domingo, 25 de setembro de 2016

BANDEIRAS REFORMISTAS x BANDEIRAS REVOLUCIONÁRIAS

"Não há entrada já aberta para a ciência e 
só aqueles que não temem a fadiga de 
galgar suas escarpas abruptas é que 
têm a chance de chegar aos seus
cimos luminosos" (Karl Marx)
A única possibilidade de contraposição à crise político-econômica que se abate sobre o Brasil e o mundo é a negação das categorias capitalistas fundantes, quais sejam:
– a forma-valor (dinheiro e mercadorias), trabalho abstrato e mercado, que em seu conjunto constituem o sistema produtor de mercadorias e o sistema financeiro; 
– o Estado e política. 
Qualquer outra postura é inócua em longo prazo no confronto com as posturas conservadoras dos que querem manter os seus privilégios excludentes, auxiliados pelos seus eternos servos voluntários (os quais se contentam em apanhar as migalhas caídas das mesas dos primeiros, e que ainda são muitos, conforme se constata nas pesquisas de intenção de voto das eleições municipais).

Os conservadores, que defendem a lógica capitalista de modo mais declarado, são os nossos adversários históricos, e estão sempre a tentar renovar as cores de suas bandeiras cada vez mais desbotadas. Cumprem seus papeis segregacionistas de sempre, embora a crise econômica venha deles retirando a máscara de benfeitores sociais; suas posturas inumanas já não passam despercebidas. 

Mas isto não implica inibição das atitudes dos conservadores, eternos viúvos de um passado que lhes foi factível e que agora chega ao esgotamento. Pelo contrário, encastelam-se em suas posições defensivas, dispostos a tudo para preservarem os privilégios que detêm; bradam alto, erguem suas bandeiras nacionalistas; e se fecham nos seus círculos de poder econômico excludente. 

A nós cabe combatê-los firmemente, ainda mais agora, quando os seus postulados se evidenciam como inconsistentes pela crise dos próprios fundamentos daquilo que defendem – o capital.   

Enquanto isto é axiomático, uma questão em aberto é a de quais sejam as bandeiras realmente capazes de emancipar a humanidade da sua escravidão milenar, pois, como disse Geraldo Vandré, “quem sabe faz a hora, não esperar acontecer”.

Como estamos no Brasil, vamos discorrer sobre o nosso posicionamento revolucionário em contraponto às propostas reformistas, posto que estas últimas terminam sempre por ser o estuário natural do nosso fracasso e da reafirmação das posturas conservadoras.  Vejamos algumas delas.

FORA TEMER OU FORA TUDO E FORA TODOS?

O processo eleitoral capitalista é uma farsa, na qual o povo é chamado para legitimar o que está posto numa encenação de escolha soberana, pois faz sua opção dentre aquilo que já foi previamente escolhido: uma ordem constitucional formatada a serviço do capitalismo, modo de mediação social segregacionista que agora atinge o seu ponto de exaustão.  

Vai daí que os partidos políticos (os quais, por assim se denominarem, já estão enquadrados na moldura do capital, ainda que se intitulem socialistas, sociais-democratas, trabalhistas, comunistas ou o diabo que os carregue) terminaram por entronizar um político sem peso eleitoral, conhecido articulador de conchavos parlamentares, antigo membro de governos de direita, na Presidência da República: Michel Temer, o Presidente Temerário

Aliás, foi uma reprise do ocorrido no Brasil em 1985, quando aquele que até poucos meses antes presidia o partido da ditadura militar (o PDS – Partido Democrático Social, sucessor da desgastada Arena – Aliança Renovadora Nacional), José Sarney, terminou por ser presidente da República pelo partido de oposição ao regime militar.  Por coincidência tal partido era o mesmo PMDB de Temer; e Sarney, outro vice que um acaso (a morte de Tancredo Neves) fez envergar a faixa presidencial.

A questão não é retirar Temer do poder e empossar outro títere do capital, mas combater o próprio poder, ainda que isto leve tempo e custe lutas renhidas. 

