Por Carlos Lungarzo |
UMA VENDETA DE 39 ANOS!
O jornal O Globo publicou na última 2ª feira, 25/09, notícia sobre uma nova manobra do governo italiano para extraditar Cesare Battisti, dando continuidade à vendeta internacional que começou em 1978.
A íntegra do texto foi publicada no blog do escritor e jornalista Celso Lungaretti, junto com uma linha do tempo resumida dessa vendeta e com comentários e fotos interessantes.
Quero comentar especialmente dois trechos dessa notícia d'O Globo:
"As tratativas para a extradição de Battisti começaram no ano passado. O primeiro-ministro italiano Matteo Renzi chegou a declarar publicamente que esperava por uma mudança de posição brasileira sobre Battisti na gestão de Temer. Na época, Renzi evitou confirmar se sua administração pretendia tomar a iniciativa de pedir a revisão da decisão de Lula. O assunto passou a ser tratado, então, com discrição pelas autoridades".
Battisti não precisará perder o sono... |
"A divulgação do pedido italiano antes de Temer tomar a decisão preocupa as autoridades daquele país Há receio de que Battisti acione sua rede de proteção no Brasil e tente travar, pela via judicial, um eventual novo ato que o presidente da República poderia tomar".
Mas, por que a divulgação preocupa aos intrépidos caçadores de bruxas?
TENTATIVAS FRACASSADAS – Em 07/08/2016, o primeiro ministro italiano Matteo Renzi concedeu uma entrevista à Folha de S. Paulo, na qual declarou que a extradição de Battisti era o único tema aberto entre o Brasil e a Itália. A partir daí, nunca mais se falou no assunto. Renzi renunciou no 4 de dezembro, após a derrota num referendum (por 41% a 59%) de uma proposta de sua autoria sobre reformas constitucionais.
Seu sucessor, Paolo Gentiloni, da mesma tendência política (neoliberal de centro, confundida às vezes com centro-esquerda), manteve o hermetismo em torno às gestões junto ao novo governo brasileiro (vide aqui).
...se for este o agente italiano na sua cola. |
A discrição pode ser entendida como uma precaução normal num processo diplomático de ampla sensibilidade, porém isto não seria explicação suficiente para o transformar num fato totalmente secreto. Ações de busca e repressão ao longo do planeta costumam ser noticiadas pelos governos, embora ocultem os detalhes logísticos das operações.
Então, a leitura do segundo parágrafo acima citado pode dar um indício. As autoridades italianas se preocuparam com a divulgação da notícia porque isto poderia ser um empecilho para uma operação-surpresa que não desse a Battisti tempo para se defender.
Em termos mais claros, a Itália preparava um NOVO PLANO DE SEQUESTRO CONTRA CESARE BATTISTI.
Por que novo? Os que têm alguma familiaridade com o Caso Battisti devem lembrar que já houve várias tentativas de sequestro do escritor italiano, algumas fora do Brasil e outras dentro. Entre 2004 e 2006, o delegado italiano Gaetano Saya, chefe de um grupo parapolicial, tentou capturar Battisti em território francês, mas seu grupo se desentendeu por questões de dinheiro. Houve outros casos, confusamente relatados, na América Central.
Os mais relevantes para a situação atual foram DUAS TENTATIVAS SE SEQUESTRO EM TERRITÓRIO BRASILEIRO, das quais uma é bem conhecida e foi difundida pela mídia. A primeira tentativa de sequestro aconteceu em 12 de março de 2015.
A segunda tentativa (cuja armadilha não deu certo) foi mantida no maior sigilo pelas autoridades diplomáticas italianas, tendo sido gerada numa legação diplomática da América do Sul.
Voltando para casa, após tramoia de 2015 ruir |
Finalmente, a ação decidida do advogado de defesa Barroso conseguiu pressionar o inquisidor, que entregou de má vontade o mandato de soltura em junho daquele ano, mesmo após o STF ter aprovado esta ação por 6 votos contra 3.
Segundo membros do movimento europeu de solidariedade com Battisti, alguns setores do governo italiano estariam cogitando um sequestro logo após a libertação (ou talvez durante o próprio processo de soltura), mas se desconhecem os detalhes do assunto.
Todavia, alguns meses depois de ser solto, Battisti foi alvo de uma tentativa de extradição muito estridente e amplamente comentada na mídia brasileira, francesa e italiana.
Todavia, alguns meses depois de ser solto, Battisti foi alvo de uma tentativa de extradição muito estridente e amplamente comentada na mídia brasileira, francesa e italiana.
Um procurador, em combinação com uma juíza, ambos do DF, forjaram uma suposta infração que tornaria ilegal a residência permanente de Battisti no Brasil, com base numa distorcida interpretação do Estatuto do Estrangeiro. Apesar de protocolada em outubro de 2011, a ação do procurador não foi julgada em seguida. A jogada era deixar a questão esquecida, esperando o momento certo.
