sábado, 17 de março de 2012

NÃO ACEITO FRAÇÃO DE JUSTIÇA NEM COONESTO FARSAS

Os ditadores e seus ministros foram piores culpados
do que os paus mandados incumbidos do serviço sujo
Previsivelmente, a Justiça Federal no Pará rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o famigerado Sebastião Curió, pelo sequestro e assassinato de cinco militantes do PCdoB durante a guerrilha do Araguaia.

Também como se previa, o juiz alegou que a Lei da Anistia de 1979 garante a impunidade dos carrascos da ditadura militar.

Nova escaramuça judicial terá lugar no Supremo Tribunal Federal, 5ª feira que vem (22), quando estará em pauta mais um recurso da Ordem dos Advogados do Brasil contra a decisão da Corte de 2010 --aquela segundo a qual os criminosos de uma ditadura podem anistiar a si próprios durante a vigência do regime de exceção.

Como sempre digo, se Adolf Hitler houvesse tido esta  brilhante  idéia, a cúpula nazista ficaria a salvo do Julgamento de Nuremberg.

Um argumento da OAB é o de que os crimes contra a humanidade cometidos por autoridades estatais não podem ser anistiados por leis nacionais.

Eu não iria tão longe. Pensemos na seguinte situação: uma guerra civil em que os dois lados tenham incorrido em crimes contra a humanidade e a condição sine qua non para a cessação das hostilidades seja a anistia, em nome da pacificação nacional. Acredito que a prioridade, aí, seria o fim da matança.

A existência de brecha legal seria o critério
para punir ou deixar de punir torturadores?
Bem diferente era a situação brasileira em 1979. A luta se travara entre os paus-mandados dos tiranos (golpistas que usurparam o poder e submeteram o País ao terrorismo de estado) e civis que confrontavam o despotismo em condições de extrema inferioridade de forças.

Os crimes contra a humanidade foram cometidos pelos primeiros. Aos segundos só se podem reprovar excessos pontuais, comuns em lutas contra a tirania e quase sempre relevados pelas nações quando estas se (re)democratizam. 

A Resistência Francesa ao nazismo, p. ex., foi muito mais violenta do que a nossa, descarrilando trens, mandando quartéis pelos ares, justiçando militares e colaboracionistas, etc., tendo os autores desses atos sido depois reverenciados como heróis e mártires pela França agradecida.

Ademais, já não havia combates por aqui em 1979, e sim a paz dos cemitérios.

E o que é pomposamente designado como  anistia  não passou de uma sórdida barganha, enfiada na goela da esquerda mediante chantagem: os militares exigiram um habeas corpus preventivo para si e seus esbirros, como contrapartida para libertar os presos políticos e permitir a volta dos exilados.

Como o STF deixou de fazer o que qualquer corte civilizada faria --jogar na lixeira da História tal caricatura de anistia-, criou-se a bizarra situação em que a OAB e os procuradores tentam corrigir uma aberração jurídica recorrendo a filigranas jurídicas.

Pior ainda é a tentativa de laçarem unica e exclusivamente os torturadores que hajam cometido crimes continuados como o sequestro --os quais, alega a OAB no seu recurso, “em regra, só admitem a contagem de prescrição a partir de sua consumação – em face de sua natureza permanente”.

Trocando em miúdos: nos casos em que a repressão executou militantes e deu sumiço nos seus restos mortais, os crimes continuam em aberto até hoje face a não terem sido apresentados os respectivos cadáveres, que é quando se daria a  consumação  e o início da contagem dos prazos legais. Portanto, não teriam prescrito.

Em nome do espírito de Justiça, eu lembro que isto implicaria detonar a igualdade de todos perante a Lei. Aproveitando uma ínfima brecha legal, querem botar as mãos num Curió, que matou cinco, mas deixariam belo e lampeiro o Brilhante Ustra, em cujo centro de torturas foram assassinados, sob o seu comando, mais de 40.

Matar e entregar o defunto, tudo bem. Matar e sumir com o defunto, tudo mal. Isto lá é Justiça?!

Enfim, estou teclando à toa, pois o Supremo deverá, pura e simplesmente, reafirmar a estapafúrdia decisão de 2010 em sua plenitude.

Mas, tendo sofrido o diabo nas garras desses canalhas e lamentando até hoje as duas dezenas de companheiros e amigos que eles dizimaram, fico profundamente revoltado com tais subterfúgios, indignos da luta que travamos.