O que Lula e Dilma fizeram no sentido de superarmos o capitalismo? Absolutamente nada. Pelo contrário, com suas políticas assistencialistas e de conciliação com empresários (que agora lhes apontam os dedos sujos), causaram tal desalento nas consciências populares que salvadores da pátria como Russomanno e outros demagogos rasteiros têm reais chances eleitorais. 

É por estas e por outras que, ao invés de Fora Temer!, devemos bradar Fora todos! e Fora tudo!, além de Não ao voto!.

A LUTA CONTRA A RESTRIÇÃO DE
DIREITOS E SEUS REAIS SIGNIFICADOS 

Um panfleto elaborado pela Central Única dos Trabalhadores contém reivindicações contra a Proposta de Emenda à Constituição nº 241,  que limita os investimentos públicos por 20 anos; contra a Projeto de Lei Complementar nº 257, que limita os gastos nos serviços públicos ao ano fiscal imediatamente anterior; contra a proibição de aumento real do salário mínimo; contra a reforma da Previdência Social; e contra a reforma trabalhista. 

Neste artigo recente, defendi bandeiras populares e públicas contra a restrição de direitos pelo governo. Mas fi-lo no sentido de denunciar a falência do capitalismo e, consequentemente, do Estado, explicitada através dos atos administrativos dos gestores políticos. 

Qualquer um que esteja no governo será refém da lógica econômica em depressão. Dilma Rousseff e seus ministros da área econômica também defendiam tais medidas como parte integrante do ajuste fiscal, como agora ocorre com Michel Temer. Esta é a diferença entre a minha postura e a da CUT.
A não aceitação de medidas restritivas de direitos não deve se dar por meio de bandeiras que impliquem a reivindicação de maior presença do Estado e entronização no poder de alguém que pretensamente tenha compromisso com a emancipação humana. 

Quem se propõe a ocupar o poder político constitucional capitalista e, como consequência, governar sob a lógica do capital, é implicitamente obrigado a negar o interesse popular que o elegeu, sob pena de ser defenestrado do poder por mecanismos institucionais vários, pois ao governante não é dada soberania de vontade. Ele não governa, mas é governado. Tal qual um surfista, ele se equilibra na onda para chegar à praia, mas não modifica a natureza da onda.        

É pura ingenuidade; saudosismo do extinto estado do bem-estar social; ou mero reformismo político demagógico a defesa dos direitos civis e trabalhistas sem que se alerte o povo para a realidade econômica falimentar do Estado e a inconsequência da sua manutenção e das categorias capitalistas que sustentam as causas do infortúnio social capitalista. Tal propósito não é tarefa fácil, mas se trata de uma denúncia indispensável. 

As reivindicações como retomada do pleno emprego; aumento salarial; e outras bandeiras impossíveis de serem atendidas, e mesmo formuladas fora da crítica categorial capitalista, são uma enganação da consciência popular, pois apenas terminam clamando por mais capitalismo, ou seja, equivalem a pedir que a causa da enfermidade cure a enfermidade. (por Dalton Rosado)

5 comentários:

Mauro Julio disse...

Não existe poder justo e nem existirá. Fato.
Todo poder é criado e exercido por homens e onde tem homens....

Sou cético e não me iludo com nenhuma forma de estado. Por mim, ele nem existiria.
Não acredito nem em mim mesmo , quanto mais nos outros.
A mente mente.
Busco fatos concretos, que começam com interação do corpo com a realidade presente, passando pelos descritos em livros de ciências exatas, que nos conduzem ao óbvio.
Um desses fatos é que não existe almoço de graça.
Numa consideração pura podemos dizer que as riquezas vêm da produção de mercadorias e todos que nela estão envolvidos são trabalhadores: empresários e operários. Um não existe sem o outro. Os salários variam de acordo com a produtividade de cada um: coisa natural que poderíamos chamar de mérito técnico. Tão natural, que se não fosse assim contrataríamos qualquer pessoa sem este mérito técnico para construir uma casa para nós. Quando ela caísse em cima de nós já seria tarde para aprendermos essa boa e velha lição da natureza.
Contudo, como há estado, existe o tal trabalho abstrato em que seu burocrata ganha mais que o verdadeiro produtor de riquezas que é o empresário e o operário e encarece a mercadoria.
Só para citar um exemplo, o marido de Marieta Severo, na TV Brasil, do nosso "maravilhoso" estado, ganhava 96 mil reais para ir lá uma vez por semana. Quantos empresários da pequena ou até média empresa ganha isso?
Abraços, Dalton.

celsolungaretti disse...

