quinta-feira, 30 de março de 2017

DALTON ROSADO: "UM INSTANTÂNEO DO GOLPE MILITAR DE 1964".

"Apesar de você, amanhã há de ser
outro dia..." (Chico Buarque)
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O golpe militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart, ocorreu dentro do contexto da chamada guerra fria. O bloco liderado pela União Soviética (e em menor escala pela China) rivalizava com os Estados Unidos e seus aliados na luta pela hegemonia político-econômica mundial.

A consolidação da revolução cubana de 1959, que se declarou marxista-leninista após derrubar o corrupto presidente Fulgêncio Batista (aliado dos EUA), foi ameaçada pelo patrocínio estadunidense aos mercenários de vários países e cubanos exilados, fornecendo-lhes infraestrutura militar para uma invasão e tentativa de deposição dos revolucionários. 

O episódio ocorreu em 1961 na Baía dos Porcos, noroeste da ilha cubana, saindo vitorioso o heroico povo cubano, que impôs uma fragorosa derrota aos invasores.

Logo após, em 1962, veio a crise dos mísseis soviéticos instalados em Cuba como resposta aos congêneres estadunidenses instalados na Turquia, quase desencadeando uma hecatombe nuclear cujo resultado seria um genocídio da humanidade sem precedentes. 
Invasão da Baía dos Porcos: fracasso total.

A equivalência de forças destrutivas fez com que as disputas acabassem circunscritas ao campo político, abortando, felizmente, a possibilidade de guerra nuclear. E uma das exigências soviéticas para retirarem os mísseis foi a de que os EUA se comprometessem a não tentarem mais derrubar pela força o regime cubano, cuja sobrevivência, a partir de então, deixou de ser diretamente ameaçada.

É neste quadro de disputa política mundial que o Brasil, um gigante sul-americano em extensão e população passou a ter importância estratégica para os Estados Unidos. Dependendo de para onde o Brasil se inclinasse, o controle da hegemonia político-econômica seria alterado nas Américas.     

O governo constitucional de João Goulart – herdeiro da antipatia estadunidense por Getúlio Vargas desde os tempos da 2ª guerra mundial, bem como da dos militares brasileiros que o depuseram em 1945 mas tiveram de engoli-lo com casca e nó em 1950, acabando por levá-lo ao suicídio em 1954 – estava condenado a priori. 

A influência que o Partido Comunista Brasileiro e as centrais sindicais passaram a ter com a assunção de Goulart ao governo após a renúncia do tresloucado presidente populista de direita Jânio Quadros (que condecorou Guevara), foi o ingrediente que somou a fome com a vontade de comer nessa estranha cozinha política mundial.


MOMENTOS FINAIS DO REGIME
 DEMOCRÁTICO DE PÓS-GUERRA
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João Goulart titubeou demais e depois não resistiu ao golpe
Os ministros militares, face à tensão política e crise econômica que se agravavam desde o início de 1964, solicitaram ao presidente a decretação do estado de sítio, para conter as turbulências em curso. Goulart encaminhou o pedido (sem arregimentar sua tropa parlamentar para a aprovação) ao Congresso Nacional, que o rejeitou. Era um jogo de cena de ambos os lados que já mediam forças. 

Diante disto, segmentos militares apoiados pela grande imprensa, pelas alas direitistas da Igreja e pelo grande empresariado nacional, com o sinal verde dos EUA (que não apenas disponibilizaram infraestrutura financeira e militar para os golpistas, mas também se comprometeram a, caso fosse necessário, desembarcarem tropas no Espírito Santo, que dali chegariam a Minas Gerais, onde contariam com o apoio do governador Magalhães Pinto) consolidaram a efetivação do golpe de estado. Não era coisa de pouca monta.     

Por seu turno os comunistas trombeteavam bravatas, dimensionando mal suas próprias forças, inferiores e desarticuladas. Luiz Carlos Prestes, principal dirigente do Partido Comunista Brasileiro, prometeu: "Se a reação levantar a cabeça, nós a cortaremos de imediato". Ficou o dito por não dito...
Na Central do Brasil, o princípio do fim.

