segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O ESVAZIAMENTO DA DEMOCRACIA BURGUESA EM QUESTÃO

PREÇO DO IMPEACHMENT 
É PAGO EM DEMOCRACIA
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Por Celso Rocha de Barros
Em Ruling the void, publicado postumamente em 2013, o cientista político irlandês Peter Mair identificou sinais preocupantes de esvaziamento da política de massas moderna. O comparecimento eleitoral e a identificação com partidos políticos (incluindo as filiações) diminuíram em vários países desenvolvidos. 

Alguns dos grupos que antes eram claramente representados por partidos –como o operariado industrial pelos partidos de esquerda– se tornaram menores, ou mais complexos, tornando difícil até descobrir o que, exatamente, os partidos deveriam estar representando.

Enquanto o eleitorado se afastava dos políticos, os políticos também se afastavam do eleitorado. Uma série de decisões políticas cruciais foi afastada do jogo partidário, entregues a órgãos técnicos ou a organizações internacionais (FMI, União Europeia, etc.). Pode haver um ganho de eficiência nisso, mas há também perda de representatividade. Há o risco de nos vermos diante da escolha entre populistas que dizem nos representar e quadros técnicos que se dizem apolíticos.

Diante disso, Mair alerta para o risco da Síndrome de Tocqueville. Segundo Alexis de Tocqueville, o desprezo pela nobreza na França pré-revolucionária se explicava pela sua perda de função: a nobreza, em um período anterior, desempenhara atividades ligadas à guerra, à administração da justiça etc. Mas, às vésperas da Revolução, já não tinha uma função prática muito evidente. Isso tornava seus privilégios muito menos toleráveis. Políticos que não fazem diferença podem gerar na população o mesmo sentimento.

Mair morreu em 2011. Nos anos mais recentes, efeitos ruins da crise de representatividade que identificou parecem evidentes. Houve uma ascensão de partidos populistas ao redor do mundo, inclusive nas democracias desenvolvidas, que pareciam imunes ao fenômeno. Há poucos anos, fenômenos como a candidatura Trump nos Estados Unidos, a vitória do Brexit ou o crescimento de Marine Le Pen na França seriam impensáveis. 

Houve viradas autoritárias na Hungria, na Polônia, e, mais dramaticamente, na Turquia e na Venezuela. Mesmo democracias periféricas robustas, como o Chile, experimentaram ondas de protestos e declínio do grau de identificação com os principais partidos.

Pensemos agora no Brasil, em quem você provavelmente já estava pensando desde o primeiro parágrafo. Desde 2014, houve um estelionato eleitoral e uma troca de presidente por manobra parlamentar, com a ascensão ao poder do grupo derrotado na eleição anterior. Isso não foi ilegal, mas está longe de ser o business as usual da democracia. Constitui, aliás, a diferença mais gritante do impeachment de 2016 com o de 1992: Itamar não aplicou uma versão radical do programa com que Lula perdeu em 1989.

Você tem todo direito de achar o processo em curso bom ou, ao menos, necessário, mas, mesmo se for o caso, é preciso reconhecer que um preço está sendo pago em democracia. Não conseguimos negociar um ajuste fiscal eleitoralmente aceitável: isto foi, indiscutivelmente, um fracasso.

Quanto aos políticos brasileiros, é bom que tomem cuidado com a Síndrome de Tocqueville. Até porque, diga-se o que quiser da aristocracia francesa, ela não estava prestes a ser delatada pela Odebrecht em 1789.
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DEMOCRACIA OU 'FARSOCRACIA'?
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O pitaco do editor
Toca em pontos interessantes o artigo de Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford e analista do Banco Central. Apesar do seu ponto de partida ser bem diferente do meu e do de Dalton Rosado, acaba chegando no mesmíssimo lugar: a democracia burguesa hoje não passa da embalagem vistosa que o capital adota para dourar a pílula da imposição peremptória dos seus interesses à plebe ignara (nós). 

Ele não anuncia tal conclusão com a mesma clareza de nós dois, mas seria pedir demais a um schoolar...

O dominante poder econômico manda e desmanda enquanto o satelizado poder político encena tempestades de som e fúria significando nada

Mesmo os pontos fora de curva citados por meu xará são apenas transtornos passageiros: Trump marcha para acachapante derrota, o Brexit só venceu porque os ingleses sempre preferiram atrelar-se aos EUA do que integrar-se à Europa, Marine Le Pen também não irá longe e as "viradas autoritárias" são o outro lado da moeda nos países em que vige a exploração do homem pelo homem, pouco importando se adotam retórica política de esquerda ou de direita (uma face da moeda mostra o sorriso cínico dos megaempresários e a outra, a carranca obtusa dos generais).

É alvissareiro que a ficha comece a cair para os governados. Antes buscarem a superação do nefando sistema atual (que perpetua a desigualdade social e causa danos ambientais terríveis em função da ganância), mesmo havendo risco de a procurarem nos lugares errados, do que permanecerem eternamente deitados no berço esplêndido das ilusões democráticas –as quais, tanto quanto o próprio capitalismo, estão desmanchando no ar.