Justiça só se faria levando aos tribunais, como réus, todos que cometeram crimes e, PRINCIPALMENTE, TODOS OS QUE OS ORDENARAM (comandantes militares, ministros e outros figurões, inclusive os próprios ditadores, se algum deles ainda estivesse vivo).

E nem mesmo os autores diretos conseguiremos fazer com que sejam punidos sem a revogação da anistia de 1979 e consequente reconsideração da questão por parte do STF.

Eu sou um homem de esquerda que não aceito Justiça pela metade --muito menos uma fração de Justiça.

Não me contento com o sacrifício ritual de algum bode (ou pássaro...) expiatório, enquanto os crimes perpetrados por todas as demais bestas-feras permaneceriam impunes.

Não coonesto farsas, ainda que bem intencionadas.

7 comentários:

Anônimo disse...

e os financiadores (grupo ultra, bancos, montadoras...)? e o aparato de apoio (médicos, psicólogos, juristas...)? pouco se fala nesses!

celsolungaretti disse...

Não vejo muita chance de atingirmos tais universos, salvo em casos especiais como o do diretor do IML que ajudava a repressão a maquilar seus crimes, Harry Shibata.

O importante será, pelo menos, haver o registro histórico dessas infâmias. Cabe à Comissão da Verdade providenciar.

O momento de passarmos a ditadura a limpo era 1985. Veja, p. ex., os signatários do AI-5, pessoas que deram à ditadura o direito de ignorar habeas corpus e torturar à vontade.

Creio que só permanecem vivos o Delfim Netto e o Jarbas Passarinho. E, se iniciássemos agora algum procedimento judicial para lhes dar a punição merecida, com certeza morreriam antes da sentença ser executada.

Foi um desastre termos como primeiro presidente pós-ditadura um capacho da ditadura, o Sarney.

Apelido disponível: Sala Fério disse...

Vejo com mais simpatia, talvez por não ter sido atingido diretamente pelos atos repressivos da Ditadura, pois tinha apenas 10 anos de idade em 1968, a iniciativa do grupo de jovens procuradores federais: a meu ver, tentavam criar um precedente legal e achar uma brecha para iniciar o que, como você bem afirma, não ocorreu no momento certo - o qual teria que passar, necessariamente, por uma justiça transicional. A decisão do judiciário federal paraense foi, a meu ver, além de absurda, bastante destoante do que inúmeros magistrados nacionais têm expresso em suas declarações sobre o tema - não era, portanto, tão previsível assim. Eu diria, a esse respeito, que 'comete grosso equívoco é quem acha que uma lei de anistia possa isentar o Estado de rever e corrigir seus erros e os de seus agentes'. Também comete equívoco abissal quem defende que crimes hediondos como os de tortura e assassinato com desaparecimento de cadáveres possam ficar sem ser investigados, mesmo com toda a anistia do mundo. Concordo também que é absurda a teoria de que teria que se investigar o que fizeram os 'dois lados'. Um dos lados não torturou, não detinha o aparato estatal em mãos, não produziu falsos laudos, não desapareceu com cadáveres, não praticou sequestro com posterior execução, não mantinha controle social algum. Esse lado, que não fez nada disso e tentava, na verdade, reverter uma condição ditatorial, foi colocado no banco dos réus nas auditorias militares da época e respondeu até com a vida pelos crimes a ele imputados, já que muitas penas impostas a seus militantes acabaram em posterior assassinato. Os poucos que escaparam com vida, apesar de terem a cabeça a prêmio, é porque conseguiram sair do país. Sua pena, portanto, foi vagarem pelo mundo, enquanto sabiam que muitos de seus companheiros eram torturados e mortos em porões ou na mata, clandestinamente. Quase todos os que saíram do país em tais circunstâncias o fizeram muito a contragosto, divididos entre o dever de continuar a luta e a impossibilidade de vencê-la no momento. Deixaram para trás seus sonhos, parentes, amigos e boa parte de seus ideais, além do país que amavam - a despeito do mote 'Ame-o ou deixe-o'. Quer pena maior que essa? Os que torturaram e mataram, do outro lado, se auto-condecoraram com Medalhas do Pacificador, Ordens do Cruzeiro, Ordens do Mérito ... e jamais tomaram assento no banco dos réus: ficaram no país para usufruir sua vitória, pois, a seu juízo, haviam vencido a guerra - guerra iniciada por eles mesmos quando tomaram o poder à força. Eu tomo o poder, massacro os opositores, e depois me anistio em nome da 'conciliação nacional'? Justo, muito justo!!!

celsolungaretti disse...