RESPOSTA ENVIADA PELO DALTON:

Caro Mauro,

há, na sua abordagem, conceituações convergentes com as que eu venho defendendo, mas há, também, confusões conceituais e contradições que gostaria de esclarecer:

a) concordo que não existe poder justo, e todo poder é fonte de corrupção e opressão. Justamente por isso que sou contra toda espécie de poder;

b) Todo poder estatal é despótico e corrupto. Por isso sou contra o Estado (até porque o Estado moderno é cria da exploração do capital);

c) A expressão "não existe almoço grátis" (Milton Friedman), quis se referir à lógica do capital, na qual tudo é mediado pelo dinheiro e tem um valor econômico. Nesse sentido é correta. Mas a vida não se restringe à lógica do capital, e sob outra forma de relação social será o esforço coletivo aquilo que suprirá eventuais debilidades setoriais ou incapacidades permanentes ou ocasionais. O indispensável esforço humano individual distribuído coletivamente deverá se restringir ao mínimo necessário no sentido do provimento das necessidades de consumo social de bens e serviços (e com a máquina a serviço do homem, e não como instrumento de segregação social, como hoje ocorre);

c) a produção de mercadorias não é algo natural. Os objetos servíveis ao consumo humano somente se transformam em mercadorias quando ao lado do valor de uso elas adquirem valor de troca, que é uma mensuração econômica, uma riqueza abstrata, antinatural. Esse conceito abstrato somente foi introduzido socialmente (e em regiões diferenciadas) em data recente, em termos de história da humanidade (os nossos índios, há apenas 516 viviam e não sabiam o que era mercadoria. Por isso trocavam ouro por espelhos. As mercadorias somente existem dentro da forma de relação social capitalista, que não é a única possível (que aliás, está se tornando impossível);

d) as deformações sociais e sua segregação são originárias da escravidão indireta do trabalho abstrato, uma mercadoria chamada força de trabalho e fonte da existência cumulativa do capital, que é, concomitantemente, o mal em si e objeto do desejo dos indivíduos sociais transformados em cidadãos. A atividade humana em interação com a natureza é natural; o trabalho é uma categoria capitalista, antinatural e inumana.

É o que penso.

Um abraço, Dalton Rosado.

Anônimo disse...

Caros Celso e Dalton, como é sabido, o Capitalismo só pode ser superado se acontecer um levante vindo das nações economicamente mais fortes, levando assim, as demais neste mesmo embalo. Assim sendo, qual seria o papel mais viável da esquerda nos chamados países periféricos ?

Grande abraço

Marcelo Roque

celsolungaretti disse...

MARCELO, PRIMEIRAMENTE EIS A RESPOSTA ENVIADA PELO DALTON:

Caro Marcelo Roque,

a emancipação humana a partir da adoção de um modo de mediação social no qual a produção seja destinada à satisfação das necessidades humanas e não à acumulação da riqueza abstrata, que é sempre segregacionista, bem como a instituição de regras jurídicas completamente diferentes das atuais, não comporta a existência de nações com instituições de poder e economias nacionais.

É evidente que cada região deverá ter regras de convívios urbanos adaptados às suas realidades, culturas e costumes, mas tudo dentro de um universalismo do ponto de vista da subsistência de bens e serviços. Sob o conceito de um mundo uno não deverá haver as diferenciações jurídico-institucionais e econômicas hoje existentes. Daí não se conceber nações ricas e nações pobres; nações que ditam as regras e outras que obedecem; nações que exploram e outras que são exploradas. Essa é uma visão geral que deve nortear muitas outras questões pontuais.