Mas a ação ficou como uma ferramenta nas mãos de outro procurador da República, Vladimir Aras, um sujeito conhecido por um blogue sobre temas jurídicos, que atuou como operativo no grupo de Rodrigo Janot que colaborava com a Lava Jato. Mas, experto em assuntos invisíveis, Aras parece ter comandado a operação de sequestro.
Procurador Vladimir Aras: um conspirador malogrado? |
Como parte de um acordo para extraditar Henrique Pizzolato, o procurador Aras, que estava incumbido dos aspectos internacionais da Lava Jato, parece ter sido o negociador principal na extradição para o Brasil do ex-funcionário do BB, e os fatos mostram que Battisti jogava o papel de moeda de troca com os chacais italianos.
Os leitores talvez lembrem que Pizzolato foi julgado várias vezes e só foi condenado em definitivo em outubro de 2015, após numerosas solturas e novas detenções. Não é necessário especial conhecimento de psicologia para entender que houve um processo de barganha entre as máfias políticas que só culminou no final de 2015, com a repatriação do detento.
Entretanto, no começo de março de 2015, ainda não tinha sido usada a ação do procurador de Brasília no sentido de processar o governo brasileiro pela concessão de residência permanente (imigração) ao ex-refugiado Cesare Battisti. Os três anos e meio de paciência recompensaram, pois naquele momento a denúncia foi usada com o objetivo de sequestrar Battisti e dar uma amostra de boa vontade para a Itália.
Os fatos se sucederam com enorme velocidade.
1) A juíza produziu um mandato de prisão administrativa (um recurso usado pela Justiça Militar, obsoleto há décadas) e deportação.
2) Sob absoluto sigilo, sem deixar transparecer a situação sequer para os advogados, foi planejado o sequestro de Battisti, em 12 de março de 2015.
3) Nesse dia, uma patrulha à paisana e sem crachás da PF fez uma operação clandestina na casa de Battisti, tomando a sua mulher e a filha desta de três anos como reféns. Porém, não houve violência contra elas nem contra Battisti.
4) Battisti foi levado ao aeroporto após um rolê pela cidade, em aparente espera de um avião clandestino para a Europa. Este fato foi notificado depois como “demora para preparar a documentação de Battisti”
5) O sequestro foi interceptado graças à incrível presteza do advogado Igor Tamasauskas, e do ex senador Suplicy, com a colaboração do Ministério da Justiça.
Pouco depois, um tribunal federal de Brasília aprovou por unanimidade um recurso que fechava definitivamente o pleito.
Ingleses também falharam ao tentarem sequestrar Ronald Biggs |
Essa é a causa do temor dos italianos quando souberam que seu novo plano de sequestro estava sendo divulgado.
Mas, antes da atual manobra jurídica junto ao STF, houve outra TENTATIVA DE SEQUESTRO na segunda metade de 2016, que quase ninguém conhece. Por este motivo, não vou dar detalhes, mas apenas uma visão geral do assunto.
SEGUNDA TENTATIVA – Entre junho e agosto de 2016, diplomatas italianos de alto nível, lotados perante um país da América do Sul, prepararam um plano para um novo sequestro, em colaboração com a polícia local.
Sucintamente, a trama consistia em vigiar Battisti numa viagem que ele faria a uma cidade perto de uma fronteira para uma visita familiar.
Localizado o alvo, seria detido, levado para o outro lado da fronteira e deportado. O último contato entre diplomatas e policiais deve ter sido entre 3 e 5 de setembro. No entanto, nossa rede de proteção soube da manobra e a viagem para essa cidade brasileira foi cancelada.
Os representantes da cleptocracia italiana nos subestimaram mais uma vez. Embora os governos belicistas e mafiosos tenham excesso de dinheiro e poder, as organizações humanitárias possuem a lealdade de pessoas corajosas e eficientes.
Os membros das corporações mafio-fascistas deveriam aprender uma lição dada por um dos santos da Cosa Nostra: Michael Corleone. No filme O Poderoso Chefão 2, o personagem de Al Pacino, reunido com mafiosos na antiga Cuba, diz: “Os soldados são pagos, mas os revolucionários não são. Então eles podem vencer”.
Isto não impede, no entanto, que uma dose enorme de força bruta possa esmagar a razão e o direito, como acontece em numerosos conflitos sociais mundo afora.
Não sabemos qual será o desfecho, mas a rede de proteção em ambos os lados do Atlântico levará a luta até o final.
Também é necessário entender que o conflito durará muito mais tempo e que novas tentativas de crime (fantasiadas ou não de legalidade) serão feitas.
Fascismo, Máfia e Inquisição marcaram (no total), quase um milênio de História, baseada na vingança e na hipocrisia.
(Carlos Lungarzo)
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