quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

SAMBA DOS PODERES DOIDOS: O SENADO PROTEGE PECULATÁRIO E O STF SE CURVA A CONVENIÊNCIA POLÍTICA.

Segundo um dicionário jurídico, peculato é "crime cometido pelo funcionário público contra a Administração Pública em geral", que se configura "quando o funcionário apropria-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão da função, ou o desvia em proveito próprio ou alheio".

No último dia 1º, por 8 votos contra 3, o pleno do Supremo Tribunal Federal considerou existirem motivos suficientes para o cidadão José Renan Vasconcelos Calheiros responder a processo por tal crime. 

A acusação: Calheiros era senador e destinou parte da verba indenizatória do Senado (destinada a despesas de gabinete) a uma locadora de veículos que, segundo a Procuradoria Geral da República, não prestou os serviços alegados. Tal locadora (Costa Dourada Veículos) era, como ele, alagoana. Os pagamentos foram feitos entre janeiro e julho de 2005. Em fevereiro de 2005 Calheiros se tornou presidente do Senado. Em agosto recebeu da Costa Dourado um empréstimo de R$ 178,1 mil.

Trata-se, contudo, de uma gota d'água no oceano, pois a trajetória de Calheiros é marcada por denúncias a granel, que se arrasta(ra)m por uma eternidade enquanto ele, belo e lampeiro, continua(va) ocupando altos cargos na República. Eis algumas dessas denúncias, segundo o valente Congresso em Foco:
  • utilização de documentos falsos para forjar uma renda com venda de gado em Alagoas e, assim, justificar gastos pessoais;
  • terceirização do pagamento de pensão à sua amante Mônica Veloso (relativa à filha resultante da relação), de R$ 16,5 mil mensais, que era efetuado pela empreiteira Mendes Júnior, a qual, por coincidência, recebeu R$ 13,2 milhões em emendas parlamentares de Calheiros, destinadas a uma obra no porto de Maceió;
  • pavimentação ilegal de uma estrada de 700 metros na estação ecológica Murici, no município alagoano de Flexeiras (Calheiros é proprietário da Agropecuária que, para facilitar o transporte de gado, contratou a obra);
  • tráfico de influência no Ministério das Comunicações, em fato relacionado com a compra de emissoras de rádios em nome de laranjas;
  • uso de sua cota de passagens aéreas do Senado em viagem de três personagens acusados de atuarem como seus laranjas em empresas de comunicação e na de um agricultor suspeito de fraudar venda de gado em seu benefício;
  • ter-se hospedado juntamente com a esposa, às custas do Senado, num spa de Gramado (RS)  que é considerado um dos melhores do mundo e cobrou R$ 22,2 mil pelo pacote anti-estresse; e
  • 12 investigações por corrupção ora em curso, oito das quais no âmbito da Operação Lava-Jato.
O Senado nos expôs a ridículo mundial quando, em 2007, aceitou que um senador flagrado em relações tão ilícitas e promíscuas com uma empreiteira pudesse safar-se apenas abrindo mão da presidência da casa, ou seja, entregando o anel para conservar o dedo (o mandato).

Humilhou-nos mais ainda em 2013, ao torná-lo novamente presidente.

E nos avacalhou de vez nesta semana, quando um ministro do STF honrou a toga e determinou seu afastamento da presidência. O Senado não só cerrou fileiras em defesa de um peculatário, como violou as leis brasileiras ao descumprir uma decisão judicial, que poderia ser contestada, mas nunca ignorada.

O pleno do Supremo, por sua vez, fez política em vez de Justiça: face ao temor de que o substituto de Calheiros, petista, utilizasse artifícios regimentais para protelar a segunda votação da chamada PEC do teto dos gastos públicos (cuja aprovação é tida pelo governo federal como essencial  para nossa economia voltar a crescer), insultou a inteligência de todos nós ao decidir-se por um contorcionismo jurídico, um mero jeitinho brasileiro, cuja verdadeira razão de ser foi manter Calheiros no cargo até dar a contribuição que dele se espera para o austericídio.

O presidente do Senado é o segundo nome da linha sucessória, caso a Presidência da República fique vaga. O próprio STF decidiu que um cidadão processado não pode permanecer na linha sucessória. Então, qualquer primeiranista de Direito percebe quão descabida é a gambiarra do Supremo: Calheiros ser excluído da linha sucessória, mas manter a presidência do Senado. 

Isto só faria se ele estivesse na linha sucessória como cidadão; mas ele lá está como presidente do Senado. Então, tendo se tornado inapto para cumprir uma das principais atribuições do cargo, tem de ser substituído por um senador sem tal limitação. 

Tais regras são institucionais e, portanto, não podem ser adequadas a situações pessoais, como o STF acaba de fazer.  

É algo tão elementar que, desta vez, até o caro Watson consegue chegar sozinho à conclusão, dispensando as explicações do Sherlock Holmes...
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Um comentário:

Anônimo disse...

Boa tarde Celso

Notei que não publica mais comentários ou estarei errado?

O afastamento do réu da linha sucessória nada tem a ver com a Constituição, foi apenas jogada dos ministros do STF para conseguirem popularidade com os coxas. Imagine uma situação: o vice-presidente eleito e empossado no cargo seria obrigado a renunciar, caso o STF aceitasse uma denúncia e iniciasse um julgamento? Perderia o cargo antes de ser condenado? Afinal o vice é o primeiro na linha sucessória...

P.S. Na minha opinião a existência de vices deveria ser abolida.

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