O aprofundamento dessa questão requereria um tratado que desse uma forma jurídico-social correspondente a um novo contrato social, que obviamente, não pode ser exposto nessa breve resposta.

Em linhas gerais é o que penso sobre a questão do universalismo social, considerando que a proposição sobre o que fazer deve estar pautada sob o que não fazer.

Obrigado por acompanhar os nossos escritos e formular questionamentos que ajudam a um pensar coletivo sobre a enorme tarefa de superação da tragédia social que ora se aprofunda.

Dalton Rosado

QUANTO A MIM, ACREDITO QUE A ESQUERDA DEVA ABANDONAR A VIA ELEITORAL, TRAVAR LUTAS DE RESISTÊNCIA ÀS INJUSTIÇAS CAPITALISTAS E IR ACUMULANDO FORÇAS, POSICIONADA FORA DO SISTEMA E CONTRA O SISTEMA, ATÉ QUE SURJA UMA OPORTUNIDADE PARA ALGO MAIOR.

SE TODAS AS NOSSAS AVALIAÇÕES NÃO ESTIVERAM ERRADAS, HAVERÁ GRANDES CRISES ECONÔMICAS E AMBIENTAIS NAS PRÓXIMAS DÉCADAS. COM ELAS, VÃO SE ABRIR "JANELAS DE OPORTUNIDADES" PARA A REVOLUÇÃO ANTICAPITALISTA.

O IMPORTANTE SERÁ TERMOS, QUANDO TAL OCORRER, QUADROS CAPACITADOS PARA TRANSFORMAR A MERA LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA EM LUTA PARA ERRADICARMOS A CAUSA DESSAS DEVASTAÇÕES QUE SOFREREMOS. OU SEJA, QUE A SOCIEDADE SE REESTRUTURE DEPOIS EM TERMOS SOLIDÁRIOS, DE COOPERAÇÃO DO HOMEM COM O HOMEM AO INVÉS DA EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM.

E TEMOS DE REERGUER A BANDEIRA DO INTERNACIONALISMO REVOLUCIONÁRIO, POIS A TRANSFORMAÇÃO SÓ SE CONSOLIDARÁ SE, DESTA VEZ, OCORRER EM ESCALA GLOBAL. O SOCIALISMO EM PAÍSES ISOLADOS DEU NO QUE DEU.

ENFIM, VEJO A FASE ATUAL, PARA NÓS QUE NÃO VIVEMOS NOS PAÍSES CENTRAIS, COMO DE ACUMULAÇÃO DE FORÇAS E ESTRUTURAÇÃO DE UM MOVIMENTO DE ESQUERDA EM ESCALA INTERNACIONAL. ESTAMOS EM SITUAÇÃO PARECIDA COM A DE UM SÉCULO ATRÁS (EXCETUANDO A GUERRA MUNDIAL, CLARO) E O QUE TEMOS É DE, DESTA VEZ, APROVEITAR MELHOR A FRAGILIZAÇÃO DO CAPITALISMO.

É COMO VEJO A COISA. UM FORTE ABRAÇO!

Anônimo disse...

Grato pelas respostas, Dalton e Celso

Tb acho fundamental essa estruturação e acumulação de forças, com base no aprofundamento e expansão dos ideais revolucionários para camadas maiores da sociedade. Porém, enquanto não surgirem essas "janelas de oportunidades", as pessoas continuarão vivendo sob o Capitalismo e seus "receituários"(principalmente aqueles usados em situações de crise),e como sabemos, já há uma saturação dentro deste sistema em relação a atender as demandas econômicas e sociais. Fico aqui pensando, neste espaço de tempo pré-revolução,(que pode levar décadas e décadas) como extrair deste "bagaço de laranja" o suco que ele não mais pode dar ?


Um forte abraço !

Marcelo Roque

Related Posts with Thumbnails