Por Dalton Rosado |
A história nos mostra que os salvadores da pátria nada mais são do que personalidades criadas e cultuadas a partir de uma determinada conjuntura desfavorável, na qual se estabelece o mito da capacidade individual e personalíssima de reversão das dificuldades existentes; uma espécie de guia iluminado. A emancipação humana é conceito de horizontalidade, de coletivismo, de conjunto, e deve prescindir dos guias iluminados.
A esperança do surgimento do Messias salvador (não confundir com o Bessias assessor...) está assentada no início do surgimento da segunda natureza humana, também conhecida como era da razão, na qual os seres humanos passaram à elaboração do pensar para comandar o seu agir, ainda que estse pensar primitivo, em formação, comumente pudesse levá-lo à negação da própria racionalidade. Estamos ainda no estágio de uma racionalidade inferior, como decorrência da fusão entre os resquícios de uma primeira natureza humana (irracional), e uma segunda natureza humana (racional, mas ainda em evolução).
Os sintomas do estágio inferior desta segunda natureza humana se manifestam na crença de que a solução dos nossos problemas dependa da ação externa de alguém, e daí transferirmos para o Estado e o seu segmento político a condução dos nossos destinos, numa transferência das responsabilidades que são nossas. A aceitação do engodo da democracia representativa como algo bom é a explicitação desse fenômeno.
Após a 1ª guerra mundial veio a depressão capitalista de 1929/30, uma decorrência das ebulições causadas pela segunda revolução industrial (também conhecida como revolução fordista), com seus modernos critérios de produtividade de mercadorias), e o mundo se viu face à disputa de hegemonia econômica entre estados nacionais.
Pintura mostrando Hitler no início de sua trajetória |
A Alemanha, humilhada após a guerra de 1914/1918 e amargando as condições draconianas que os vencedores lhe impuseram, com a agravante de que estava em curso a primeira crise econômica mundial, deu azo à criação do nazismo, doutrina político-militar que tinha como bandeira a restauração da supremacia ariana sob o disfarce da restauração da dignidade nacional alemã.
A melhora das condições econômicas da Alemanha, graças à sua reconhecida capacidade de produção tecnológica, caiu como luva nos conceitos capitalistas prevalecentes da segunda revolução industrial e um oportunista salvador da pátria, Hitler, foi alçado ao comando supremo da nação, com a ajuda do capital industrial (não devemos esquecer que o próprio Ford e muitos outros industriais tinham admirações pelo führer e seus métodos). Deu no que deu.
Do outro lado, o marxismo-leninismo revolucionário vitorioso inaugurou na Rússia czarista atrasada e devastada pela 1ª guerra mundial a entronização do capitalismo de estado sob o disfarce de uma pátria com isonomia de direitos ao seu povo, mas que nada mais foi do que o fechamento de suas fronteiras para fazer frente ao capitalismo liberal burguês internacional, somente possível graças às suas dimensões continentais.
Tal hibrido do marxismo posteriormente negou o pensamento marxiano mais consequente e, embora tenha colhido êxitos iniciais importantes (tirando a Rússia do atraso czarista e tornando possível o enfrentamento eficaz da invasão nazista do leste europeu na 2ª guerra mundial), gerou também, no seu bojo, Josef Stalin, outro tirano salvador da pátria, idolatrado como guia genial dos povos por seus áulicos e responsável pela morte de milhões de verdadeiros revolucionários russos (bolcheviques e mencheviques), vitimas de perseguições políticas.
Idolatria a Stalin, o exterminador da velha guarda bolchevique |
O resultado final foi o estuário natural da negação aos postulados marxianos e a capitulação à economia de mercado internacional, dando sequência ao capitalismo de estado intramuros.
Fiquemos apenas com esses dois exemplos mais recentes: Hitler e Stalin, como prenúncio do que pode vir a seguir.
A crise atual do capitalismo não é coisa de pouca monta; tem uma natureza diferenciada das anteriores e é muito mais complexa e abrangente. Os números negativos da economia mundial estão deixando perplexos os grandes gestores das finanças planetárias, que conhecem muito bem o significado dos impasses intransponíveis que se avolumam sob a lógica capitalista.
A prevalecerem os critérios da lógica econômica do capital, a humanidade poderá ser tragada por salvadores da pátria do tipo Donald Trump, nos EUA; da jovem direitista Frankie Petry, do Partido Alternativa para a Alemanha, para quem os refugiados merecem ser tratados a tiros; do ultradireitista inglês Nigel Farage, do Partido da Independência do Reino Unido; do ultranacionalista francês Le Pen, (que considera o Holocausto apenas um detalhe na 2ª guerra mundial; e por aí vai.
Muitos preveem um governo fascistoide caso Trump vença |
A instabilidade se alastra. A Síria, a Turquia, a Ucrânia e nações atingidas pela chamada primavera árabe, além de vários países asiáticos, mostram vieses ditatoriais como consequência da a ebulição da crise econômica mundial. E crescem as revoltas do fundamentalismo religioso do tipo Estado Islâmico, Al Qaeda e Boko Haram.
O mundo ferve em conflitos nacionalistas e barbárie urbana (vide a escalada das mortes por assassinatos no Brasil).
Aos revolucionários emancipacionistas, cabe o alerta contra a passividade diante do crescimento disso tudo e das posturas conservadoras dos salvadores da pátria que, com o discurso demagógico da retomada do estado do bem-estar social perdido, conseguem cooptar as vítimas da degringola em curso.
Estas continuam sendo iludidas, pois estão desesperadas e têm saudades do período de expansão do sistema produtor de mercadorias (que sempre foi gerido por esses mesmos títeres, verdadeiros lobos em peles de cordeiros). Ao invés de apontar o caminho do futuro, eles pregam a volta a um passado que deve e merece ser sepultado.
Não é por menos que, no Brasil, figuras como Jair Bolsonaro, Ronaldo Caiado e cientistas políticos ultradireitistas ocupam cada vez mais espaços, enquanto vários comentaristas agora sentem-se confortáveis ao fazerem a defesa pública dos inclementes postulados conservadores, os quais, aliás, nunca foram eliminados da estrutura econômica e fundiária do Brasil.
Bolsonaro dialogando com o franzino senador Randolfe |
O medo e a passividade, aliada à aceitação do discurso agressivo dos salvadores da pátria (sempre hábeis em encobrir suas pretensões inconfessáveis com o manto do nacionalismo intolerante, xenófobo e racista), permitiram o avanço de ideologias segregacionistas como a que levou ao extermínio nos campos de concentração milhões de judeus, ciganos, socialistas, homossexuais e prisioneiros de guerra de várias nacionalidades, vítimas dos genocídios da ultradireita.
Como antídoto artístico, termino este artigo citando um longo trecho da conhecida poesia de Eduardo Alves da Costa, mais atual do que nunca, intitulada No caminho, com Maiakóvski, por alguns atribuída erroneamente a Brecht. Diz:
"Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão e não dizemos nada.
Até que, um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm, a ninguém é dado repousar a cabeça, alheia ao terror. Os humildes baixam a cerviz: e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos".
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