"A grande crise não foi dirimida pelo incremento de obras públicas – o New Deal, nos EUA – e sim pela militarização geral da
economia, bem como pela imensa destruição
de forças produtivas na 2ª Guerra."
(Mário Sérgio Conti, aqui)
Há uma história segundo a qual Alexandre, o grande, que viveu em 334 a.C, ao passar pelo reino da Frígia (Ásia menor), deparou-se com um desafio que durava séculos: acreditava-se que quem desatasse um determinado nó denominado de górdio, dominaria a região e o mundo. Ninguém conseguira tal feito.
Ele simplesmente desembainhou a sua espada e cortou o nó górdio, surpreendendo a todos e sendo aclamado como herói. Estava resolvido o impasse secular.
Alexandre resolveu o problema por pensar fora da caixa.
A questão que se coloca hoje para o povo brasileiro e para as populações mundiais, apavoradas com a crise do capitalismo que arrasta para a miséria, a fome e as guerras bilhões de pessoas em escala planetária, é aceitar (além das agruras impostas pelo capital via trabalho abstrato) o ajuste fiscal em nome da salvação do Estado, ainda que com a morte de muitos dos seus súditos.
Todos os argumentos para a aceitação do austericídio têm como premissa que, sem ele, as coisas vão piorar. Os argumentos são lógicos, irrefutáveis, pois consistem na escolha entre o ruim e o pior.
Impõem-nos uma escolha aparentemente inescapável, como no conto de William Styron que narra o dilema de Sofia, uma mãe polaca presa num campo de concentração durante a 2ª Guerra e que é forçada por um soldado nazista a escolher um de seus dois filhos para ser morto. Se ela se recusasse, ambos seriam executados.
Faz lembrar nossa situação atual, ameaçados pelo pacote de maldades contra os direitos do povo que nos querem impor e suportando agruras a desabarem incessantemente sobre nós:
- redução de aposentadorias e aumento do tempo de contribuição para obtê-las como resposta ao propalado déficit da previdência social, com prenúncio de colapso futuro caso as medidas restritivas não sejam tomadas;
- redução de aposentadorias e aumento do tempo de contribuição para obtê-las como resposta ao propalado déficit da previdência social, com prenúncio de colapso futuro caso as medidas restritivas não sejam tomadas;
- precárias condições de atendimento médico pelo Sistema Único de Saúde (e até dos caros planos de saúde privados);
- baixo nível de aprendizado desde as condições materiais das escolas, passando pelos salários aviltados dos professores e terminando num conteúdo educacional que positiva a opressão sistêmica capitalista como virtuosa;
- taxas exorbitantes de juros (são de 450% no cartão de crédito do Banco do Brasil, para uma inflação prevista de aproximadamente 7% ao ano);
- alta carga tributária e bitributação, na medida em que se paga para a obtenção dos serviços públicos que deveriam ser gratuitos;
- desvio de verbas públicas em licitações fraudadas para a aprovação de empreendimentos imperfeitos, que nunca cumprem os prazos estipulados e têm custos acima do mercado (afora as obras fantasmas, pelas quais pagamos mas nunca aparecem);
- desvio de verbas públicas em licitações fraudadas para a aprovação de empreendimentos imperfeitos, que nunca cumprem os prazos estipulados e têm custos acima do mercado (afora as obras fantasmas, pelas quais pagamos mas nunca aparecem);
- pavimentação de ruas e esgotamentos sanitários de qualidade sofrível ou inexistentes;
- descaso na prevenção de endemias, deixando-as proliferarem-se (casos da Zica, que se tornou uma nova tragédia humana; da Chikungunya; da volta do crescimento da Aids; da hanseníase; e da tuberculose, entre outras;
- descaso na prevenção de endemias, deixando-as proliferarem-se (casos da Zica, que se tornou uma nova tragédia humana; da Chikungunya; da volta do crescimento da Aids; da hanseníase; e da tuberculose, entre outras;
- de serviços públicos ineficientes, como iluminação pública, coleta de lixo, etc., etc., etc.;
- de um nível de violência urbana capaz de tornar o mais violento filme de spaghetti western o equivalente à paz de um convento de monges;
E isso tudo sem contar os baixos salários e o desemprego na casa de quase 12% da mão-de-obra economicamente ativa.
Mas, devemos reagir a esta escolha de Sofia que o capitalismo e seus segmentos mantenedores (o Estado e a política) nos apresentam da mesma forma que Alexandre Magno: pensando fora da caixa, sem engolirmos passivamente a cantilena do austericídio.
Pensar fora da caixa significa indagar:
- por que, ao invés de aceitarmos a lógica do vão-se os anéis e fiquem os dedos, não questionamos a própria lógica que nos impõe tal situação? O impasse poderia, então, ser solucionado a partir de um modo de relação social solidária, que superasse a gênese do sacrifício que nos é imposto e que fosse coletivamente construtivo, sem a interveniência nociva das regras econômicas que estabelecem critérios rígidos e desumanos de viabilidade econômica. Por que não contemplarmos tal possibilidade?
- por que nos submetermos a uma nova escolha de Sófia, resignando-nos à lógica de que o sistema deva ser salvo de qualquer maneira, inclusive com a morte de parte dos seus súditos?
- por que, ao invés de mendigarmos a melhora das pensões previdenciárias (que não virá, até porque a tendência é de que elas sejam reduzidas ainda mais), hoje mal cobrindo as despesas médicas dos previdenciários idosos, que ainda precisam custear todas as despesas pessoais, nós não formulamos propostas de inclusão solidária a partir de um modo de produção fora do mercado e no qual possam ser satisfeitas todas essas carências que ora se aprofundam?
- por que, ao invés de sacralizarmos e sustentarmos instituições falidas e corruptas que ora se digladiam num espetáculo circense de quinta categoria, nós não nos rebelamos e criamos uma forma de organização popular horizontalizada e que não exista para dar sustentação a uma forma de relação social subtrativa da riqueza produzida coletivamente, mas que, pelo contrário, esteja voltada para a satisfação das necessidades de consumo material e imaterial de todos?
- por que, ao invés de clamarmos por mais empregos e melhoras salariais que não virão, nós não superamos esse forma de produção, desempregando o desemprego e criando oportunidades de contribuição dos indivíduos sociais a partir de iniciativas de produção de bens e serviços fora do mercado, que satisfaçam as carências de consumo social de modo solidário, fraterno e socialmente inclusivo?
Não devemos ter medo de perder o que apenas queremos ter e não temos, mas devemos nos desapegar do que temos e não nos serve.
Precisamos desatar o nó górdio que nos aprisiona o pensar, cortando-o com a espada da consciência capaz de formatar uma relação social emancipadora, de modo a não termos sempre de nos posicionar, como na escolha de Sofia, entre o ruim e o péssimo.
Fora o austericídio!!! (Dalton Rosado)
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