E, quanto aos dramas brasileiros recentes, Rocha de Barros foi ao fulcro do problema:
  • a lógica capitalista impunha (e o grande empresariado exigia) um arrocho fiscal no Brasil;
  • Dilma Rousseff cometeu estelionato eleitoral ao negar de pés juntos, durante sua campanha à reeleição, que estava tão decidida a curvar-se à vontade dos mandachuvas quanto Marina Silva e Aécio Neves;
  • mas, por força de ter prometido o contrário e de estar tentando aplicar um receituário econômico odioso e odiado, que comprometeria as chances eleitorais dos partidos de sua base de apoio em pleitos vindouros, não conseguiu entregar o que os donos do Brasil dela cobravam;
  • a paciência destes se esgotou no final de 2015 e eles passaram em 2016 a apoiar a troca de Dilma por um presidente que fizesse direitinho a lição de casa.
Uma pergunta indiscreta ao Rocha de Barros: se "um preço está sendo pago em democracia" por não termos conseguido "negociar um ajuste fiscal eleitoralmente aceitável", depreende-se que vivemos, isto sim, numa farsocracia, pois ele subentende que o arrocho fiscal teria de vir de qualquer jeito

Era preferível que o eleitorado o engolisse sem chiar, mas, como isto não ocorreu, sobreveio o impeachment e o tal ônus à democracia. Se o impeachment não tivesse resultado, as vivandeiras decerto bateriam às portas dos quartéis, como em 1964.

Chamar isso de democracia é uma ofensa à nossa inteligência. 

5 comentários:

Anônimo disse...

Indo ou vindo, não importa, onde estava Rocha de Barros. Não entendi uma coisa. Celso responda-me:

Se a questão fundamental para a defenestração de Dilma da presidência foi a sua incapacidade em entregar o que era exigido dela, pelos verdadeiros dono do poder,

"...não conseguiu entregar o que os donos do Brasil dela cobravam;
a paciência destes se esgotou no final de 2015 e eles passaram em 2016 a apoiar a troca de Dilma por um presidente que concretizasse verdadeiramente o arrocho, concretizando facilmente seu intento."

então realmente tivemos um golpe de Estado, com verniz político-judicial e não borrado em verde-oliva, ao contrário do que disseste durante todo o processo?

celsolungaretti disse...

JORGE,

O QUE EU DISSE DURANTE TODO O PROCESSO É QUE HAVIA EMBASAMENTO CONSTITUCIONAL PARA O IMPEACHMENT, E HÁ. A MAQUILAGEM ILEGAL DAS CONTAS PÚBLICAS, PARA ESCONDER DO ELEITORADO SEU ABSOLUTO DESCONTROLE, É MOTIVO SUFICIENTE PARA O IMPEDIMENTO.

O FATO É QUE AS TAIS PEDALADAS FISCAIS JÁ ERAM CONHECIDAS DESDE VÁRIOS MESES ATRÁS E O GRANDE CAPITAL AINDA NÃO TINHA DECIDIDO DAR O BILHETE AZUL PARA A DILMA. QUANDO OS QUE REALMENTE MANDAM DESISTIRAM DELA, COLOCARAM O TREM DO IMPEACHMENT NOS TRILHOS.

GOLPE? ISTO PARECENDO MAIS AQUELA TENTATIVA DO FLUMINENSE DE ANULAR A PARTIDA CONTRA O FLAMENGO PORQUE O JUIZ DEIXOU DE VALIDAR UM GOL IMPEDIDO POR "INTERFERÊNCIA EXTERNA".

A "INTERFERÊNCIA EXTERNA" EXISTIU DOS DOIS LADOS, CASO CONTRÁRIO O EDUARDO CUNHA TERIA ABERTO O PROCESSO MUITO ANTES. O PAPEL DE UM PRESIDENTE DA CÂMARA ERA ESSE, NÃO O DE SENTAR EM CIMA DOS PEDIDOS DE IMPEACHMENT E UTILIZÁ-LOS COMO MOEDA DE TROCA.

O PESO DO GOVERNO E DA CANETA PRESIDENCIAL EVITARAM QUE O IMPEACHMENT AVANÇASSE, NO COMEÇO. DEPOIS, QUANDO O GRANDE CAPITAL DECIDIU IR NESSA DIREÇÃO, UM VALOR MAIS ALTO SE ALEVANTOU (COMO DIRIA O CAMÕES) E DECIDIU A PARADA. O RESTO NÃO PASSA DE CHORORÔ.

EU TAMBÉM SEMPRE DISSE QUE A DILMA MERECIA SER IMPICHADA NÃO APENAS PELA MAQUILAGEM DAS CONTAS PÚBLICAS, MAS, PRINCIPALMENTE, PELO ESTELIONATO ELEITORAL EM SI QUE COMETEU, POIS ELA GANHOU UMA ELEIÇÃO FAZENDO TODOS OS ELEITORES BRASILEIROS DE OTÁRIOS. ISSO, PARA QUEM TEM MIOLOS FUNCIONANDO, É MUITO MAIS GRAVE DO QUE AS PEDALADAS.