O governo Goulart estava sitiado pelos governadores de São Paulo, Adhemar de Barros, apelidado de rouba-mas-faz; da Guanabara, Carlos Lacerda, também conhecido como o corvo; e de Minas Gerais, o banqueiro Magalhães Pinto. Ao contrário dos espantalhos que a direita utilizava para assustar a classe média, os movimentos sindicais e estudantis, bem como as Ligas Camponesas e os grupos dos 11 articulados pelo governador gaúcho Leonel Brizola, não tinham condições mínimas de prevalecerem num confronto militar. Daí sua não ter havido resistência real ao golpe. 

O povo, que na sua grande maioria sempre se posiciona em função da situação econômica momentânea, vivia as agruras da inflação alta e da queda do PIB, tornando-se presa fácil para a propaganda golpistas.

Em meio a isso tudo, os decretos governamentais que sacramentavam as chamadas reformas de base foram assinados em grande manifestação ocorrida na Central do Brasil (RJ), no dia 13 de março, com  a participação de mais de 100 mil pessoas. Foi a gota d´água que serviu de senha para o desencadear do golpe, mas que não refletia e realidade de apoio popular. A empedernida elite brasileira empresarial e política arregaçou as mangas para a briga. 

Estabeleceu-se um confronto de manifestações públicas de um lado e de outro (como a Marcha da família, com Deus, pela liberdade, que teve lugar em São Paulo, no dia 19 de março, unindo conservadores moderados e ultradireitistas), enquanto nos quartéis se lubrificavam os artefatos de guerra para um confronto anunciado. 

No dia 22 de março, generais da reserva (em número de 72) lançaram o manifesto Sentinelas Alertas, com o silencioso apoio dos generais da ativa, que serviu como chancela para as ações a serem perpetradas.
Quebra da hierarquia tangeu oficialidade para o golpe
No dia 25 de março, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, subalternos da Marinha, liderados pelo Cabo Anselmo (que mais tarde viria a ser desmascarado como agente infiltrado) promoveram uma manifestação em apoio ao Governo, em flagrante desacato à oficialidade elitista e reacionária daquela Arma. No dia seguinte os marujos foram presos e, posteriormente anistiados pelo presidente João Goulart. Estava explicitada a cisão militar nos escalões inferiores da soldadesca, mas sem firme consistência revolucionária. 

No dia 30 de março Goulart compareceu a uma festa promovida pela Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar no Automóvel Clube do Rio de Janeiro, juntamente com seus ministros Civis,  e na qual estavam presentes muitos militares. Ali proferiu forte discurso em defesa do seu governo e das reformas de base.

Chegara a hora da definição de rumos. 

Desencadeado o golpe, o presidente João Goulart tomou conhecimento da unidade das forças militares brasileiras e estadunidenses que haviam estacionado navios na costa brasileira (à distância de 50 a 12 milhas náuticas do porto da cidade de Vitória (ES), uma poderosa frota militar naval e aérea capaz de enfrentar resistência miliar de grandes proporções, nas chamadas Operação Brother Sam e Operação Popeye.
A família não sabia, mas marchava contra a liberdade...

Tratava-se de porta-aviões nucleares; destroiers; encouraçados; esquadrilha de aviões; e farta quantidade de combustível, veículos, armamentos e munições correspondentes, além de substancioso efetivo militar. 

Os movimentos militares foram deflagrados na madrugada de 31 de março pelo general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar que, precipitadamente (estava previsto para o dia seguinte), desencadeou o levante a partir de Juiz de Fora. Os demais comandos militares aderiram prontamente, como planejado. Não se registrou resistência significativa por parte do governo e dos movimentos populares.

Não aderindo ao apelo de resistência feito por seu cunhado Leonel Brizola, que era então deputado federal pela Guanabara, Goulart partiu para o exílio. Os militares se assenhorearam do poder político e passar a ditar as ordens. Até os seus apoiadores políticos civis no golpe (como Adhemar de Barros, Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek) sofreriam, posteriormente, as agruras do arbítrio).    

Assim fez-se noite em nosso viver, com a ascensão militar ao comando político do Estado, num golpe que se radicalizaria no final de 1968 com torturas, assassinatos e banimentos, e que perduraria por longos e tenebrosos 21 anos até se esvair na própria inconsistência. (por Dalton Rosado)

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