São Jorge/Zumbi matando o dragão/latifundiário, na visão de Glauber Rocha |
A impunidade eterna dos torturadores da ditadura militar e seus mandantes foi acordada em pleno regime de exceção.
De um lado estavam os algozes, utilizando a libertação dos presos políticos e a permissão de volta dos exilados como moeda de troca para munirem-se de uma espécie de habeas corpus preventivo, pois sabiam ter cometido os mais hediondos crimes contra a humanidade.
Do outro as vítimas, representadas por uma oposição intimidada e que, ansiosa por virar uma página terrível da nossa História, não mediu o alcance das concessões feitas à tirania.
Selou-se o pacto num Congresso que várias vezes fora fechado e expurgado, tendo, ademais, a representação popular sido falseada por um verdadeiro arsenal de casuísmos.
É óbvio que um mostrengo político-jurídico desses violenta os preceitos legais das nações civilizadas e contraria as orientações da ONU para países que voltam à civilização depois de surtos de totalitarismo.
Revogar a auto-anistia dos torturadores seria uma medida imprescindível e urgente em qualquer redemocratização digna deste nome, mas o que ocorreu no Brasil foi uma transição para enganar trouxa, tutelada pelas mesmas forças que moviam os cordéis da ditadura por trás da cortina. As chances de uma ruptura verdadeira acabaram no dia em que foi rejeitada a emenda das diretas-já.
Os presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. previsivelmente, não quiseram ou não ousaram mexer nesse vespeiro.
Só no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva a revogação da Lei de Anistia foi discutida numa reunião ministerial, mas a corrente dos que temiam espantalhos (encabeçada por Nelson Jobim) prevaleceu.
Para salvarem as próprias faces, os ministros vencidos (Paulo Vannuchi e Tarso Genro) apontaram aos cidadãos inconformados o caminho dos tribunais. Era o que restava, pois o Executivo optara pela omissão e o Legislativo se fingia de morto; mas, percebia-se, ilusório. Já naquele agosto de 2008 eu advertia (vide aqui) que ficaríamos patinando sem sair do lugar.
A batalha jurídica realmente terminou quando o Supremo Tribunal Federal, numa das decisões mais estapafúrdias e escabrosas de sua História, decidiu avalizar a anistia extorquida mediante chantagem em 1979. Enquanto viger tal decisão, serão infrutíferos os esforços dos santos guerreiros que, movendo uma espécie de guerrilha jurídica, buscam brechas e atalhos para condenar os dragões da maldade.
Quanto muito, conseguem levá-los aos bancos dos réus nas instâncias inferiores, mas eles invariavelmente são e serão inocentados acima, a menos que o STF mude seu entendimento sobre o fulcro da questão. E este, ao que tudo indica, só o fará se e quando a Lei da Anistia for revogada.
É, claro, louvável a iniciativa do Ministério Público Federal, de denunciar cinco militares envolvidos na tortura, assassinato e ocultação do cadáver do ex-deputado Rubens Paiva -com base, inclusive, em documentos encontrados no sítio do falecido coronel Paulo Malhães, recentemente assassinado por bandidos comuns (com grande possibilidade de terem sido instrumentalizados por remanescentes da repressão ditatorial, conforme sustentei neste e neste artigos).
Mas, se o STF continuar velando o sono dos injustos, a tentativa dará em nada, como das outras vezes.
Também no Rio de Janeiro, o Grupo de Justiça de Transição do MPF denunciou seis envolvidos no atentado do Riocentro, ação terrorista que causaria um morticínio em larga escala se um dos petardos não tivesse explodido antes do tempo.
A juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal, acertadamente acatou a denúncia, argumentando tratar-se, à luz do Direito Internacional, de um crime contra a humanidade -portanto, imprescritível.
Este caso tem uma especificidade que possibilita a abertura de uma exceção à regra da impunidade: os fardados e o civil (um ex-delegado) não estão cobertos pela anistia de agosto de 1979, pois brincaram com fogo em abril de 1981, ao tentarem inibir o processo de redemocratização e o desmonte da engrenagem repressiva dos anos de chumbo.
Se nem assim for feita justiça, é melhor darmos uso mais apropriado ao espaço físico dos tribunais -talvez disponibilizando-o para os grupos teatrais, que nele poderão representar suas farsas.
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