E QUE, INDEPENDENTEMENTE DO BLABLABLÁ DOS JURISTAS, O IMPEACHMENT TERIA MESMO DE ACONTECER PORQUE A DILMA SIMPLESMENTE DESISTIRA DE GOVERNAR. ESTAVA DE BRAÇOS CRUZADOS, SEM TOMAR INICIATIVA NENHUMA PARA QUE IMPEDIR QUE A RECESSÃO EVOLUÍSSE PARA DEPRESSÃO. NÃO SE PASSARIAM 6 MESES SEM QUE SEU IMOBILISMO OMISSO GERASSE UM GOLPE DE ESTADO DE VERDADE. SAÍMOS NO LUCRO.

SF disse...

"uma face da moeda mostra o sorriso cínico dos megaempresários e a outra, a carranca obtusa dos generais".
Grande frase Celso!
Acredito que você foi alêm do mero "pitaco".
Complementou o texto do cara.

Anônimo disse...

A Dilma cometeu uma série de burrices. A primeira foi o desaparecimento posterior ao segundo turno, imitando outro animal. Enfiou a cara na areia e deixou a bunda levantada, por longos três meses. Depois a nomeação de Joaquim Levy, o incompetente galopante. A manutenção do Zé Cardoso, o asno republicano, no ministério da justiça, também foi outra. Estas são apenas algumas que a acoelhada presidente protagonizou. O coração valente derreteu e se resignou a ser enxovalhada, tanto pelos neoudenistas quanto por seus colegas de profissão, pelo menos aqueles que ainda servem as famiglias. As esquerdas em geral, principalmente o PT, demonstraram que quando o bicho pega são péssimos de rua. Aí a merda já estava feita. Porém,...

A união de interesses da casta togada, do juiz de primeira instância ao supremos ministros, jogou o Brasil na ciranda desses reizinhos filósofos. Nunca o judiciário foi tão poderoso no Brasil, tendo aos seus pés o executivo e o legislativo. Sem falar no contubérnio com os outros bacharéis da república. Vendo a oportunidade do momento, o estamento de sempre, investiu no quanto pior melhor. Os fundamentos econômicos, ao final de 2014, demonstravam uma pequena recessão em 2015/2016 (caso partisse para o ajuste ortodoxo pelos cascos do Levy, em condições políticas normais), ou uma estagnação nos dois anos seguintes, neste caso optando pela manutenção das políticas sociais, de incentivo econômico e manutenção dos ganhos materiais (pequenos) acumulados pelos trabalhadores nos anos anteriores. Sem precisa praticar uma ruptura.

A perda econômica acumulada neste biênio só encontra paralelo em países que sofreram: fortes crises bancárias; do balanço externo de pagamentos; submetidos à severas sanções econômicas ou grave desordem financeira do poder público. O percentual das famosas pedaladas em 2014 foi inferior a 1% do PIB. Projetando para 2015, nos dois cenários citados no parágrafo anterior, o mesmo percentual. Em ambos os casos com perspectiva da retomada do crescimento em 2017, sobre uma base bem maior. A evolução da recessão para depressão ocorreu à revelia da Dilma, qualquer medida que tomasse, após a sucessão de asneiras políticas dela e do PT entre outubro/2014 e março/2014, não surtiriam efeitos. O aprofundamento da crise política que fez a economia ruir. A responsabilidade pode sim ser imputada a ex-presidente e ao seu partido, por não terem partido para o jogo político de quem pretende algo, além da mera manutenção do governo.

celsolungaretti disse...

Jorge, você deve lembrar-se de que, em setembro de 2014, eu já alertava que, se o governo do PT atendesse à insistente exigência de ajuste fiscal por parte do grande empresariado, cairia na mesmíssima armadilha do João Goulart, cujos ministros da Fazenda de orientação capitalista não conseguiram aplicar suas políticas porque o Leonel Brizola e o PCB os sabotavam, acabando por desistir.

Eu sei que a História nem sempre se repete, mas neste caso específico eu tinha certeza absoluta de que o MST, o MTST, a UNE e a CUT puxariam o tapete de qualquer direitista que a Dilma botasse no Ministério da Fazenda para atender ao grande capital --mesmo que não fosse um tão medíocre como o Joaquim Levy (quando seu nome foi anunciado, dei-me ao trabalho de verificar qual o peso dele no organograma do Bradesco: havia no mínimo QUINZE diretorias mais importantes!).

Foi chocante para mim constatar que a Dilma ignorava totalmente algo ocorrido num período da História do Brasil que todo esquerdista da nossa geração tinha obrigação de conhecer bem. O ano em que ela manteve o Joaquim Levy como o czar da economia (2015) foi o ano em que ela perdeu de forma irremediável o controle da situação. O governo dela entrou em 2016 como um barco à deriva e só poderia mesmo ir a pique.

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