Companheiro,

jurista fora do poder costumam falar o que soe bem para os ouvintes; e juristas no poder falam o que o homem da AGU e o juiz do Pará falaram.

Evidentemente, tendo sido preso político, torturado e companheiro/amigo de duas dezenas de valorosos militantes exterminados por essa corja, meu conceito do Curió é o pior possível.

Mas, torcida não adianta. Enquanto a Lei da Anistia não for revogada, o STF vai fazer com que ela prevaleça. Pouco importa o que rolar no MEIO desses processos, pois o Supremo, no FIM, decidirá em favor dos torturadores.

Lamento, mas é assim que as coisas são.

Apelido disponível: Sala Fério disse...

Concordo que essa lei tenha que ser revista e revogada. A lei 6683/79 foi redigida e aprovada de maneira impositiva e arbitrária, como tudo era, no período. Por ela, ninguém que tenha participado de 'terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal' pode ser anistiado. Ora, terrorismo é uma categoria usada pelo regime para qualquer ato contra ele. Sequestro com morte foi praticado por eles, bem como diversos atentados. Caberia ao Legislativo escrever uma nova lei que modificasse ou revogasse essa, já que o Judiciário não revoga leis - pode no máximo declarar sua nulidade. Quanto à independência dos julgadores, acho que não dá pra colocar todos no mesmo saco, principalmente nas instâncias inferiores, nas quais as visões são menos uniformes. Lembro que, segundo noticiavam os jornais na época da tentativa de revisão, a decisão provocou um racha dentro da própria estrutura do governo Lula, já que a Casa Civil (leia-se Dilma), o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos eram a favor da revisão. O placar da votação no STF foi de 7x2 (goleada vergonhosa), mas os votos de Ayres Brito e Lewandovski merecem louvor.

celsolungaretti disse...

Várias vezes já mencionei essa luta interna de 2007, que foi decisiva para não conseguirmos punir os torturadores.

Para deixar registrado no blogue, vou postar em seguida um comentário que escrevi neste domingo (18/03), numa discussão do assunto no CMI:

PATINANDO SEM SAIR DO LUGAR

"Em 2007 eu já antecipei que iria acontecer exatamente isto, quando o Governo Lula medrou diante do blefe militar e decidiu não levantar a bandeira de revogação da anistia de 1979.

Cantei a bola: com o Governo defendendo a impunidade dos torturadores e o Congresso omisso, perderíamos a batalha nos tribunais. Dito e feito.

Ainda escrevi um monte de artigos exortando a União a mudar sua posição quando da primeira ação na Justiça contra os torturadores (aquela dos procuradores que queriam fazer o Ustra e outro comandante do DOI-Codi pagarem pelos prejuízos causados aos cofres públicos por tal centro de torturas).

Não adiantou, em outubro de 2008 a Advocacia Geral da União se manifestou no sentido de que a Lei da Anistia vedava a punição dos torturadores. Logo percebi que era o fim da linha. (segue)

celsolungaretti disse...

(continuação)

PARA QUEM TEM A MÍNIMA NOÇÃO DE COMO O STF AGE, TORNOU-SE FAVAS CONTADAS QUE, QUANDO ACIONADO, SEGUIRIA A POSIÇÃO DA AGU. FOI O QUE FEZ EM 2010.

Então, dai a César o que é de César: o grande vilão neste episódio não é o Judiciário, é Lula. Foi ele que, quando seus ministros se dividiam sobre o assunto, tomou o partido de Nelson Jobim, contra a dupla Tarso Genro/Paulo Vannuchi.

Tudo que está acontecendo desde 2007 é consequência da vacilada do Lula quando o Alto Comando do Exército lançou-lhe aquela nota desafiadora que deveria ter sido respondida imediatamente com a exoneração dos responsáveis.

Lembra o título do meu artigo de então? DEMOCRACIAS NÃO ACEITAM ULTIMATOS.

Mas o Lula aceitou. Recuou vergonhosamente.

O Tarso Genro e Paulo Vannuchi, para disfarçarem a derrota que haviam sofrido, apontaram o caminho dos tribunais. E a esquerda que evita criar constrangimentos para o Governo do PT imediatamente encampou tal palavra de ordem. Eu disse que era uma roubada. Ninguém escutou.

Deu no que deu: estamos marcando passo há quase cinco anos.

Só desataremos este nó com a revogação da Lei da Anistia, seguida de nova ida ao STF, que aí não teria motivo para manter sua decisão de 2010.

Enquanto não travarmos a luta correta, continuaremos patinando sem sair do lugar".

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