO TRIBUTO QUE VIROU POST.

Hoje (21/08) se completam 29 anos desde a morte do Raulzito, nosso compositor e intérprete mais afinado com a contestação jovem de 1968, trailer da única revolução possível no século 21.

Sim, enquanto todos os modelos autoritários e reformistas caducaram ao longo deste meio século, continua viva a possibilidade de uma maré revolucionária, iniciada por mero protesto estudantil (como a Primavera de Paris) ou por mero inconformismo com as tarifas dos transportes (como os protestos brasileiros de junho de 2013) servir como estopim para todas as insatisfações, gerando uma revolta que se alastre pelo mundo.

Quando penso no Raul, logo me vêm à mente canções fundamentais como Sociedade Alternativa, Cachorro Urubu, Tente Outra Vez e Ouro de Tolo. São as que mais fundo calaram em mim, embora haja uma vintena de outras que me agradam muito e continuo escutando até hoje.

O que não me vêm à mente é a lembrança dos nossos papos etílicos numas três ou quatro ocasiões em que estive na casa dele e também quando o Raul me convidou para uma boca-livre da CBS. Invariavelmente  bebemos muito, pois ele não parava de entornar e eu não queria ficar atrás de quantas ele tomava, seria indelicado... 

Uma peculiaridade minha é a de continuar raciocinando bem, sendo capaz de não jogar meu carro contra os postes, dizendo coisa com coisa e até vencendo partidas de xadrez quando embriagado mas, no dia seguinte, já terei esquecido tudo.

Enfim, no espírito da comemoração de hoje, vou reproduzir o que consegui a muito custo rememorar dos papos etílicos, quando fiz certa vez um texto-balanço da minha fase de editor, redator e crítico de revistas de música. 

E, no pé do post, disponibilizar o vídeo completo do documentário musical Raul: o início, o fim e o meio (d. Walter Carvalho e Leonardo Gudel, 2012).
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Houve uma vez um André Mauro – Minha lembrança mais grata dessa fase [1979/1984, quando trabalhava em revistas de música e cinema, e sempre sob o pseudônimo de André Mauro para não atrair a atenção dos censores] é a breve amizade com o Raul Seixas. Tudo começou quando cobri a coletiva que ele deu ao lançar seu primeiro disco pela CBS, Abre-te Sésamo.
Talvez por causa do horário matinal, amaldiçoado pelos boêmios, o maluco não estava brilhante, só disse o previsível. Mas, circo desmontado, o assessor de imprensa da gravadora armou um almoço de nós três mais a Kika (também funcionária da CBS), que acabaria sendo a última namorada da vida do Raul.

Fomos num restaurante chinês da rua Theodoro Sampaio e aí, sim, o  Raulzito  aflorou, turbinado pelo saquê que chamou e pela garrafinha metálica de uísque que carregava no bolso. Caprichou nos gracejos, non-sense e brincadeiras. Disse grandes frases e pequenas amenidades (tipo, tal artista não canta nada, mas que coxas ela tem!). 

Finalmente, foi embora quase arrastado pelo pessoal da CBS, pois estava atrasado para a entrevista que daria à Folha de S. Paulo. Não adiantou. No trajeto caiu em sono profundo e, quando finalmente conseguiram acordá-lo, preferiu ir pra casa descansar...

Ao escrever minha matéria, matei a coletiva com cinco linhas e dediquei umas 40 ao que rolou no almoço, num estilo apropriadamente etílico. Qualifiquei Raul de admirável guerreiro que insiste em manter a loucura dos anos 60 em meio ao marasmo e calculismo dos 80 e incluí uma confissão: escutar Cachorro Urubu, com seus versos alusivos à rebelião jovem de Paris (“E todo jornal que eu leio/ Me diz que a gente já era/ Que já não é mais primavera/ Oh, baby, a gente ainda nem começou”), lavava minha alma naqueles tempos depressivos em que todos repudiavam a anarquia e a porra-louquice de 1968.

Mal leu a revista, o Raul ligou para a redação, convidando-me para um happy-hour da CBS, que queria mostrar o novo vídeo promocional do Police. A boca-livre era numa casa noturna chiquérrima, mas não incluía os itens do cardápio, só o serviço padronizado. Quem queria mais, pedia por sua própria conta e a despesa era lançada numa comanda.

Batemos bons papos até ele ficar  alto. Quando eu estava saindo de fininho, o Fred Jorge (letrista do Roberto Carlos no tempo da Jovem Guarda e diretor da CBS por exigência do rei), disse:
— Oh, Celso, o Raul bebeu demais e vai acabar dando vexame. Você não mora no Centro? Então, leva ele até o hotel, você não vai sair muito do seu caminho...
Não adiantou, o vexame acabou mesmo acontecendo. O Raul perdera a comanda, que poderia ter sido utilizada por outro convidado para pedir uísque importado de montão. Então, os funcionários  não queriam deixá-lo ir embora. E ele gritava, furioso:
— Quer dizer que estou preso? Eu estou preso?!
O Fred Jorge acabou se responsabilizando, em nome da CBS, por qualquer gasto mandrake que aparecesse. E eu levei o Raul desacordado até um hotel na avenida Duque de Caxias, defronte a antiga Rodoviária. Precisei da ajuda do porteiro para tirá-lo do carro.
Crowley, ídolo do Raulzito e do Paulo Coelho

Depois, ainda o visitei algumas vezes na casa onde passou a morar, em Pinheiros, se bem me lembro. Uma delas, provavelmente a última, foi quando acabara de trocar a CBS pelo Estúdio Eldorado. 

Conversávamos e bebíamos muito. Fiquei sabendo que ele e o Paulo Coelho interessavam-se por ocultismo, traduzindo livros obscuros, não lançados no Brasil, para próprio uso. Os do Aleister Crowley em primeiro lugar, evidentemente.


[Ou seja, Paulo Coelho, que de mago não tem nada, apenas montou um personagem em cima do que ele e o Raul andaram lendo e pesquisando na década de 1970...]

Até que não pintou mais nenhuma oportunidade e deixamos de nos ver

Depois, em dezembro de 1984, fui obrigado a deixar a Editora Imprima, encerrando a fase de crítico roqueiro. É que a crise do papel encarecera muito as revistas, de forma que os donos decidiram cortar metade dos títulos sob minha responsabilidade. Com o que sobrava, eu não conseguiria sobreviver.

Saí para fazer o que detestava: trabalhar por dinheiro, sem prazer. Foi o que fiz, como jornalista, durante as quase duas décadas seguintes.

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